REDE PÚBLICA DE ENSINO | Programa do GDF prejudica cerca de 5 mil professores e 120 mil alunos
Diante da pandemia do novo coronavírus, diversas categorias de trabalhadores estão sendo prejudicadas com a retirada de direitos trabalhistas e a perda do emprego. No caso dos professores da rede pública de ensino do DF, os prejuízos não chegaram a atingir os contracheques, mas atacam o direito do exercício da profissão. Na outra ponta, alunos também se veem impedidos de exercer o direito humano à educação. Isso porque o Governo do Distrito Federal implementará o Programa Escola em Casa DF, que determina o retorno às aulas de forma remota.
A portaria que prevê a implementação do Programa Escola em Casa DF foi publicada no Diário Oficial do DF dessa segunda-feira (1º/6). No texto, o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) está fora da composição dos comitês central e regionais apontados para planejar o retorno das atividades escolares remotas e presenciais.
Entre outros pontos, o eixo pedagógico do projeto do GDF prevê aulas via internet, por meio de plataforma digital, e televisionadas. Entretanto, pesquisa realizada pelo Sinpro-DF revela que 21,27% dos 23 mil professores da rede pública de ensino que estão em sala de aula (cerca de 5 mil) não têm computador, indicado como equipamento mais apropriado para preparar as vídeoaulas. Este dado foi passado em primeira mão para a CUT-DF.
Um outro dado, este já publicado pelo Sinpro-DF, mostra que 26,27% dos 460 mil estudantes da rede pública de ensino do DF (120.842) não podem assistir e participar de nenhum tipo de educação à distância por não terem celular, tablet, computador ou notebook. Segundo a pesquisa, a maioria desses estudantes é das cidades de São Sebastião (39,02%) e Paranoá (38,53%), que fazem parte da lista de regiões administrativas mais pobres do DF, segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
A pesquisa do Sinpro também comprovou o fracasso das aulas televisionadas, que embora não estejam ainda contando para o calendário escolar, estão disponíveis em alguns canais de TV há cerca de dois meses. Pelo estudo, 57,90% dos estudantes (265 mil) não assistiram às teleaulas disponibilizadas pela Secretaria de Estado da Educação do DF (SEEDF). Dos 42,1% dos pais, mães e responsáveis do grupo que assistiram à programação das teleaulas, 56% estão insatisfeitos e 19% declararam que os filhos não estão conseguindo acompanhar o material.
“Essa pesquisa mostra que a falta de investimento histórico na Educação pública vai cobrar neste momento de pandemia e de emergência uma fatura gigantesca. Todos os dados da pesquisa demonstram isso”, afirma Cláudio Antunes, coordenador da Secretaria de Imprensa do Sinpro-DF.
Educação como um “bom negócio”
A análise feita por setores da esquerda política do Brasil é de que o presidente Jair Bolsonaro, aliados e empresários enxergam na pandemia do novo coronavírus uma oportunidade única para implementar projetos e propostas que arrochem ainda mais a classe trabalhadora e transfira renda para o setor privado. Não por acaso o Ministério da Educação e governadores que seguem a cartilha neoliberal vêm fazendo esforços hercúleos para implementar a educação a distância em todos os níveis da educação.
“O governo está dando um caráter de que (aulas remotas) é uma excepcionalidade, mas na verdade existe um projeto em curso, especialmente no Ministério da Educação, que é de mercantilização da educação, tornando a educação pública um bom negócio. O risco que nós estamos correndo é de que tirem proveito dessa situação de pandemia para querer fazer disso uma política permanente”, afirma a diretora do Sinpro-DF Rosilene Corrêa.
Para dimensionar os ganhos financeiros de empresas ao utilizar a educação como mercadoria, o lucro líquido da Ser Educacional, uma das grandes empresas que atuam na educação a distância no ensino superior, atingiu R$ 36,2 milhões no terceiro trimestre de 2019.
“(Governos) Estão empenhados em fazer com que isso (educação remota) aconteça porque, por trás disso, existem grandes empresas do ramo da educação que têm grandes contratos que, se não estão feitos agora, de imediato, serão feitos em um futuro próximo”, afirma Rosilene Corrêa.
Segundo a jornalista e doutora em Antropologia Olívia Bandeira, coordenadora do Coletivo Brasil de Comunicação Intervozes, as consequências do ensino remoto tem potencial de agravar as desigualdade educacionais do Brasil. “Essas medidas podem ter efeitos de médio e longo prazo para a qualidade do ensino, inclusive porque podem ser um ‘laboratório’ para aqueles que apostam no ensino a distância como forma de barateamento e sucateamento da educação básica e superior no futuro, ampliando ainda mais as desigualdades educacionais que já existem no país.”
Dados pessoais: a nova moeda
Para viabilizar o Programa Escola em Casa DF, o GDF prevê uma parceria com a Google, utilizando as plataformas Google Classroom e Google for Education. As plataformas da gigante digital sugerem que professores incentivem seus alunos a citarem a própria ferramenta como recurso didático, realizando rimas com a Google for Education,por exemplo, além de gravarem e disponibilizarem vídeos com suas manifestações.
“No caso da solução do Google para a educação, há pouca informação disponível sobre quais dados serão coletados durante o uso e como eles poderão ser utilizados pela empresa. A empresa já foi questionada judicialmente em diferentes ocasiões fora do Brasil por violar a privacidade e a intimidade de seus usuários”, afirma a coordenadora regional da Derechos Digitales – organização latino-americana que luta pela defesa e promoção dos direitos humanos no ambiente digital – Jamila Venturini.
Segundo ela, que também integra a Rede Latino-americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), “os interesses de grandes corporações de tecnologia em oferecer soluções educativas respondem a um modelo de negócios que se alimenta de grandes quantidades de dados para se aprimorar e acumular valor”.
“O acesso aos dados de milhares de estudantes ao redor do mundo ajuda no treinamento e desenvolvimento dos algoritmos de análise e predição dessas empresas. E quanto mais precisos sejam esses algoritmos em prever interesses e comportamentos dos mais variados públicos, mais valor terão os anúncios personalizados baseados neles. As informações coletadas também podem ser usadas para o desenvolvimento de outros produtos que futuramente serão comercializados”, afirma Jamila Venturini.
Série Covid-19: Trabalhadores no centro do debate
A CUT-DF iniciou na segunda-feira 25 a série Covid-19: Trabalhadores no centro do debate. Abordaremos as consequências da pandemia do novo coronavírus nas diversas categorias de trabalhadores do Distrito Federal, que vêm se deparando não só com a crise sanitária, mas também com o descaso de governos e patrões, que acentuam o ataque aos direitos trabalhistas.
Ao mesmo tempo, mostraremos a atuação dos sindicatos de trabalhadores, que não pararam em nenhum momento desde a chegada do vírus, reinventando suas formas de atuação para assegurar os direitos trabalhistas, bem como a dignidade e a vida dos trabalhadores.
Fonte: CUT-DF