Fake news, professor e sala de aula

O festival de Fake News que assola o país está a toda nas eleições de 2022. Trata-se de um mecanismo de má-fé que, por meio de mentira, induz as pessoas a julgamentos errôneos, muitas vezes contrários a seus próprios interesses.

Mas, afinal de contas, o que é Fake News?

Fake News é uma expressão que é diariamente surrada e desgastada. Qualquer coisa é Fake News. Donald Trump diz que a CNN só produz Fake News; Jair Bolsonaro diz que a “Globo Lixo” só produz Fake News. Então, já que qualquer um tem um conceito próprio de Fake News, a expressão não significa mais nada. É como chamar qualquer coisa que te desagrada de comunista ou fascista, segundo seu viés ideológico. Quando tudo vira comunismo (ou fascismo), nada é comunismo (ou fascismo).

O problema é que a Academia odeia essa expressão justamente por ser usada de qualquer jeito por qualquer um, ainda por cima com conotações ideológicas. Mas existe um fenômeno assombrando a sociedade mundial neste início de século XXI, conhecido e identificado por grande parte da população como Fake News. O que fazer, então?

 

Desordem da informação

A doutora Claire Wardle, da Harvard Kennedy School, apresenta, então, a ideia de desordem da informação. E, a partir daí, diferencia os processos de desordem da informação em três categorias diferentes: misinformation, disinformation e malinformation que, em português, viram informação equivocada, desinformação e má-informação. (Figura abaixo)

A informação equivocada e a desinformação são muito parecidas. Diferem, basicamente, pela presença ou ausência de dolo.

Imagine que você recebeu de um parente/ ou do(a) pastor(a) um vídeo afirmando que “se você já votou no primeiro turno, não precisa votar no segundo turno” (já adiantamos: isso é mentira, é falso!)”

Parentes não costumam desejar mal a você. Essas pessoas te amam, e querem sempre seu bem. Logo, não existe dolo, não existe má-intenção ao transmitir essa informação equivocada – até porque, elas de fato acham que essa informação é verdadeira. No caso do(a) pastor(a), estamos falando de autoridade incontestável para seus fiéis.

Mas a pessoa que elaborou esse vídeo e o disseminou pela primeira vez o fez sabendo que a informação é falsa. Essa pessoa propaga essa informação com má-intenção. Logo, existe o dolo, a intenção de te prejudicar e se beneficiar com essa informação errada. Estamos diante da desinformação.

A má-informação é quando uma informação que circulou em ambiente restrito, particular ou não publicizado, é divulgada em forma de denúncia, fora de contexto, com a clara intenção de prejudicar alguém específico (o dolo está presente, é inequívoco e inconteste, e tem um alvo específico).

Temos um bom exemplo de má-informação que circula diuturnamente nas redes sociais. É, segundo consta na informação mal-intencionada, “um vídeo em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, antes de se tornar ministro, defendia que filhas de ministros do STF fossem estupradas e que se atirasse a queima-roupa pelas costas de ministros do STF”. Na imagem, vê-se apenas Alexandre de Moraes falando, alterado. Não há nenhuma outra informação da imagem que corrobore ou desminta, tampouco contextualize o que ele está falando.

O vídeo em questão foi recortado e manipulado. Trata-se de uma transmissão da TV Justiça , que na ocasião julgava a ADPF 572. Essa informação consta do vídeo original. Em dado momento, o ministro começa a descrever os ataques que ele e outros membros da Suprema Corte recebem de radicais de extrema direita. A má-informação, com a intenção clara de prejudicar o ministro Alexandre, transformou uma descrição indignada de ataques de ódio de terceiros num ataque de ódio proferido pelo próprio ministro. O dolo é claro, cristalino e evidente.

O Trabalho de Claire Wardle é muito usado pela Unesco em seu trabalho de combate à desinformação. Você encontra disponível para baixar neste link (é o módulo 2: reflexões sobre a desordem da informação). É um excelente material, todo trabalhado em módulos de cursos.

