Setembro Amarelo: militarização versus adoecimento da categoria
A militarização das escolas públicas no Distrito Federal, sob o modelo de gestão compartilhada com a Polícia Militar, tem provocado intensos debates entre educadores(as), pais, estudantes e entidades sindicais. Único projeto pedagógico do governo Ibaneis Rocha-Celina Leão, essa discussão se torna ainda mais urgente no contexto do Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre a prevenção ao suicídio.
Educadores(as) e especialistas alertam para o fato de que ambientes escolares autoritários e vigilantes contribuem para o adoecimento emocional de professores(as), orientadores(as) educacionais e estudantes, o que aprofunda quadros de ansiedade, depressão e isolamento. A escola, em vez de ser espaço de escuta e de acolhimento, passa a ser percebida como lugar de controle e punição — justamente o oposto do que a campanha propõe como estratégia de cuidado. A crítica ao modelo militarizado não vem apenas de educadores(as).
“A escola ainda é o único espaço que favorece a construção de saberes coletivos e da subjetividade na convivência com as diferenças. A imposição de uma norma rígida, como a proposta pela militarização, pode minar esse processo formativo e excluir, em vez de incluir. Transformar a inclusão em mera presença dentro de um prédio monitorado é uma distorção perigosa”, analisa a psicóloga Luciane Kozicz Reis Araujo, pesquisadora do CNPq e do Núcleo de Trabalho e Linguagem da Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em saúde mental e psicologia educacional, Kozicz alerta para os efeitos subjetivos e relacionais da presença policial no cotidiano escolar e para os impactos da lógica hierárquica e repressiva sobre o ambiente escolar. “A hierarquia e a rigidez próprias do ambiente militar entram em choque com a cultura escolar, que valoriza a liberdade de expressão e o diálogo entre saberes. A presença constante de militares pode inibir estudantes e desautorizar professores, criando um ambiente de vigilância que silencia trocas importantes. Há uma sobrecarga sobre a escola, que passou a ser cobrada por respostas que nenhum outro espaço social tem conseguido dar.”
Armas e repressão não educam
Relatórios do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também colocam em xeque a eficácia do modelo. Dados da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) indicam que, ao contrário do que foi prometido pelo governo Ibaneis-Celina e pelo governo Bolsonaro, o número de atos infracionais não caiu nas unidades militarizadas — e em alguns casos, aumentou.
Consulte aqui os dados da Proeduc sobre militarização das escolas
“Existe uma questão que é cabal nas gestões compartilhadas. Teoricamente, a gestão militar, voltada para a disciplina dos estudantes, não interferiria na parte pedagógica das professoras e dos professores. Mas não foi o que vimos em 2021 e 2022, às vésperas da tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro — o maior promotor dessa política em nível nacional”, ressalta Thaisa Magalhães, diretora do Sinpro e da Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT-DF).
Outro ponto crítico é o perfil das escolas escolhidas. A maioria está localizada em áreas de alta vulnerabilidade social, o que, segundo o Sinpro, reforça práticas de controle sobre jovens periféricos. A diretora do Sinpro destaca que a diferença entre civis e militares dentro da escola compromete a igualdade na gestão: “Nós, civis, seguimos a Constituição. Os militares seguem um regimento próprio, têm fé pública, estão armados ou usam armas ‘brandas’ como teasers e cacetetes. Essa diferença estrutural já torna a relação desigual desde o início”.
Ela relata ainda que a promessa de não interferência pedagógica foi quebrada na prática, e exemplifica com o CED 01 da Estrutural, onde atuou e viveu na pele os efeitos da militarização. “No CED 01 da Estrutural, em 2021 e 2022, os militares participavam das coordenações pedagógicas, opinavam nos projetos escolares, interferiam no uso do dinheiro do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF). A presença era constante e a influência, total”, afirma.
Terrorismo psicológico
Segundo a diretora do Sinpro Thaísa Magaçhães, no CED 01 da Estrutural as coordenações pedagógicas sempre tinham a presença de policiais, corrigindo falas, chamando professoras e professores à atenção. “Isso gerou adoecimento, perda da liberdade de cátedra, afastamento de colegas — como o da vice-diretora — e clima de intimidação dentro e fora da sala de aula. Policiais estavam até na porta da sala para fiscalizar o que estava sendo ensinado”, denuncia a sindicalista.
Thaisa reforça que o conflito se agravou por fatores políticos. “Essa situação foi no ano de 2021 e no ano de 2022, às vésperas da tentativa de reeleição do presidente anterior, que nacionalizou o projeto das escolas militarizadas. A militarização já existia em alguns estados, mas virou política de governo com Bolsonaro. A disputa nas escolas refletia a disputa ideológica da sociedade.”
Combate
Diante do avanço do número de escolas militarizadas no DF, o Sinpro tem promovido debates, notas técnicas e mobilizações para barrar a expansão desse tipo de modelo. “Não se combate a indisciplina com repressão, mas com escuta, estrutura e valorização da escola pública”, afirma Márcia Gilda, também diretora do Sinpro.
A discussão segue em pauta, especialmente diante de novas propostas de ampliação do modelo para outras unidades escolares, mesmo diante da resistência expressa por parte das comunidades envolvidas e das comprovações de que a militarização de escolas públicas é um programa fracassado.
O Sinpro tem mostrado que militarização contraria princípios da gestão democrática previstos na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Entre as denúncias, estão a imposição de diretores(as) sem consulta à comunidade escolar, censura a manifestações culturais e políticas, além da adoção de regras rígidas que restringem a liberdade dos(as) estudantes.
Edição: Vanessa Galassi