Comunidade escolar de Ceilândia rejeita militarização

“Força, ação, não à intervenção!” ecoou por todo o ginásio do Centro Educacional (CED) 07, de Ceilândia, na manhã desta terça-feira (5). E foi ao som desse grito de guerra que, em assembleia geral, a maioria dos(as) pais, mães, estudantes e educadores(as), rechaçaram a militarização da unidade, proposta pelo governador Ibaneis Rocha (MDB).

Durante o encontro, uma comissão de militares apresentou o modelo e propôs uma votação aberta para avaliar a iniciativa. Após intervenções de contrários e favoráveis, a heterogeneidade das opiniões dos presentes gerou um clima de tensão na assembleia.

Eram quase 11 horas da manhã quando a diretora do CED 07 fez a segunda assertiva para a comunidade – levantem as mãos apenas aqueles que são contrários à militarização -. O resultado foi nítido: mais da metadade não concordou com o projeto. Apenas um segmento da comunidade escolar em que a maioria deu aval positivo à militarização (pais e mães). Entretanto, mesmo diante do resultado, o governo não quer atender o desejo da maioria e convocou uma nova votação. Foi deliberada a realização de um plebiscito que deverá ser convocado em breve pela direção escolar.

Emocionada, a estudante Milena Nunes, 16 anos, criticou a convocação de um plebiscito. Para ela, com o resultado  da votação ficou claro que a maioria dos discentes são contrários à iniciativa. “Estão desrespeitando nossa vontade. Somos nós que vamos estudar aqui nesta escola e estão ignorando nossa opinião. Para nós, o ensino aqui no CED 07 já é bom e pode sim melhorar, mas, por outros meios. Já contamos com o apoio do Batalhão Escolar, o que precisamos agora é de qualidade de ensino, projetos pedagógicos, respeito à diversidade de opiniões, incentivo à permanência e de uma escola inclusiva, que nos prepare para o mercado de trabalho”.

Milena ainda concordou que a gestão escolar compartilhada com a PM não atenderá todos os estudantes e será uma escola privada disfarçada de pública. “Acredito que esse modelo não dará certo e não atenderá todos os alunos da rede pública. Minha mãe era a favor, mas depois ela começou a entender que essa medida vai gerar mais custos. Na minha casa, por exemplo, o meu pai é o responsável pela nossa renda. Não teríamos condições de pagar R$ 700 de uniforme e tantas outras taxas” , ressalta.

Já a professora do CED 07, Daniele Santos criticou a maneira arbitrária que a média está sendo implementada, mas, para a educadora, o sentimento neste momento é de vitória e resistência. “Nós não fomos consultados em nenhum momento. Somos contrários à militarização porque não queremos que tomem de assalto o nosso espaço. Estudantes estão com medo da forma como se dará esse processo. Exigimos respeito a todos os envolvidos e, principalmente, clareza nas decisões. Os alunos e professores se uniram de uma forma única e linda e mostraram que têm voz ativa. Seguiremos unidos até o último minuto” , afirma.

O diretor do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Júlio Barros relembrou que o projeto é inconstitucional porque desrespeita a Lei 4.751/2012, que determina a Gestão Democrática do Sistema Público de Ensino do DF e é um ataque proposital ao Artigo 205 da Constituição Federal de 1988 e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que estabelecem a função social essencial da escola. O diretor destacou que ao invés de investir igualmente em todo o ensino público, o GDF tenta retirar o Passe Livre Estudantil. “Apesar de todos os desafios, Brasília está em 4° lugar no ranking nacional do país, ou seja, damos conta do recado. Precisamos apenas do investimento necessário. Não somos contra os policiais, só não queremos que façam o nosso trabalho. O lugar dos PM’s é na rua, nos Batalhões Escolares, combatendo a insegurança e violência  que estão na sociedade. O governador quer nos desmoralizar ressaltando somente os problemas da educação, mas temos que lembrar que o GDF que tenta maquiar o sistema militarizando em apenas algumas escolas, é seguidor do mesmo governo que propõe a Educação à Distância, as privatizações e terceirizações de todos os setores. Essa não é a escola que queremos. Defendemos uma escola pública, gratuita e de qualidade para todos”, explica o sindicalista.

A também diretora do Sinpro-DF, Eliceuda Silva França  compartilhou um pouco de sua história e explicou porque a militarização não é a solução para a educação. “Estudei em uma escola em que pude sonhar e me formei professora porque também queria ajudar estudantes a realizarem seus sonhos. Lutamos para reformar o CED 07 e agora que está bonito e bem estruturado somos nós que temos que assumir, não a polícia . Esta medida é desumana e excludente. Precisamos que o governo invista recursos, abra concursos públicos e atenda todas as unidades escolares igualitariamente”, concluiu.

Entenda o projeto

Sem o mínimo de diálogo, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou que iniciará o processo de militarização do ensino público na Capital Federal por meio do projeto SOS segurança. A medida foi informada sob a tônica de combate a violência nas escolas, entretanto, é apenas uma manobra para maquiar os reais problemas da educação.

A proposta prevê, inicialmente, a militarização do CED 1, da Estrutural; CED 3, de Sobradinho; CED 7, de Ceilândia e CED 308, do Recanto das Emas e a pretensão é expandir o modelo a 40 unidades até o final do mandato.

Apesar de ser novidade aqui no DF, a militarização já foi implantada em alguns estados como, Goiás, Bahia, Roraima e Mato Grosso e dividiu opiniões.  O GDF sabe da necessidade de aplicar recursos humanos, financeiros e materiais em todo ensino, porém, investe pesado em apenas algumas unidades e ignora todas as outras 638 escolas que precisam de investimentos e, se quer, tiveram uma sinalização para o ano de 2019.

No Distrito Federal, o investimento anual por estudante gira em torno de apenas R$ 10 mil, enquanto as escolas militarizadas contam com dobro de recursos, cerca R$ 19 mil. A militarização nada mais é do que uma vitrine política para o governo que mantém a linha do descaso e ignora mais de 450 mil estudantes das demais escolas que serão segredados e não terão acesso às mesmas oportunidades.

O Sindicato dos Professores no Distrito Federal entende e alerta a população para o óbvio: se o GDF colocar mais recursos financeiro e mais 25 professores e orientadores em qualquer escola, o rendimento dos estudantes melhorará substancialmente. Prova disso são os Institutos Federais. Com menos investimento que as escolas militarizadas, mas com mais recursos que as escolas civis, elas conseguem um rendimento superior. Segundo o MEC, os recursos dos IF’s giram em torno de R$ 16 reais/ano.

É preciso encontrar uma solução democrática que atenda todos alunos de forma igualitária sem segregação.

É  preciso cobrar, fiscalizar e lutar para que as metas do Plano Distrital de Educação (PDE) sejam cumpridas. No ano passado, por exemplo, o GDF não construiu nenhuma escola. Nem mesmo a Meta 17 do PDE, que determina a valorização do magistério, não tem sido atendida. Pelo contrário, a realidade vivenciada é de congelamento salariais e tantos outros ataques.

É necessário  fortalecer as carreiras, criar novas escolas para acabar com as salas lotadas, investir na formação inicial e continuada da categoria e maximizar a luta por direitos e por uma educação pública, gratuita e de qualidade.

Fotos: Deva Garcia