Reforma administrativa cria contratação por prazo indeterminado e acaba com a estabilidade

Nesta sexta matéria da série “Reforma administrativa: o fim do concurso público”, o Sinpro-DF explica como ocorrerá e por que foi criada a denominada “contratação por prazo indeterminado”. Esse conteúdo também está disponível no quarto episódio da série de vídeos sobre a reforma administrativa também do Sinpro-DF. Para entender a criação do “vínculo por prazo indeterminado”, é preciso contextualizar a reforma administrativa na concepção de Estado defendida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, elaborada pelo governo Jair Bolsonaro sob o comando do banqueiro ultraliberal e ministro da Economia, Paulo Guedes.

O que o governo federal chama de “A nova administração pública”, não tem nada de novo porque resgata as relações trabalhistas políticas que norteavam o Estado e prejudicavam os brasileiros de antes da Constituição Federal de 1988. A PEC utiliza cinco tipos de vínculos empregatícios (formas de contratação) para extinguir o conjunto de direitos trabalhistas dos servidores públicos. Os neoliberais da década de 1990 voltaram ao comando do Estado, em 2016, e retomaram o discurso da última década do século passado em que classificavam os servidores públicos de privilegiados para privatizar os serviços públicos.

Assim, para entender o denominado “vínculo por prazo indeterminado” é preciso compreender que a reforma administrativa em tramitação no Congresso Nacional tem orientação fiscal e visão do Estado mínimo. Trata-se de uma concepção que prioriza a privatização total dos direitos fundamentais prestados à população por meio dos serviços públicos e defendidos por este governo como mercadoria. Não se trata nem de longe de uma reforma que busca a melhoria da qualidade dos serviços ou da gestão pública.

Quatro PEC em curso e o desmonte do serviço público
Antônio Augusto Queiroz, analista político, consultor, jornalista e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), explica que o que está em tramitação no Congresso é um documento neoliberal com efeito negativo sobre os servidores e o Serviço Público. Ele diz que, juntamente com a PEC 32/2020, é importante destacar as PEC nºs 186/19, 188/19 e 438/20, conhecidas, respectivamente, como PEC emergencial, Pacto Federativo e Regra de Ouro, que, somadas à PEC 32/2020, da reforma administrativa, promove uma demolição total do Estado de bem-estar social inscrito na Constituição Federal de 1988.

“As duas primeiras, elaboradas pelo Poder Executivo e apresentadas, no Senado, pelo líder do governo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), atualmente em tramitação naquela Casa, autorizam, em casos de descumprimento da regra de ouro ou do teto de gasto, a redução de salário com redução de jornada em até 25%; o não-pagamento de ações judiciais, se não houver prévia dotação orçamentária; a suspensão de reajuste, promoção/progressão, concursos etc.”, informa.

A terceira PEC, por sua vez, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM/RJ), em tramitação na Câmara dos Deputados, vai na mesma direção, permitindo ao governo a suspensão ou corte de direitos do servidor em caso de descumprimento da regra de ouro, ou seja, no caso de realização de operação financeira para cobrir gastos correntes. A quarta, a reforma administrativa, cria as condições para o desmonte do serviço público e a precarização dos direitos dos servidores.

Contratação por prazo indeterminado
Esse é o terceiro tipo de vínculo que a PEC 32/2020 cria para substituir as atuais formas de contratação de servidores públicos. A pessoa que pleitear a contratação numa carreira vinculada ao prazo indeterminado irá ingressar nos serviços públicos por meio de concurso e ficará 1 ano na etapa “vínculo de experiência”, período em que será avaliada. No fim desse período, ela será avaliada por meio da denominada “avaliação de desempenho” e poderá ser dispensada por vários motivos, embora tenha feito o concurso.

