Covid-19 na Espanha: tragédia, isolamento e mudanças na educação

Ninguém na Avenida San Cristóbal, La Coruña, Espanha, em 16/4/2020, um mês depois de decretado o isolamento social obrigatório

 

A Espanha decretou isolamento social depois de uma trágica experiência com o novo coronavírus. Só quando as pessoas começaram a morrer em massa, os governantes entenderam que, primeiro, tinham de proteger a vida; depois, a economia. O descuido revelou que o país não aprendeu com as pestes que, em vários séculos passados, dizimaram milhões de pessoas na Europa.

Apesar dos avisos científicos, quando a Espanha decidiu instituir o isolamento social obrigatório, o estrago já estava feito. O resultado está nos números. Depois da Itália e dos EUA, que não respeitaram o aviso da ciência e a não aprenderam com a experiência da China, a Espanha é um dos principais países em que a pandemia do novo coronavírus deixou seu rastro de destruição. O isolamento social completo e obrigatório começou, exatamente, há um mês, no dia 16/3 em todo o país e ainda continua.

As escolas, contudo, tiveram as portas fechadas no dia 12/3 na região de La Coruña e na maior parte da Espanha.  “Quando as medidas mais duras foram tomadas, o comportamento da população foi receptivo e respeitoso. Aqui na Espanha, a gente respeita muito isso”, afirma Elena Esperanza, professora de língua espanhola e literatura e vice-diretora do Instituto de Educación Secundaria Poeta Díaz Castro, uma escola rural em Guitiriz, um município localizado na Província de Lugo, Espanha.

Na avaliação dela, que é professora do ensino secundário e do pré-vestibular (bachillerato), os governantes fazem somente o que sabem fazer: “Ou seja, várias vezes ao dia, eles estão dando informes médicos, ao lado de autoridades científicas e da medicina, mas a sensação da gente é a de que estão perdidos. Deixam-se assessorar pelo comitê científico, mas não sabem dar uma resposta a longo prazo, somente o que ocorrerá em 15 dias, uma semana apenas”, critica.

Professora Elena Esperanza se prepara para sair

 

POLÍCIA E MULTAS PARA QUEM FURAR CONFINAMENTO
Diferentemente do Brasil, a Espanha respeita a quarentena. “Aqui, não tem ninguém, absolutamente ninguém, pedindo para o povo voltar às ruas. Ninguém. Ponto. Acabou”, assevera. No entanto, todos discutem a situação do mercado de trabalho o tempo todo no sentido de planejar o futuro.

A professora conta que a população espanhola respeita o confinamento e que os segmentos, como as religiões e os comércios, todos são obedientes e cumprem o isolamento social. Algumas pessoas que tentam furar o confinamento, recebem multa e, realmente, esse comportamento insubordinado é considerado delito.

A presença da polícia e do Exército nas ruas é ostensiva e foram colocadas para obrigar as pessoas a cumprirem o isolamento social obrigatório. “Essas instituições nas ruas é exatamente para mostrar que o poder público está vigiando”, diz.

COMÉRCIO FECHADO E O PLANEJAMENTO DO FUTURO
“Nas duas últimas semanas, o confinamento foi absoluto para atividades não essenciais. Trabalharam apenas os setores de fornecimento de alimentação, energia, água, transportes, mercadorias, enfim, coisas mais essenciais. Todo o resto do país se fechou nas duas últimas semanas”, informa.

Elena diz que os setores da economia começam, timidamente, a voltar na primeira semana de abril. Recomeçaram as atividades essenciais e não essenciais. “Aos poucos as pessoas estão voltando a trabalhar em alguns setores. O comércio, por exemplo, tem de ser pequeno, com poucas pessoas. Restaurantes, petiscarias, cinemas, eventos esportivos e tudo o mais que for lazer estão absolutamente fechados”.

Assim como no resto do mundo, a economia da Espanha foi afetada pelo novo coronavírus e colherá, como os demais, as consequências do isolamento. A situação, no entanto, tem feito o país refletir sobre a eficiência do confinamento. “A conclusão tem sido a de que esse isolamento é bom porque dá uma garantia de vida às pessoas”, afirma a professora.

Ao mesmo tempo, discute o problema da fome, que também mata. “Escutei isso na rádio ontem”, diz. Elena explica que, hoje, a Espanha vive o dilema de ter de executar um balanço sério e realista sobre a abertura de setores comerciais e o de manter, ao mesmo tempo, o nível aceitável de isolamento.

No país castelhano, os setores da economia mais afetados são os de lazer, gastronomia, eventos esportivos, culturais, restauração e tudo o que é turismo e viagens. São setores que permanecerão fechados por muito tempo. O governo dá indícios de que até o fim do verão deste ano, ou seja, até agosto e setembro, esses setores não irão retornar às atividades normais.

IMPACTO DA COVID-19 NA ESCOLA
Na avaliação da professora, o novo coronavírus chegou não só para trazer a morte e o desespero. Ele revelou as fragilidades dos sistemas de saúde e as vulnerabilidades de todos os setores da economia, bem como modificou para sempre o conceito de educação.

