Violência nas escolas – entrevista com Miriam Abramovay

Socióloga, professora e pesquisadora, Miriam Abramovay foi uma das palestrantes do segundo dia do 1º Seminário de Integração do Batalhão Escolar com a Comunidade, promovido pela Polícia Militar do DF. Formada pela Universidade de Paris, na França, mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e autora de vários livros, ela é especialista em políticas para a juventude e em violência escolar. Para um auditório com mais de 800 espectadores, a maioria deles policiais, Miriam fez uma palestra provocativa, em que apresentou uma análise sobre as dificuldades da escola pública do século XXI, confrontou opiniões previamente coletadas dos estudantes sobre a polícia e vice-versa, e explicou os dados da Pesquisa Convivência Escolar e Violência nas Escolas, realizada no final de 2008 e coordenada por ela. Desenvolvida pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla) em parceria com a Secretaria de Educação do DF, essa pesquisa é a maior coleção de informações já coletada no Distrito Federal.

“A escola deveria ser um lugar protegido, mas não adianta colocar muros cercando o prédio. Ele continua sendo um ambiente de medo”

Quais são os principais problemas das escolas hoje?
As escolas reproduzem os problemas da sociedade, além de ter os seus próprios. Ao se tornar uma escola democrática, ela se massificou também, sem que fosse acompanhada de uma boa formação dos professores. Se nós não entendermos a forma de falar dos jovens de hoje – por exemplo, sua comunicação pela internet – isso cria um problema. Por outro lado, os jovens têm consciência de que eles precisam ir à escola. Mas, ao mesmo tempo, têm profundo rechaço por essa escola, como ela é.

E do ponto de vista da violência escolar, quais são os maiores problemas e suas causas?

Existe uma violência da sociedade que reflete dentro das escolas, como o tráfico de drogas ou brigas de gangues. Mas a principal forma de violência é aquela cotidiana. A homofobia, o racismo, as agressões verbais e físicas, a aversão aos pobres, aos nordestinos. Assim como adultos não sabem lidar com jovens, eles próprios não sabem lidar com a diversidade.

Como a violência atrapalha o aprendizado?

Os alunos dizem em pesquisas que não querem ir à escola, os professores e diretores também não, eles têm medo. A escola deveria ser um lugar protegido, mas não adianta colocar muros cercando o prédio, ele continua sendo um ambiente de medo.

Que resultados da pesquisa mais surpreenderam?

Chamou muito a atenção como eles mesmos reproduzem uma visão negativa da sociedade sobre os jovens. Eles se acham incríveis, mas falam muito mal de seus colegas. Em relação à violência em si, a homofobia é algo que chama muito a atenção. São muitos depoimentos disso e de racismo. Já as agressões sexuais não são sequer faladas. Há uma negação de que existam, mas os números mostram que esse tipo de agressão está lá.

Quais são os caminhos para lidar com a violência escolar?

A primeira coisa que sugerimos ao governo foi a realização de cursos para os professores. A segunda proposta foi que as escolas tentassem absorver uma linguagem mais jovem. Outro ponto importante é a nova pesquisa que vamos fazer, mais focada na questão da aprendizagem em si.

A inclusão de temas como racismo e sexualidade no currículo ajuda a diminuir o preconceito?

Na prática, eu não vejo muitos resultados, porque eu fui às escolas e os adolescentes, principalmente os meninos, estão cada vez mais homofóbicos. Talvez a discussão desses temas no curso que estamos dando aos professores seja um primeiro passo para a solução desse problema.

Quando a polícia deve ser chamada pelas escolas?

Não se pode chamar a polícia por causa de uma briga simples, com empurrões, mas se um aluno está com uma faca na escola, a polícia é necessária. O problema é que existe uma tendência nas escolas de ignorar conflitos. Ninguém vai dar um tiro no outro do nada. A coisa vai sendo construída aos poucos, mas a direção não vê. A sensação quando isso acontece é de que a escola não consegue resolver nada, então eles resolvem.

Como lidar com a cyberviolência?

Ela ultrapassa a violência entre alunos e atinge muito os professores. E a escola não tem a mínima ideia do que fazer sobre isso. Isso nunca foi discutido.

E o envolvimento das meninas em atividades violentas?

Há uma mudança de atitude. Como a nossa sociedade reconhece aquele que é macho, que tem mais poder, elas desejam ser assim. Não há um reconhecimento das meninas por sua capacidade de dialogar, por exemplo.

Você definiu sua palestra como provocativa. Por que provocar o batalhão escolar?

Eles podem ficar com raiva de mim ou se sentir estimulados. Eu já dei outras palestras e cursos para a PM e acho que se eles não forem provocados aceitam o senso comum. Quando você mostra uma visão negativa que a sociedade tem sobre eles, muitos se revoltam. Não sou eu que estou falando que a polícia é repressora ou violenta, são os alunos que os veem assim. Eu também trouxe os depoimentos para mostrar que o papel deles não é dentro das escolas, mas do lado de fora delas. Eles têm que ser chamados quando há problemas de segurança pública, e não para resolver conflitos escolares.

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