Vietnã: o país onde o corona não se cria

Ben Thanh Market, Ho Chi Minh City, em 17 de abril de 2020. Foto: D. Torras

 

Uma notícia chamou atenção do mundo nesta semana: a Covid-19 já matou mais norte-americanos do que a Guerra do Vietnã. A informação despertou uma curiosidade: como estão as mortes por causa do novo Coronavírus no Vietnã? A resposta surpreende.
 
De janeiro até agora, o país não registrou nenhuma morte por Covid-19 e provou ao mundo que, contra o novo coronavírus, o único remédio é o isolamento social rígido. Em entrevista para o site do Sinpro-DF, o professor David Torras, um espanhol que reside e dá aulas de inglês em Ho Chi Minh (conhecida também como Saigon), conta que não se tem notícias de uma única morte por Covid-19 no país.
 
De fato, o Vietnã é um dos poucos países do mundo onde a pandemia não causou estragos, pois o governo de lá agiu rápido, quando a pandemia ainda ameaçava atingir seu pico na China. No fim de janeiro, o Vietnã aproveitou os feriados de comemoração do Ano Novo Lunar e fechou as fronteiras com a China e demais países vizinhos. Ao mesmo tempo, adotou uma estratégia denominada “low cost” (baixo custo) e implantou um isolamento social rigoroso, sobretudo de doentes e de estrangeiros.
 
Com quase 100 milhões de habitantes, até hoje o país não registrou uma só morte e pouco mais de 300 contaminados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem elogiado, internacionalmente, a transparência, a adoção do low cost e o isolamento rígido por não ter condições de fazer testes em massa.
 
BLOQUEIO NACIONAL: NO PAÍS ASIÁTICO, O IMPORTANTE É A VIDA

As universidades de várias partes do mundo que estão monitorando o avanço do novo Coronavírus, mostram, nas estatísticas, que aquele país asiático ainda não registrou óbitos por Covid-19 e se revela exemplo de combate à pandemia. O Vietnã fechou as escolas no fim de janeiro e não as reabriu até hoje. Os estudantes vietnamitas estão tendo aulas virtuais e a previsão de retorno do ano letivo é somente em junho: 6 meses de isolamento social.

David Torras também tem dado aula virtual. Ele destaca o fato de haver, relativamente, poucos casos de contaminação e nenhuma morte ao contra-ataque do governo. “Destaco isso, principalmente, em se considerando a proximidade geográfica do país com a China. Penso que o principal motivo para isso é que o país, como muitos outros estados asiáticos vizinhos, reagiu rapidamente quando os primeiros casos começaram a aparecer na China, em janeiro de 2020”. No país asiático, o importante é a vida.

O resultado do bloqueio nacional e do isolamento social rígidos entre janeiro e meados de abril e nenhum registro de mortes por Covid-19 permitiram ao Vietnã o retorno à vida normal, agora, no fim abril. Contudo, o governo colocou em curso um retorno planejado e lento a fim de evitar novo surto e recontaminação em massa.

 

NINGUÉM CONVOCOU VOLTA ÀS RUAS
O professor conta que, no dia 1º de abril, o governo implantou um bloqueio nacional que perdura até hoje. Desde então, as pessoas devem usar máscaras sempre que estiverem em locais públicos. Estão terminantemente proibidas reuniões de mais de duas pessoas, entre outras diretrizes de combate à doença. “Em geral, os vietnamitas têm um caráter não conflituoso, como a maioria dos outros países asiáticos. Houve diretrizes claras do governo e a maioria das pessoas cumpriu, especialmente nas principais áreas urbanas”, informa.

Ele conta que em nenhum momento governo e comerciantes e religiosos convocaram a população a ir às ruas. “Isso não está acontecendo aqui. A pandemia é o principal tópico de discussão, a qualquer hora e em qualquer lugar. O mercado de trabalho está sofrendo, como em todo lugar. Mas ninguém fez esse tipo de convocação por aqui. Não existe.”, ressalta.

Os jornais locais divulgam, diariamente, que um terço da população trabalhadora está temporariamente desempregada. “No entanto, é provável que esses dados sejam imprecisos, pois existe uma economia informal muito grande no Vietnã. Portanto, obter dados confiáveis no campo do emprego pode ser bastante complicado”, explica.