Então, expressões como notícias fraudulentas não ajudam a definir o que, de fato, configura uma Fake News. Se a questão é o preciosismo, comunicação criminosa é muito mais eficaz. Trata-se de um crime que só falta ser tipificado no Código Penal Brasileiro, porque já tem toda a configuração de delito.

É também importante apresentarmos alguns aspectos das Fake News abordados por Correia, Jerónimo e Gradim, que deixam claro que se valem de vulnerabilidades de nosso sistema cognitivo:

  1. Por apresentar alegações falsas como notícia de forma deliberada, envolve planejamento humano mesmo que contenha execução robótica automatizada;
  2. fenômeno facilitado pela existência e expansão das novas tecnologias digitais, mídias sociais e conteúdos gerados pelo usuário;
  3. assemelha-se ao boato e difere-se deste quando comparamos os aspectos de propagação, compartilhamento e viralização das Fake News, bem como seu potencial para atrair visualizações e seguidores;
  4. sempre parte de algum ponto verídico / verdadeiro;
  5. produção e recepção efetuada através de redes sociais em contextos informais de coprodução colaborativa em que a delimitação da autoria no sentido clássico é mais difícil;
  6. conta com a participação de seus receptores na sua divulgação e dispersão.

 

Do limão uma limonada

Apesar de todos esses problemas, é possível aproveitarmos as Fake News como material em sala de aula. É possível identificar uma série de características dos textos das Fake News, bem como debater e aprender meios de combatê-las. A seguir, listamos algumas características clássicas de uma Fake News, para se debater em sala de aula. A imagem abaixo é parte integrante do PDF disponível neste link. Há vários outros exemplos. Material bem didático:

  • Causam reações emocionais fortes – quanto menos o texto provocar sua reflexão, e quanto mais ele provocar sua ira, melhor
  • Apelo religioso – Para fazer uso de chantagem, instrumentalizam deus, o diabo e todos os anjos e santos a seu bel prazer. A ideia é fazer você odiar o que está lendo.
  • Suposta omissão dos fatos pela mídia – só aquele texto que você recebe pelo zap ou pelo Facebook contém informações preciosas. A mídia não quer que você saiba. (Aquela informação não sai na imprensa porque a mídia não quer que você saiba ou aquela informação não sai na imprensa porque é falsa?)
  • Descrédito das autoridades em saúde – Cientistas que estudam anos a fio, e estão sempre atualizando seus conhecimentos não têm credibilidade, mas o texto que você recebeu no zap “manja” muito do assunto. Isso não seria inversão de valores?
  • CAPS LOCK EM EXCESSO – TEM TEXTO QUE CHEGA PELO ZAP QUE SÓ FALA EM CAIXA ALTA, VOCÊ JÁ REPAROU? POR QUE? (caixa alta é uma forma de berrar. Quem berra não quer diálogo, tampouco ponderação. Quer apenas impor suas ideias de forma hierárquica).
  • Sem fontes / fontes sem link – “um importante cientista italiano descobriu que (…)” mas não citam o nome do cientista; “a importante cientista italiana Giuliana Santinelli descobriu que” (e você joga o nome no Google e não encontra nenhuma referência à importante cientista)
  • A Experiência pessoal relatada no texto é mais importante do que evidências científicas, que são desconsideradas.
  • Uso de Emojis
  • Erros de português ou de digitação – o texto vem sempre errado. Pode ser erro de digitação ou erro de concordância.
  • Sempre há um “controle das massas” pretendido por entidades fantasiosas.
  • Misturam informações corretas para aumentar a credibilidade do conteúdo

A partir da enxurrada de Fake News, é possível trabalhar com seus alunos a leitura crítica das informações recebidas. É possível fazer os/as jovens pensarem criticamente.

O que não é possível nem admissível é propagar mentiras, por mais que você acredite ou concorde com aquele conteúdo. O(a) professor(a) é autoridade, os conhecimentos e informações por ele(a) passados formarão o arcabouço de diversos estudantes. Preencher esse arcabouço com mentiras é errado.

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