As raízes de Paulo Freire no Distrito Federal e no Brasil

Adotado em quase todos os países do mundo, Paulo Freire está nas melhores escolas e universidades dos países desenvolvidos. No Brasil e no Distrito Federal, embasa as Metas dos Planos Nacional (PNE) e Distrital de Educação (PDE). Em 2013, a abordagem freiriana passou a fundamentar a Educação de Jovens e Adultos (EJA), instituída no País pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996.

“A EJA é modalidade na LDB, mas, na abordagem da educação libertadora de Paulo Freire, desde 2013, conquistamos e lutamos pelo cumprimento do PNE – Plano de Estado – a definição de ‘EJA na forma integrada à educação profissional’ nas Metas 9 e 10. Aqui no DF, construímos, coletivamente, em conferências promovidas pelo Fórum Distrital de Educação (FDE), as Metas 8, 9, 10 e 11 do PDE, desde 2015, e as Diretrizes Operacionais de EJA, aprovadas em 2019 e lançadas, este ano, em fevereiro de 2020”, explica Maria Luiza Pereira, professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Contudo, o projeto político e econômico em curso no Brasil afasta cada vez mais o direito à educação básica da classe trabalhadora. Mesmo com a alta demanda social do Brasil e do DF, o governo Bolsonaro se nega a usar o dinheiro público na alfabetização de brasileiros, mantendo a educação numa eterna crise que justifica a declaração do antropólogo, sociólogo e historiador Darcy Ribeiro de que “a crise da educação, no Brasil, não é uma crise; é um projeto” da elite.

Em 2019, o Bolsonaro aplicou apenas 2,8% do orçamento destinado à EJA. Dos R$ 54,4 milhões destinados ao programa, apenas R$ 1,5 milhão foi aplicado. Ao mesmo tempo, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018, revelaram imensa demanda por educação básica no País. Naquele ano havia 75.493.220 (milhões) de brasileiros com 15 anos e mais sem educação básica completa; 74.729.441 (milhões), com 18 anos e mais, sem educação básica completa; 11.300.000 (milhões), com 15 anos e mais, não alfabetizadas.

O diagnóstico do PDE estima que, no Distrito Federal, há mais de 1,2 milhão de pessoas de 15 anos e mais sem educação básica completa. Em 2019, o IBGE registrou, no DF, 66 mil pessoas de 15 anos e mais não alfabetizadas e, 124 mil jovens de 15 a 29 anos, que não trabalhavam nem frequentavam escola ou similar. Nesse mesmo ano, o DF teve o maior percentual, no País, de pessoas que concluíram o nível superior: 27% da população.

Filosofia freiriana na EJA
É importante destacar que depois das Metas 10 e 9 do PNE, a EJA passou a ser entendida na forma integrada à educação profissional. “Ou seja, não existe EJA sem uma integração na perspectiva do mundo do trabalho e não do mercado de trabalho”, esclarece a professora Maria Luiza Pereira.

Ela explica que “é nesse ponto que faz a diferença do entendimento de que Paulo Freire nos traz uma educação que seja libertadora não no sentido apenas de uma liberdade abstrata, utópica, mas de um exercício da liberdade de luta por direitos, de forma organizada, exatamente, na construção de uma nova sociedade, seja ela chamada de sustentável, de bem viver, de socialista, mas esta sociedade que está aí não tem capacidade de realizar o humano nas pessoas e, sobretudo no trabalho, o respeito à criatividade, às novas formas de organização do trabalho”.

Júlio Barros, diretor do Sinpro-DF, afirma que “é nesse sentido que o PNE e o PDE expressam, claramente, essa direcionalidade para uma educação que não é de empreendedores ou de reprodução da sociedade capitalista, mas uma educação que faça com que cada trabalhador, de forma organizada, possa construir a nova sociedade. É nesse sentido que o PNE e o PDE apontam, sim, nas Metas 8, 9, 10 e 11, claramente, a possibilidade do processo libertador. Construímos coletivamente os dois planos”.

