Atualidade de Paulo Freire na pandemia do novo coronavírus

A pandemia do novo coronavírus tem reforçado a atualidade da filosofia paulo-freiriana não só na educação e na pedagogia, mas também na vida. Do ponto de vista da educação libertadora de Paulo Freire, a pandemia evidenciou o agravamento, cada vez mais, das desigualdades sociais produzidas pelo modo de produção capitalista na sua filosofia neoliberal e de Estado mínimo.

A condução das políticas de saúde e de combate à pandemia no Brasil afeta a vida da população trabalhadora. A prova está nos números: no início da tarde desta quarta-feira (16), o Brasil, segundo lugar em contaminações em mortes no mundo, apresenta 4,3 milhões de contaminados confirmados e mais de 13o mil mortes em apenas 6 meses. A matemática do governo federal, ainda que com método de contagem duvidoso e grandes subnotificações para omitir a dimensão da tragédia, revela um país à deriva com seus recursos financeiros públicos sendo canalizados para os interesses privados de uma minoria.

A gestão da pandemia desmascara a má gestão da economia, que tem levado ao aprofundamento das desigualdades já existentes. A crise é anterior à pandemia. Ela já estava instalada por meio de uma geopolítica de disputa muito forte entre EUA e China, com repercussões graves e bastante invasivas, de tentativas de intervenção na América Latina, já evidenciada na Venezuela e em outros países, como o Brasil no governo atual. 

Uma vez que essas desigualdades sociais, que já estavam agravadas por causa dessa nova geopolítica neoliberal, foram evidenciadas pela Covid-19, o Brasil se viu preso num quadro de crise que afeta os oprimidos, que seriam, para Paulo Freire, a população mais carente, e, sobretudo, os trabalhadores: os que sustentam as riquezas do País.
 
“A atualidade de Paulo Freire nos ajuda a perceber e nos dá a possibilidade de compreender que a luta continua na disputa entre o projeto da elite conservadora e o dos trabalhadores. Ele nos ajuda a assumir a educação política mesmo dentro das condições objetivas que estamos vivendo”, afirma Cláudio Antunes, diretor do Sinpro-DF.

Ele explica que o Brasil vive um desprezo total com um sistema público que está atendendo precariamente as demandas. Na visão de uma educação libertadora, o que Paulo Freire traz para os dias de hoje é aprofundar as condições estruturais e conjunturais do problema e, nessa medida, assumir a organização dos trabalhadores, compreendendo esse fato para, exatamente, ter uma elevação de consciência política e, nesse contexto, fazer uma resistência mais forte ao governo, portanto engajar à palavra de ordem do #ForaBolsonaro.

Nesse sentido, uma visão de educação libertadora freiriana conduz para o fato de que, na pandemia, precisamos trazer as razões pelas quais o Estado brasileiro não tem cuidado de seu povo, diferentemente de Cuba, onde o movimento do Estado foi o de fortalecer a imunidade da população para que o coronavírus não tivesse espaço de contaminação, enquanto no Brasil foi justamente o contrário”, denuncia a professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB), Maria Luiza Pereira.

Através do tempo
A teoria Paulo-freiriana atravessa o tempo. Ele foi o mentor da educação para a consciência. Muito mais do que um método de alfabetização de adultos, ele elaborou uma filosofia da educação adotada nas melhores escolas e universidades ao redor do mundo. Ele é o terceiro teórico mais citado em trabalhos acadêmicos no planeta. Considerado um dos mais notáveis pensadores da pedagogia da humanidade.

A ferramenta de pesquisa para literatura acadêmica Google Scholar apontava, em 2018, que Freire havia sido citado 72.359 vezes ao redor do mundo, ficando atrás somente do filósofo Thomas Kuhn e do sociólogo Everett Rogers, ambos estadunidenses. Ele foi perseguido pela elite empresarial brasileira e estadunidense. Por causa dos métodos inovadores e da filosofia pedagógica que ele havia criado, com foco na transformação social foi exilado por 16 anos.

“Evidentemente, eu fui preso e exilado por causa da ditadura. A ditadura militar de 1964 não só considerou, mas disse por escrito e publicou que eu era um perigoso, subversivo internacional, um inimigo do povo brasileiro e um inimigo de Deus”, disse Freire numa entrevista concedida à TV Cultura, em 1989.

Breve histórico
Em 1964, ano em houve o golpe civil-militar no Brasil, apoiado e financiado pelos EUA, que depôs João Goulart da Presidência da República, Paulo Freire foi cassado e preso por 70 dias. Na época, ele residia com a família em Brasília porque estava a serviço do então Ministério da Educação e Cultura (MEC) e desenvolvia um trabalho de formação de professores em Goiânia e o Programa Nacional de Alfabetização.

Esse programa foi extinto pela ditadura militar em 14 de abril de 1964. Pau mandado da elite empresarial conservadora do País e da Embaixada dos EUA, os militares acusaram o programa e o próprio Paulo Freire de subversivo e de ser contrário aos interesses da nação.  Acusaram seus autores de quererem implantar o comunismo no País.

Com esse golpe na educação, a elite, sobretudo a latifundiária, os EUA e os militares deram fim ao projeto de Goulart de lançar 60.870 Círculos de Cultura para alfabetizar 1,8 milhão de brasileiros ainda no ano de 1964. Desse total, 8,9% estavam na faixa etária entre 15 e 45 anos. Eram brasileiros que nunca tiveram o direito à educação e não sabiam ler nem escrever.

Diante do tema da pandemia do novo coronavírus e da história da educação brasileira, nesta terceira matéria da “Série Paulo Freire: vida e obra”, que integra a Semana Paulo Freire – 99 anos, o Sinpro-DF indica os livros “Pedagogia da Esperança”, de autoria de Paulo Freire (1992) e o livro “Medo e ousadia: o cotidiano do professor”, cujos autores são Paulo Freire e Ira Shor (1986).

Confira, a seguir, a primeira matéria da série:

Sinpro-DF inicia Semana Paulo Freire com série sobre vida e obra

Paulo Freire cria método e alfabetiza adultos em 45 dias