ESTRATÉGIA DE MATRÍCULA | GDF retroage 15 anos em política educacional

Em plena alta da Covid-19, o Governo do Distrito Federal decidiu ampliar em até 60% o número de estudantes por turma na rede pública de ensino. A determinação, feita sem qualquer diálogo com o Sinpro-DF, está na Estratégia de Matrícula para a Rede Pública de Ensino do Distrito Federal 2022.

A etapa mais atingida é a educação infantil (creche, maternal I e maternal II), que abrange crianças de 0 a 3 anos – grupo que ainda não pode ser imunizado contra a Covid-19, mas é passível de contrair o vírus, podendo se tornar vítima fatal da doença. A Estratégia de Matrícula de 2021 permitia, no máximo, 15 estudantes por turma desta etapa. Neste ano, esse teto pulou para 24.

Pelos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, a relação entre o número de crianças por turma e o número de professores(as) (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol2.pdf) é de “uma professora ou um professor para cada 6 a 8 crianças
de 0 a 2 anos; uma professora ou um professor para cada 15 crianças de
3 anos; e uma professora ou um professor para cada 20 crianças
acima de 4 anos”.

No documento que estabelece a Estratégia de Matrícula para o ano letivo de 2022, o GDF determina a ampliação do número de estudantes por turma em praticamente todos os anos da Educação Básica, permitindo salas de aula com até 42 estudantes. Apenas o Novo Ensino Médio não teve alteração. Mesmo assim, aponta até 38 estudantes por turma.

A diretora do Sinpro-DF Berenice D’arc denuncia que a ação arbitrária do GDF retroage 15 anos de política educacional. “Desde 2007, Sinpro e GDF definem em conjunto as Estratégias de Matrícula, equilibrando as possibilidades da rede pública, a qualidade de vida e valorização de professores e professoras e a qualidade do ensino proposto à população. Neste ano, a atual gestão do DF deu seguimento à política de diálogo zero e decidiu unilateralmente sobre o importante instrumento”, afirma.

Berenice D’arc ainda lembra que, na Câmara Federal, está em tramitação avançada o Projeto de Lei 4731/12, do senador Humberto Costa (PT-PE), que limita em 25 a quantidade de alunos na pré-escola e nos dois primeiros anos do ensino fundamental e em 35 nos demais anos do ensino fundamental e no ensino médio. “Das unidades da federação, o DF é uma das que mais tem mais condições de estabelecer a redução do número de estudantes por turma”, diz. O PL já foi aprovado pela Comissão de Educação da Câmara e será analisado em caráter conclusivo (sem passar pelo Plenário) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

PDE às traças
A determinação da Estratégia de Matrícula do GDF para 2022 também contraria o Plano Distrital de Educação, principal instrumento norteador de políticas públicas necessárias para que o direito à educação seja, de fato, efetivo.

Entre as estratégias do PDE para garantir a aprendizagem dos estudantes, está o número de crianças por sala de aula de acordo com o disposto pela Conferência Nacional de Educação de 2010. Para um padrão mínimo de qualidade, a instância indica turmas com até 13 crianças para estudantes com 3 anos e, no caso de estudantes de 4 e 5 anos, turmas com, no máximo 22 crianças. Isso significa até 84,6% menos que o estabelecido pelo GDF para crianças dessa faixa etária.

“A oferta de um ensino de qualidade também passa pelo número de estudantes em sala de aula. É humanamente impossível que o professor ou a professora ofereça atendimento mais individualizado em um contexto de sala de aula com mais de 40 alunos. A decisão do GDF, de um lado, compromete o processo de aprendizagem dos estudantes e, de outro, impõe a professores e professoras ainda mais sobrecarga de trabalho. Isso é escancarar a falta de compromisso com a educação pública e com o povo do DF”, avalia a diretora do Sinpro-DF Luciana Custódio.

De acordo com a dirigente sindical, a imposição do governo local de superlotar salas de aula vai ao encontro da política de enxugamento do quadro de professores(as) concursados na rede pública de ensino e do descompromisso com os protocolos para conter a pandemia. “Quanto mais alunos em sala de aula, menos professores na rede. Isso já é absurdo em um contexto de tranquilidade sanitária. Agora, em plena pandemia, isso toma proporções ainda mais graves: passa a ser uma investida contra a própria vida. Isso porque está completamente inviável a realização de distanciamento em sala de aula, um dos principais protocolos para conter a Covid-19”, explica Luciana Custódio.

Ainda pior
Ao mesmo tempo em que o GDF amplia o número de estudantes por turma, ele retira das escolas públicas profissionais e mecanismos indispensáveis para o processo de aprendizagem. E isso em um contexto de 26 mil novas matrículas registradas para este ano.

Em entrevista ao TV Sinpro, a gestora da Escola Classe 08 do Guará, Andrea Felisola, denunciou a drástica redução do número de educadores sociais voluntários, que dão suporte à educação especial e às escolas de educação em tempo integral.

“Antes da pandemia, eu trabalhava com 20 a 22 educadores sociais voluntários. Quando voltamos, no sistema híbrido, me deram 15; e fomos nos moldando. Agora, temos 8. O Guará tem direito a 163 (educadores sociais voluntários), eles (o GDF) reduziram para 92”, denuncia a gestora.

Atualmente, educadores sociais voluntários recebem R$ 30 por dia de atuação como ressarcimento exclusivo para alimentação e transporte. Para o Sinpro, a figura desse profissional é essencial no dia a dia escolar. Entretanto, as condições financeiras impostas a eles estão longe de serem as adequadas. “Temos uma crítica a essa forma de contratação. Avaliamos que haja uma precarizção da mão de obra. E não há como as escolas funcionarem sem eles. Entretanto, o correto seria a realização de concurso público para termos esses profissionais com a garantia de condições de trabalho dignas”, pondera a dirigente do Sinpro-DF Rosilene Corrêa.

Também está em atraso o repasse do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF), recurso determinante para a adequação do ambiente escolar. A prática é recorrente, segundo gestores(as) das escolas públicas do DF. Mas fica ainda mais grave diante de um contexto de pandemia/salas de aula lotadas. “Quando se superlota as salas e ainda retira-se o recurso, retira-se a oportunidade de uma educação de qualidade para o aluno”, avalia Eufrázia de Souza, gestora do CED 8 do Gama.

“É uma luta antiga nossa, de que a gente tenha periodicidade já definida para receber (o PDAF), para que gestores saibam o quanto receberão e se programem melhor. Obrigatoriamente, deveríamos receber 30 dias antes do início do ano letivo. Mas chega tudo em cima da hora; e gestores se arriscam comprando fiado”, complementa Rosilene Corrêa.