Ela afirma que, na Espanha, a Educação enfrenta uma situação difícil em decorrência do isolamento social obrigatório.  A sorte é que, quando foi decretado, o país já estava quase no fim do ano escolar. Ainda assim, governo, docentes e diretores têm atuado com criatividade para não deixar o ano degringolar. O Pruebas Abau, o vestibular de lá, por exemplo, foi modificado.

“O mês de março é, praticamente, o fim do ano escolar, faltando apenas 3 meses para terminar. Em junho acabam as aulas e se iniciam as férias de verão”, informa.  Com o ano escolar dividido em três trimestres, a Espanha teria de estar na terceira avaliação dos estudantes.

“E a gente vai fazer essa avaliação. O governo não descarta, totalmente, o fechamento das aulas. Na quarta-feira (15/4), o Ministério da Educação se reuniu com diferentes autoridades para formar uma posição comum sobre os rumos do ensino”, informa Elena.

O ano escolar continuou online para boa parte dos estudantes. A professora calcula que, no mínimo, o país irá enfrentar mais um mês de isolamento social e, por isso, as escolas permanecerão com aulas pela Internet. “Eu e os demais professores do meu país estamos fazendo aulas online há pelo menos três, quatro semanas”.

DIFICULDADES E ADAPTAÇÕES
Os estudantes espanhóis também enfrentam dificuldades para acessar aulas pela Internet. Boa parte deles recebeu laptops fornecidos pelo governo por meio de um programa de voluntariado. Outra parte usa seus próprios equipamentos. E há os que não têm como acessar o conhecimento pela web.

A professora avalia que esse é um dos problemas que a Espanha terá de enfrentar após a pandemia. As crianças abaixo de 12 anos de idade estão num programa próprio de fornecimento digital.  Na escola da professora Elena, os estudantes de 12 e 13 anos de idade receberam laptops porque a instituição faz parte de um programa de voluntariado. Contudo, falta equipamento para estudantes de 15, 16 e 17 anos. Ela diz que cerca de 10% dos estudantes da escola dela estão sem acesso às aulas online. O governo está tentando fornecê-los juntamente com uma USB com ADSL (Internet).

“Mas o tempo está passando e isso tem andado devagar. No meu caso, tenho quase todos os meus alunos conectados e forneço atividades escolares e projetos para eles. Tenho reuniões de bate-papo com eles três vezes na semana, quase no mesmo horário, em torno das aulas presenciais”, explica.

Elena também é vice-diretora de escola e afirma que há muitos professores perdidos porque nem todo mundo tem a destreza necessária nos instrumentos digitais. “Devo dizer que para vários estudantes foi muito complicado, mas, agora já estão mais antenados. Os professores também têm enfrentado grandes dificuldades para trabalhar online e foram obrigados a se antenarem nos recursos digitais.

“Tem sido muito complicado. Temos uma pessoa da equipe diretiva que se ocupa de ligar para esses professores, os quais têm de fornecer tarefas a seus alunos. Na quinta-feira (16/4), a gente vai ter uma conferência virtual, um bate-papo com a maior parte do corpo docente para nos organizar e fazer projetos interdisciplinares online com os estudantes”, informa.

Essas dificuldades têm sido resolvidas no dia a dia com certa facilidade porque desde 2009, a Espanha fornece material online e tem feito programas de educação pela Internet para estudantes e professores. “O problema é que a assistência a esses programas sempre foi voluntária. Em consequência disso, a maior parte do professorado tem uma mínima formação digital e apenas não a têm quem nunca foi a nenhum curso”, diz.

Ela afirma que há muitas webs educativas com materiais. “Existem, de forma obrigatória, centros de formação de professores que já têm mais de 10 anos oferecendo cursos online: o Ministério, as Secretarias de Educação fornecem esse serviço de forma gratuita e obrigatória”.

CORONAVÍRUS E A GRANDE MUDANÇA NA EDUCAÇÃO
“Acho que tudo isso vai trazer uma mudança total, absoluta e irreversível para educação”, assegura a professora espanhola. “Estamos vivendo um momento único. Quer dizer, vai ter de mudar o jeito de entender a educação e acho que se trata de uma oportunidade fantástica. De toda crise a gente pode tirar pelo menos uma oportunidade”, comenta.

Ela acredita que, se, por um lado, a covid- 19 tem deixado seu rastro de morte e destruição por onde passa, por outro, vem lançando ao mundo, incluindo aí ao setor da educação, “uma oportunidade única, maravilhosa, para se repensar o que é a educação e como é que podemos fazê-la mais moderna”.

Elena Esperanza entende que “nem tudo na educação é simplesmente dar uma palestra, uma aula; nem tudo é enviar tarefas para estudantes preencherem; nem tudo é apenas o professor falar e os estudantes escutarem. Quer dizer, é tudo mudança. O ensino presencial é importante, mas é claro que esta competência digital será a maior mudança que teremos, agora, na volta às aulas pós-pandemia”, finaliza.

Confira, a seguir, outras matérias do Sinpro-DF sobre a situação da educação na pandemia do novo coronavírus na Itália e na França:

Itália
Professora da SEEDF que adquiriu coronavírus conta como a Itália lida com a pandemia
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França
Na contramão da Cidade Luz, Brasil das trevas mantém o Enem
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