Resistência: Cepafre alfabetizou 16 mil em 31 anos
Apesar do projeto destruição da educação pública, gratuita, libertadora, emancipadora e de qualidade socialmente referenciada, a resistência freiriana mantém vivo o projeto de educação da classe trabalhadora. “Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança”, diz Freire na obra “Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa”.

Essa esperança e alegria freiriana é uma espécie de combustível que mantém vivo o Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia (Cepafre) – um centro de educação popular. No Cepafre, os educadores entendem que ensinar exige rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes do educando, criticidade, estética e ética, dentre outras características apontadas pelo Patrono da Educação Brasileira.

Não é uma escola da rede pública e nem privada, mas é uma unidade educacional sem fins lucrativos que vive de apoio e de projetos e que entendeu que “ensinar não é transferir conhecimento” e “exige consciência do inacabamento. Fundado como associação de fins não econômicos, em 1989, o Cepafre completou 31 anos em 2 de setembro deste ano. Ele resultado de uma experiência de alfabetização iniciada em 1985, com a metodologia do professor Paulo Freire. Trata-se de uma iniciativa de um grupo de estudantes da extinta Escola Normal de Ceilândia com estudantes do Mestrado em Educação UnB.

O centro subsiste de muita resistência coletiva dos seus integrantes, leituras, pesquisa, debates. Do ponto de vista econômico, subsiste de doações de pessoas generosas que acreditam no trabalho, bem como de projetos. “No ano passado, por exemplo, tivemos quatro turmas financiadas pelo Sistema de Cooperativas Sicoob. Muitas vezes foi socorrido pelo Sinpro-DF. Tem apoio da UnB, com assessoria pedagógica desde a sua fundação, a partir de um termo de cooperação, renovado a cada 5 anos, tendo o professor Erlando da Silva Reses como responsável, na FE/UnB, pelo Termo de Cooperação, bem como o apoio da Faculdade de Direito, por meio do Núcleo de Prática Jurídica”, informa.

“Eu diria que o Cepafre é de fundamental importância em Ceilândia porque, mesmo sem muito apoio do governo, já alfabetizou mais de 16 mil pessoas ao longo dos seus 31 anos de existência. Pela relevância do seu trabalho de alfabetização recebeu o prêmio “Medalha Paulo Freire”, em 1985, e vários outros, como certificados de honra ao mérito do GDF e da Coordenação Regional de Ensino de Ceilândia”, afirma a professora Maria Madalena Tôrres, vice-presidente do Centro de Educação Paulo freire de Ceilândia e mestre em educação.

Semente plantada frutifica na capital do País
Apesar de toda a repressão e desinvestimento, o pensamento freiriano foi semeado no DF desde o início dos anos 1960. Madalena conta que grupos de várias cidades aprenderam a metodologia com o Cepafre, como o Cepac’s, de Sobradinho; Caremas, do Recanto das Emas; Casa de Paulo Freire, de São Sebastião; e vários outros grupos que iniciaram suas experiências a partir de Ceilândia, mas não conseguiram se sustentar financeiramente. “Não é fácil manter, num país como o nosso, que valoriza pouco a educação formal e menos ainda a educação popular”, afirma Madalena.

Nesta quarta matéria da série “Paulo Freire: vida e obra”, que integra a Semana Paulo Freire – 99 anos, o Sinpro-DF indica obras que são construções na EJA, na forma integrada de educação profissional, que se conjuga com as diretrizes operacionais de EJA do DF.

Clique nos títulos e baixe as obras:

Educando com Paulo Freire

Educação de Jovens e Adultos e Formação Humana

 

Coleção – Educação para todos

Memória e história

Formação política e as tecnologias

 

Confira, a seguir, outras matérias da série “Paulo Freire: vida e obra”:

Sinpro-DF inicia Semana Paulo Freire com série sobre vida e obra

Paulo Freire cria método e alfabetiza adultos em 45 dias

Atualidade de Paulo Freire na pandemia do novo coronavírus