Só será contratado por tempo indeterminado quem for aprovado na avaliação de desempenho e será chamado para ingressar no vínculo de experiência o número de aprovados correspondente ao número de vagas disponíveis no concurso. A pessoa que conseguir ingressar e for contratada para o prazo indeterminado não terá estabilidade e poderá ser vinculada ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) ou ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Na contratação por prazo indeterminado, uma lei disporá sobre a perda do cargo, que pode ocorrer durante todo o período de atividade, muito embora no texto da PEC o governo destaca o parágrafo único do artigo 41-A dizendo que será vedado o desligamento dos servidores por motivação político-partidária.

Um dos problemas é que se a pessoa não for aprovada no vínculo de experiência, ela será dispensada. “Esse é o problema da PEC. Apesar de a pessoa ter passado no concurso público e adentrado a etapa denominada “vínculo de experiência” e, a partir deste momento, ter estabelecido um “vínculo” empregatício com o Estado, ela não terá estabilidade no sentido de estar garantida no emprego. Assim, se essa pessoa não passar na avaliação de desempenho durante a etapa “vínculo de experiência” (quer seja ela do concurso para contratação por prazo indeterminado, quer seja para o cargo típico de Estado, e essa última não tendo estabilidade ainda durante o vínculo de experiência), essa pessoa será dispensada e irá sair do serviço público sem seguro-desemprego, sem FGTS e outros direitos que os demissionários da iniciativa privada tem”, explica, Ana Paula Mandadore, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

“É importante destacar que, para “chegar” às carreiras denominadas de prazo indeterminado, a pessoa terá, antes, de passar por 1 ano de vínculo de experiência, período em que nem todos ficarão no serviço público. Com isso, a PEC traz para o setor público a alta rotatividade do setor privado. Ou seja, a PEC institucionaliza a alta rotatividade no setor público, o que, no caso do magistério público, irá  provocar a descontinuidade de projetos pedagógicos, vínculo com a comunidade escolar, entre outros”, explica Cláudio Antunes, coordenador de Imprensa do Sinpro-DF. Ele alerta para a campanha de políticos e empresários contra a estabilidade durante toda a carreira que, no magistério, irá favorecer à perseguição política, retirar a liberdade de cátedra e consolidar propostas ultrafundamentalistas, como a lei da mordaça (escola sem partido).

Cinco cargos e um pacote para silenciar servidores e privatizar os serviços
Os cinco cargos, ou vínculos empregatícios, propostos pela PEC 32/2020, impactam o magistério público tanto para os servidores atuais como para os futuros. “Essas cinco formas novas de contratação versam sobre a instabilidade e a falta de segurança do trabalhador do magistério, por exemplo, a falta da estabilidade. A retirada da estabilidade do servidor público retira desse profissional a sua capacidade de ser um agente fiscalizador do serviço prestado porque, por motivos mais simples e, geralmente, por motivos banais ou não muito claros, até por implicâncias inter-relacionais, ele poderá ser demitido por denunciar desvio de conduta, falta de recursos no local de trabalho”, explica Antunes.

A estabilidade é um direito da sociedade instituída na Constituição Federal que, ao concedê-la ao servidor efetivo, exige dele o compromisso com o Estado, com os serviços, com a população e responsabilidade com o dinheiro público. “Antes de trazer segurança ao servidor, ela garante a segurança do próprio serviço. A gente tem visto nos tempos atuais servidores denunciando desvio de conduta do governo local, na área da saúde, e o governo federal em vários setores. Nessa reforma administrativa, os servidores serão silenciados. Esse pacote tem esse efeito”, denuncia o diretor do Sinpro-DF.

Com a legislação atual, há incentivos de permanência na carreira pública, que é o adicional por tempo de serviço, que a PEC 32/2020 quer acabar. “Estudos mostram que que 53% dos servidores públicos das três esferas federal, estadual e municipal não ganham mais do que quatro salários mínimos, portanto, essa reforma expressa uma forte tendência de abertura do setor público para o empresariado tirar mais ainda dinheiro do Estado. Essa é a grande jogada dessa reforma”.

