Sem reajuste há seis anos, servidores perdem benefícios em plena pandemia

Legislações específicas que asseguram maior proteção trabalhista dificultam ataques a salários e direitos garantidos aos servidores públicos. Entretanto, as categorias do funcionalismo público no DF não passam imunes aos prejuízos impostos por governos durante a pandemia do novo coronavírus. Brechas na lei vêm sendo utilizadas ao máximo para atingir o bolso dos servidores.

Segundo pesquisa do Portal CUT-DF, diversas categorias do funcionalismo local vêm deixando de receber adicional noturno, adicional de insalubridade e gratificações. Isso porque, com o início da pandemia, passaram a realizar trabalho remoto ou estão afastados de seus postos de trabalho por pertencerem ao grupo de risco.

“A extinção dos benefícios impacta diretamente na sobrevivência desses servidores, principalmente em tempos de pandemia. E o que realmente se destaca é que o governo local, em nenhum momento, fez qualquer tipo de esforço para formular estratégias que mitigassem os impactos financeiros para aqueles que também estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus. Ao contrário, abriu mão do contexto do momento e se apegou a pormenores da lei para achatar ainda mais o rendimentos desses trabalhadores”, avalia o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues.

O último reajuste salarial negociado para o funcionalismo público foi feito em 2013, com parcelamento até 2015. Mas a maioria das categorias do serviço público sofreu calote da última parcela. Diante disso, hoje impacta nos vencimentos desses trabalhadores uma inflação de 31,53%, referente ao período de janeiro de 2015 a 31 de março de 2020, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Isso quer dizer que um salário de R$ 1.000 em 2015 equivale hoje a pouco mais de R$ 760.

Com salários defasados e vencimentos impactados com a retirada de benefícios, os servidores públicos do GDF ainda poderão ter o bolso ainda mais atingido com a aplicação de nova alíquota da Previdência Social. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o governador Ibaneis Rocha (MDB) tentou aprovar a toque de caixa o novo percentual gerado com a Reforma da Previdência. Entretanto, a modificação representa, na prática, perda salarial. Representantes das diversas categorias de servidores públicos no DF chegaram a repudiar a iniciativa em carta conjunta sobre o tema.

No pacote anti-Estado, ainda há a possibilidade de servidores do GDF – assim como servidores federais e municipais – enfrentarem legislação que impede qualquer tipo de reajuste salarial até dezembro de 2021. Declaradamente contrário ao fortalecimento do Estado, o presidente Jair Bolsonaro vetou dispositivo da Lei Complementar que cria o Programa Federativo de Enfretamento ao Coronavírus, proibindo concessão de reajustes a servidores públicos até o fim de 2021, como contrapartida ao socorro a Estados e municípios durante a pandemia.

“Passamos por um período em que, mais que nunca, o serviço público mostra sua essencialidade para o funcionamento do Estado, para a garantia de direitos essenciais ao povo, para a garantia da saúde e da vida. E o fortalecimento desse serviço público passa pela valorização de seus servidores. O grande problema é que o governo federal, que inspira o governo local, não está preocupado com Estado, muito menos com o povo. Cabe à própria população reconhecer a essencialidade do serviço público e reagir aos ataques que sucateiam esses serviços”, diz o presidente da CUT-DF.

Trabalhadores do Detran-DF

São duas as carreiras dentro do Departamento de Trânsito do DF: a de fiscalização, que atua nas ruas, e a de atividades, que atua na parte administrativa e de atendimento ao público. Segundo o presidente do Sindetran – sindicato que representa a categoria –, Fábio Medeiros, os trabalhadores da carreira de fiscalização não chegaram a suspender as atividades desde o início da pandemia do novo coronavírus. Já os que atuam na carreira de atividades, estão majoritariamente em teletrabalho.

Mesmo com o número de infecções e mortes pela Covid-19 em crescimento geométrico, o trabalho presencial dos servidores da carreira de atividades vem sendo retomado aos poucos. Há medidas de contenção à proliferação do vírus. No caso de atendimento ao público, por exemplo, deve haver um agendamento prévio. Entretanto, de acordo com Medeiros, o número de atendimento em todo DF chega a 2 mil por dia.

O dirigente sindical conta que ainda há outras iniciativas tomadas por parte do governo com a chegada da pandemia que impactam diretamente no bolso da categoria. É o caso da suspensão da gratificação de atendimento ao público e do adicional de insalubridade para os agentes que ficaram em teletrabalho. “Nós consultamos nossa assessoria jurídica e essas medidas não são ilegais. A gente sabe que esse tipo de prejuízo está dentro da lei, mas diante de mais de seis anos sem reajuste, isso impacta muito na vida financeira da categoria”, contextualiza.

