Uberização do magistério joga a educação na informalidade

Uma mistura bombástica acelera o aprofundamento da precarização hoje do trabalho no Brasil. A combinação da não gestão da pandemia da Covid-19 com reformas constitucionais ultraneoliberais, perda de direitos, desemprego, desalento, pejotização, precarização do trabalho e mudanças tecnológicas criou uma nova palavra para dar cara de legalidade a um velho e perigoso problema social: a uberização do trabalho.

 

Nada mais é do que a institucionalização da informalidade e a isenção do patronato de pagar direitos trabalhistas. A pandemia foi a desculpa da vez para acelerar a uberização em todos os setores, incluindo aí o da educação privada, e já contamina a educação pública. Superexpostos(as) à Covid-19, os(as) professores(as) se viram diante do impasse: ou lecionavam presencialmente correndo o risco de morrer de Covid ou, remotamente, com todos os riscos e contradições trabalhistas.

 

O fato é que  a uberização do trabalho docente já era verificada há algum tempo. No setor público do Distrito Federal, por exemplo, há o chamado professor(a) do contrato temporário, cuja relação trabalhista com o Governo do Distrito Federal (GDF) é precarizada/uberizada. Além de não usufruírem dos mesmos direitos trabalhistas dos(as) professores(as) efetivos(as), o governo Ibaneis investe, cada vez mais, na contratação de temporários e menos na contratação de efetivos(as).

 

Na iniciativa privada, as empresas também utilizam contratos precários há décadas e a demissão em massa como recurso para reduzir custos e aumentar lucros. Um artigo do site Outras Palavras explica que, na prática, a empresa demite professores em contexto de aulas remotas (aulas superlotadas são distribuídas para uma menor quantidade de professores) ou com robôs utilizados para correção de atividades. “No extremo da distopia enfrentada, estudantes descobriram que estavam tendo aulas online em 2021 ministradas por um professor falecido desde 2019”, observa o site. Mas o que isso tem que ver com o fatiamento da educação pública para privatização e com a carreira do Magistério Público do DF?

 

O aumento da informalidade e a uberização da educação

Nesta sexta matéria da série “Educação não é mercadoria”, que aborda o fatiamento da educação para privatização, o Sinpro-DF explica que a uberização do mercado de trabalho também faz parte do fatiamento e tem tudo que ver com a situação trabalhista dos magistérios privado e público. A pressão da iniciativa privada do setor da educação afeta as relações de trabalho do magistério público. Há anos, as empresas privadas pressionam o Estado brasileiro para acabar com leis que asseguram direitos dos trabalhadores.

 

Uma das principais pressões é contra a Carteira de Trabalho. Há muito tempo, boa parte do empresariado aboliu, ilegalmente, a CT e, para justificar esse tipo de exploração, apresenta o discurso do empreendedorismo, da proatividade, da sinergia, da criatividade, da meritocracia, entre outros conceitos ultraneoliberais para justificar a infração e a recusa a pagar direitos conquistados.

 

O resultado disso é que, atualmente, mais de 14% da população econômica ativa está desempregada e 40% da população brasileira está no mercado informal de trabalho, o que, além de criar um problema para a Previdência Social, contamina todas as demais relações de trabalho no País. Como mencionado anteriormente, a informalidade evoluiu nos últimos 5 anos e, com a Internet, ganhou o nome de uberização para retomar uma velha prática já superada de exploração da mão de obra trabalhadora e novas práticas de usurpação de direitos trabalhistas escondidos nas relações virtuais de trabalho.

 

Só entre janeiro e fevereiro deste ano, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil alcançou uma taxa de informalidade de 39,6%, com 34,14 milhões de brasileiros atuando informalmente para sobreviver. Diante dos números, é importante mostrar que um dos resultados dessa pressão do empresariado para acabar com direitos trabalhistas é o golpe de Estado de 2016. Qual a relação desse golpe com a uberização do trabalho docente?

 

O golpe de Estado de 2016 tem que ver com a uberização do magistério?

 

O golpe de 2016 é uma obra da classe empresarial brasileira e estadunidense para exterminar, dentre outras coisas, direitos trabalhistas. Operacionalizado pela mídia e pelo Sistema Judiciário, o objetivo era tirar o PT do poder para pôr em curso sua política de Estado mínimo para a população e de Estado máximo para ela.

 

A precarização/uberização do trabalho no setor público começou imediatamente com a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Gastos), que proibiu o Estado brasileiro de investir o dinheiro público nas suas funções primárias a fim de que esse recurso financeiro fosse destinado à dívida pública (aos bancos), que nunca foi auditada. Congelou concursos públicos e reajustes salariais, além de investimentos nos setores.

 

Paralelamente à aprovação da EC95/16, que também tem o objetivo de sucatear os atuais serviços públicos para privatizá-los, a elite que aplicou o golpe aprovou, apressadamente, a entrega do pré-sal aos EUA, prejudicando investimentos dos royalties do petróleo em educação e saúde públicas, ferindo, mortalmente, a soberania nacional.

