EC Vila Buritis vive drama com superlotação das salas de aula

Não é raro ver crianças com fome e em situação de violência familiar no Setor Águas Quentes do Recanto das Emas. Na cidade, que fica cerca de 40 quilômetros do centro de Brasília, a Escola Classe Vila Buritis é um dos poucos lugares da região que traz cores vivas nas paredes e a possibilidade de sonhar com uma vida melhor. As políticas educacionais implantadas pelo GDF, entretanto, vêm interferindo gravemente na realização desse sonho.

A unidade escolar que atende 800 crianças de 6 a 10 anos está com as salas de aula superlotadas. A situação foi gerada pela Estratégia de Matrícula para a Rede Pública de Ensino do DF 2022, que aumenta em até 25% o número de estudantes por turma em praticamente todas as unidades escolares do DF, do primeiro período ao ensino médio (creche, maternal I e maternal II tiveram aumento de até 60%).

Na EC Vila Buritis, a Estratégia de Matrícula resultou em turmas com até 35 crianças. Isso quer dizer que, descontando o espaço entre as carteiras e a lousa, a sala de aula disponibiliza 33 m² para acomodar 35 alunos. Com a superlotação, a exposição de livros e outros materiais essenciais à alfabetização está impossibilitada.

Com a Estratégia de Matrícula determinada, o número de alunos inclusos (que possui algum tipo de deficiência), também aumentou. No 4º ano E, por exemplo, são 19 alunos na turma, sendo 4 com deficiência intelectual.

O número de professores efetivos não acompanha o aumento de estudantes na EC Vila Buritis, o que também é praxe nas outras unidades escolares da rede pública. Atualmente, a escola tem 12 professores efetivos para 34 turmas, sendo duas delas especiais.

“A complementação é feita por professores com contrato temporário. O problema é que, todo ano, há uma renovação muito grande desses professores, e é normal que eles demorem para pegar a rotina da escola. Aí, quando estão se adaptando, têm que mudar”, conta o professor Robson José Ribeiro dos Santos, que atua há 12 anos na EC Vila Buritis.

Para Robson, a EC Vila Buritis é mais que um local de trabalho. Ele lembra com carinho das atividades desenvolvidas junto às crianças, e mostra tristeza ao não ter condições de desenvolver o trabalho que gostaria. “É como ser o Schumacher e, ao invés de estar em uma Ferrari, estar em um Fusca”, metaforiza o professor.

Ele explica que, de imediato, o problema que se apresenta com a atual Estratégia de Matrícula é quanto ao espaço físico. “As salas são muito apertadas, dificulta muito a realização de aulas mais dinâmicas, interativas e criativas. Os professores fazem milagres”, conta.

Mas os danos gerados com o aumento do número de estudantes por turma vão além, e podem trazer prejuízos para o resto da vida das crianças. “É impossível realizar um trabalho de excelência para todas as crianças, ainda mais em um contexto com muitas famílias em vulnerabilidade socioeconômica. A maior queixa dos docentes, nos períodos de avaliação do trabalho da instituição, é sobre as dificuldades das famílias em dar o suporte necessário; muito por conta de questões econômico-sociais, o que exige um empenho docente para atendimentos individualizados e constantes. E quanto maior o número de alunos numa mesma turma, mais fica humanamente inviável suprir as necessidades pedagógicas dessas crianças”, lamenta o professor Robson.

O docente lembra que as turmas com números excessivos de estudantes era um cenário tido em 2010, um ano após a inauguração da EC Vila Buritis, o que refletia no cenário da escola. “Nossa escola começou com um Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) abaixo da meta estabelecida para a época. Com muita luta, fomos, aos poucos, conseguindo reduzir o números de estudantes por turma, criando turmas inclusivas e conseguindo melhorar a estrutura física, com a ajuda da comunidade escolar e de algumas emendas parlamentares que conseguimos. Com isso, conseguimos elevar nossos resultados no Ideb, e hoje estamos dentro da meta estabelecida. Além disso, somos referência de educação na região. Nossa melhora não se deu exclusivamente por conta da redução de número de alunos na turma, foram inúmeros outros fatores. Mas é consenso entre todos os profissionais que essa redução foi determinante”, afirma.

Ação arbitrária
Pela primeira vez em 15 anos, o Governo do Distrito Federal construiu unilateralmente a Estratégia de Matrícula. Nessa década e meia, a elaboração conjunta do instrumento contou com a participação do Sinpro-DF, que avalia como essencial para o processo de aprendizagem o equilíbrio entre professores/número de estudantes por turma.

Além de retroagir 15 anos na política educacional, a Estratégia de Matrícula do GDF para 2022 também contraria o Plano Distrital de Educação, principal instrumento norteador de políticas públicas necessárias para que o direito à educação seja, de fato, efetivo.

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Entre as estratégias do PDE para garantir a aprendizagem dos estudantes, está o número de crianças por sala de aula de acordo com o disposto pela Conferência Nacional de Educação de 2010. Para um padrão mínimo de qualidade, a instância indica turmas com até 20 estudantes por professor(a) para os anos iniciais do ensino fundamental e até 25 estudantes por professor(a) para os anos finais.

Em reunião realizada com a Comissão de Negociação do Sinpro-DF, em que os problemas da Estratégia de Matrícula foram levados como pauta, o secretário-executivo de Educação do DF, Denilson da Costa, confirmou que há um “inchaço” no número de estudantes por turma, mas reforçou que a Secretaria de Educação tem dificuldades em fazer qualquer alteração imediata neste ponto. “No decorrer do ano, as adequações (nas unidades de ensino) serão feitas”, ponderou.

De acordo com o representante da pasta, a superlotação das salas de aula se deve à grande demanda por matrículas na rede pública. “Tivemos milhares de estudantes que, com a pandemia, estavam fora do sistema, não confirmaram matrícula. Também tivemos a vinda de estudantes da rede particular para a rede pública. Não estou dizendo que é a melhor Estratégia de Matrícula, mas temos um problema na mão”, disse Denilson da Costa.

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Segundo o próprio secretário-executivo de Educação, para o ano de 2022, foram feitas cerca de 27 mil novas matrículas, “e ainda há matrículas sendo feitas”.

“Houve o compromisso de, ao longo do ano, ajustar o número de estudantes por turma, dentro das possibilidades. Nós do Sinpro-DF continuaremos em diálogo com o governo para que isso seja, de fato, realizado”, afirma a diretora do Sinpro-DF Luciana Custódio.

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