O governo, segundo ele, está sendo muito cauteloso. “Ele quer reabrir a economia lentamente, pois entende que, se as coisas forem feitas com muita rapidez, uma segunda onda poderia facilmente ocorrer. Alguns empresários, obviamente, estão ficando ansiosos, pois relatam perdas ou já tiveram de fechar seus negócios. Geralmente, as pessoas estão bem cientes da situação e não pressionam para que tudo reabra imediatamente”, assegura.

IMPACTO NA EDUCAÇÃO
Escolas e universidades estão fechadas desde o fim de janeiro de 2020. Os estudantes continuam estudando online. “Conseguir que as crianças se concentrem no treinamento remoto é bastante desafiador”, afirma o professor de inglês do centro de idiomas local ILA, onde dá aulas, principalmente, para crianças entre 4 e 11 anos nos níveis Cambridge “iniciantes”, “movers” e “flyers”.

Torras dá aulas também para adolescentes e ministra treinamento para empresas. Ele diz que, quando o isolamento social entrou em vigor, estava no fim do primeiro semestre. Em Ho Chi Minh, cidade no sul do país, famosa pelo papel que desempenhou na Guerra do Vietnã, oficialmente, os estudantes seguem as normas que regem todo o país: ainda estão participando de cursos online e terão de fazer exames finais.

No entanto, na prática, segundo ele, parece haver casos de indulgência excessiva em algumas escolas, o que significa que os estudantes não seguem, necessariamente, o plano de estudos estritamente, pois muitos afirmam estar entediados. “Na minha escola de idiomas, eles introduziram aulas online. No entanto, os resultados não são bons porque lidamos com crianças de 4 a 11 anos e níveis baixos, o que dificulta o ensino online”, afirma.

DESAFIOS DA APRENDIZAGEM EM EAD
Ele cita as distrações que ocorrem em casa e atrapalham o aprendizado. “Em casa, as crianças têm uma quantidade muito maior de distrações do que na escola regular ou de idiomas. Imagino que algumas pessoas estejam utilizando as teleaulas ou vídeoaulas, mas, pessoalmente, não ouvi falar de nenhum colega ou amigo íntimo que esteja fazendo isso. Acho que as vídeoaulas seriam mais úteis do que a interação online ao vivo, pois elas dão ao estudante mais independência e há menos problemas com a conexão com a Internet”.

Torras conta que, durante as sessões de Zoom online, os professores estão, regularmente, tendo problemas com a Internet devido à sobrecarga, queda de conexão, dificuldade em gerenciar grupos de cerca de 15 estudantes e assim por diante. Ele observa que o Vietnã é um país muito bem conectado em termos gerais.

“A maioria das pessoas tem Internet em casa. O problema está mais relacionado ao estabelecimento de um ambiente de aprendizado adequado porque, em uma casa típica do Vietnã, há duas, três gerações vivendo sob o mesmo teto, o que cria muito ruído e distrações”.

O professor não sabe precisar o percentual de estudantes que não têm as ferramentas para estudar online. “Mas acho que é baixo porque a maioria dos vietnamitas tem acesso à Internet e a Smartphones. O governo não intervém para evitar que os estudantes atrasem seus trabalhos de casa, pois essa é a responsabilidade das escolas”, afirma.

AULAS PRESENCIAIS SÓ EM JUNHO
O ano letivo no Vietnã deve voltar em junho. “Normalmente, os estudantes têm um intervalo de dois meses entre junho e agosto, mas, como este ano eles terão um intervalo de quatro meses devido à Covid-19, acho que o plano é que as crianças estudem de junho a janeiro do próximo ano para permanecerem no caminho certo e consigam cumprir o currículo”, informa.

Segundo Torras, a maioria dos professores, incluindo ele mesmo, obtém uma renda boa com a profissão. “Portanto, em termos gerais, estamos indo bem, economizando e, obviamente, gastando menos, porque as lojas, restaurantes e cafés estão fechados”.

A dificuldade maior é para os colegas professores extrovertidos, uma vez que estão mais entediados, especialmente porque a vida social é bastante ativa no Vietnã sob circunstâncias normais. “Mantemos contato com amigos e familiares, nos reunimos, ocasionalmente, na casa de outras pessoas, mas apenas de duas a quatro pessoas, a fim de evitarmos possíveis reclamações. Mal podemos esperar para que essa situação acabe”, finaliza.

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