Também de forma aligeirada, aprovaram a reforma trabalhista, a Lei da Terceirização (que legaliza a informalidade nas atividades-fim do Estado brasileiro, antes proibida pela Constituição), a Carteira de Trabalho Verde e Amarela (que não assegura nenhum direito trabalhista), a reforma previdenciária, a reforma do Ensino Médio e, agora, para consolidar a uberização do serviço público, está atuando na reforma administrativa.

 

Especialistas têm afirmado que a PEC 32 é a mais profunda e prejudicial reforma da Constituição desde que foi promulgada em 1988. É importante recordar que a PEC 32 faz parte do golpe de Estado de 2016 e que esse golpe foi aplicado no momento em que o Brasil alcança a menor taxa de desemprego de sua história, em que vivia o pleno emprego, situação nunca ocorrida antes, e está intimamente ligado à uberização do trabalho.

 

Desde então várias ações, como as mencionadas acima, foram adotadas para acelerar o desemprego desenfreado no País. O objetivo do desemprego é aumentar a mão de obra desempregada e sem exigências trabalhistas. Quando há desemprego em massa, como agora, a mão de obra fica barata e os(as) trabalhadores(as) passam a aceitar condições precárias, salários menores e nenhuma garantia trabalhista para ter comida em casa.

 

No caso dos serviços públicos, a Lei da Terceirização associada à reforma administrativa, por exemplo, vai acabar com os serviços públicos como são prestados. O resultado será a uberização dos serviços públicos. A justificativa do Ministério da Economia é “reduzir custos” para a população e aumentar para a elite que vive do dinheiro do Estado. Essa fusão de terceirização generalizada e reforma administrativa vai implodir destruir e invalidar a Constituição em vigor de demolir os serviços públicos. O que é uberização?

 

O que é uberização?

 

Um artigo do site Outras Palavras explica que “a uberização é um processo no qual as relações de trabalho são, crescentemente, individualizadas e invisibilizadas, assumindo, assim, a aparência de prestação de serviços mediado pela tecnologia, aumentando a terceirização e a informalidade. Um dos exemplos é o chamado “zero hour contract” (contrato de zero hora), que tem origem no Reino Unido e se multiplica pelo mundo ao permitir contratação de trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas atividades, que ficam o tempo todo a disposição de uma plataforma digital, sem qualquer estabilidade ou vínculo trabalhista; e o chamado ‘sistema 9-9-6’, o qual significa trabalhar das ‘9 a.m até as 9 p.m, por 6 dias por semana’.”

Esse contrato de zero hora foi instituído no Brasil pela reforma trabalhista, que demoliu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A reforma trabalhista violou regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e marcou o maior retrocesso dos direitos sociais desde 1º de maio de 1943. A reforma alterou substancialmente a CLT para proteger apenas os empregadores, subvertendo a razão histórica pela qual existe a legislação trabalhista. A reforma administrativa (PEC 32) tem o mesmo propósito.

 

“Com a ampliação da informalidade no mundo digital, a expansão dos trabalhos autônomos e do empreendedorismo como suposto prêmio de contraponto à estabilidade do vínculo trabalhista, configura-se cada vez mais uma forma de assalariamento do trabalho, que, frequentemente, traduz-se no proletário de si próprio, que autoexplora seu trabalho”, explica o Outras Palavras

 

Uberização da educação

Na educação, a tendência já está sendo reproduzida há algum tempo para reduzir custos e aumentar os lucros. Em artigo publicado no site da CUT Brasil, a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha (Bebel), explica que essa relação digital de trabalho docente envolve demissão em massa de professores(as) em contexto de aulas remotas e que essas aulas, geralmente, são ministradas em salas superlotadas, cujas turmas são distribuídas para uma menor quantidade de professores ou com robôs utilizados para correção de atividades.

 

No artigo intitulado “A uberização docente é a gota d’água!”, a sindicalista alerta para o fato de que há, atualmente, a expansão de uma modalidade extremamente precária de contratação de professores(as) praticada não somente na educação básica privada, mas também no ensino superior: a chamada uberização da contratação docente.

 

Como isso funciona? Vamos tomar o exemplo de uma empresa chamada Uber-docente (isso mesmo, você não leu errado). Ela faz um cadastro nacional de docentes interessados em ministrar aulas avulsas nas escolas ou faculdades que necessitem rapidamente de um profissional. O professor interessado passa por um processo seletivo simplificado e é incluído em um cadastro. Com isso, ele pode ser contratado e receberá o valor que a instituição se dispuser a pagar. Não há vínculo, nem direitos trabalhistas. Dá para antever que a modalidade aprofundará também um dos principais dramas do professorado no país, que é a monumental disparidade salarial em relação às profissões com o mesmo nível de qualificação. Se já ganhamos mal, ganharemos ainda pior”, informa.

 
 

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