Antunes alerta para outro aspecto da reforma. “Haverá permissão para contratação por cooperação e esse tipo de vínculo permitirá que empresas prestem serviços, contratem professores via empresas terceirizadas sem as qualificações que existem hoje, que é de um servidor que estuda muito e tem alta qualificação para atuar no serviço público. Na comparação entre serviço público e privado, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2018, 50% dos trabalhadores do serviço público têm curso superior e, na iniciativa privada, apenas 15%”. Ele diz que a PEC é apenas um esqueleto. “Tem pouca coisa enxertada. Os neoliberais querem preenchê-la depois de aprovada. O que o governo Bolsonaro e os congressistas querem é aprovar uma espécie de carta branca para este governo federal legislar sobre como será desdobrado os direitos dos trabalhadores”, denuncia.

Por que a iniciativa privada tem tanto interesse na reforma administrativa?
“A pergunta que todos deveriam estar fazendo agora é: se estamos falando do setor público, por que a iniciativa privada tem tanto interesse nessa reforma administrativa? Porque essa é a forma de eles abocanharem recursos financeiros públicos e, obviamente, com o objetivo de lucrarem com o dinheiro público, os trabalhadores que forem contratados por meio dessas empresas, além de passarem por intensa rotatividade, como acontece hoje nas milhares de empresas terceirizadas que atuam no Estado, ou seja, de instabilidade, serão precarizados também na condição salarial”.

A prova disso é que a PEC 32/2020 visa a acabar com o Regime Jurídico Único (RJU) por meio das modalidades de contratação para cargos: por seleção simplificada (cargos com vínculo por prazo determinado e cargos de liderança e assessoramento (atuais funções e cargos comissionados); por concursos público (cargo com vínculo por prazo indeterminado; cargo típico de Estado (com estabilidade mitigada, que depende de avaliação de desempenho). Se forem aprovados nas avaliações de desempenho e suas classificações estiverem dentro das vagas disponíveis no concurso, os mais bem avaliados serão investidos no cargo com vínculo indeterminado; e no caso do cargo típico de Estado, inicia o estágio probatório com duração de 1 ano, após o qual, se for aprovado nas avaliações de desempenho, será efetivado.

A PEC extingue também vários direitos, tais como licença-prêmio; reajuste retroativo; adicional por tempo de serviço; adicional de indenização por substituição não efetiva; redução de jornada sem redução de salário; progressão e promoção automática ou apenas por tempo de serviço; incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções; férias superiores a 30 dias; etc. E, por sua vez, permite a extinção de cargos e órgãos por decreto presidencial; autoriza os três níveis de governo a firmarem instrumento de cooperação com órgão ou entidades, públicas e privadas, para a execução dos serviços públicos, incluindo aí com o comportamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.

Reforma administrativa atinge atuais servidores
Importante destacar que, ao contrário do que diz o governo Bolsonaro, a reforma administrativa valerá para os futuros e para os atuais servidores. “Ressaltamos que as duas únicas regras que só se aplicam aos futuros servidores são a do salário de ingresso, que será menor, e a da modalidade de contratação, que poderá ser emprego público ou cargo efetivo. Todos os demais aspectos alcançam os atuais servidores”, finaliza Antônio Augusto Queiroz, do Diap.

Confira, a seguir, primeira matéria da série:
PEC 32/2020 acaba com as férias do magistério público

Reforma administrativa privatiza serviços públicos por meio dos instrumentos de cooperação

Reforma administrativa modifica vínculos empregatícios e atinge os servidores

Reforma administrativa abole RJU e institui o contrato de experiência

Reforma administrativa, desmonte dos serviços públicos e o cargo típico de Estado

Clique no link, a seguir, e acompanhe também os vídeos com os episódios sobre a reforma administrativa: 

Ouça aqui áudios sobre o ponto a ponto da reforma administrativa

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