Medeiros ainda afirma que o GDF está devolvendo para o Dentran alguns processos de pautas financeiras da categoria. Isso devido ao veto de Bolsonaro a trecho do Programa Federativo de Enfretamento ao Coronavírus. A derrubada do veto ainda poderá ser feita pelo Senado. A previsão é de que essa apreciação seja feita nesta quarta 17.

Administração Direta

Os servidores e empregados da administração direta, fundacional, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista do DF ─ que estão em trabalho home office ─ também tiveram benefícios cortados, como adicionais de insalubridade e periculosidade. Os adicionais são previstos em lei e só são pagos nos casos de o servidor trabalhar com habitualidade em locais insalubres ou em contato substâncias tóxicas ou com risco de vida.

Entretanto, de acordo com o presidente do Sindser – sindicato que representa a categoria –, André Conceição, os benefícios foram pagos por dois meses durante a pandemia e, agora, o GDF quer que os valores sejam devolvidos. O Sindser entrará com ação judicial para impedir que os servidores saiam prejudicados.

O presidente do Sindser destaca ainda que a entidade sindical entrou com ação judicial contra a alteração da alíquota de contribuição para a Previdência Social dos servidores públicos locais. “Os servidores públicos do DF foram pegos de surpresa com a precipitação do GDF em antecipar o aumento do desconto previdenciário aplicando a Emenda Constitucional 103, sendo que nela ficou claro que é necessária uma lei distrital aprovando essa aplicação. A Emenda determina também que o GDF comprove que o sistema previdenciário atual é deficitário. Enquanto servidores públicos e enquanto sindicato não vamos aceitar”, disse.

Trabalhadores em escolas públicas

Os auxiliares de administração escolar também tiveram retirada de benefício com a chegada da pandemia do novo coronavírus. Mais de 3,7 mil servidores da categoria recebem o adicional noturno, que representa cerca de 10% do salário médio. Entretanto, como o benefício só é pago por efetivo exercício, houve o desconto.

De acordo com o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Escolas Públicas no DF (SAE) José Eudes Oliveira, “o desconto atinge em cheio o orçamento das famílias e, diante de um contexto de congelamento salarial de mais de cinco anos, agrava o arrocho imposto aos servidores”. “Fizemos uma longa negociação com o governo, mas eles levantaram o bastião da lei e ficou por isso mesmo”, diz.

A categoria desempenha atividades como vigilância, serviços administrativos, monitoria, limpeza e manutenção nas escolas públicas do DF. Desses setores, apenas os trabalhadores que atuam como vigilantes e não estão no grupo de risco não suspenderam as atividades desde o início da pandemia. Os demais começarão a voltar ao trabalho, de forma remota, a partir do próximo dia 29.

Há ainda a chance de trabalho presencial, como explica José Eudes. “Os servidores da área de limpeza e manutenção poderão ser convocados, eventualmente, para atividades presenciais. Essa demanda será avaliada pela SUGEP (Subsecretaria de Gestão de Pessoas da SEEDF). Eles queriam que voltasse um número razoável de pessoas ao trabalho presencial. E nós, em uma negociação, dissemos que isso era muito perigoso, pois as pessoas teriam contato umas com as outras, além do que, grande parte da nossa categoria utiliza o transporte coletivo. E isso ampliaria a disseminação do risco”, afirma.

Professores da rede pública

Professores e orientadores da rede pública de ensino do DF se preocupam com os impactos do congelamento salarial do magistério, que terá repercussão ainda maior com o veto de Bolsonaro ao dispositivo da Lei Complementar que cria o Programa Federativo de Enfretamento ao Coronavírus.

Com o veto, ficarão sem possibilidade de reajuste salarial até o final de 2021 inclusive categorias envolvidas diretamente no combate à pandemia, como servidores da educação pública, além de profissionais de limpeza urbana, assistência social e profissionais de saúde.

“Trata-se de um congelamento da estrutura da carreira do magistério público. Da forma como foi feito, além de os professores ficarem sem reajuste, ficarão também sem as progressões que são benefícios da carreira, como progressão por tempo de serviço, por exemplo”, disse o dirigente do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) Cláudio Antunes.

O aumento na alíquota de contribuição previdenciária do funcionalismo público do DF é outro ponto que tem demandado atenção do Sinpro e da sua base. Para Antunes, o reajuste da contribuição proposto pelo GDF trará uma perda salarial significativa para os servidores. “No caso do magistério, por exemplo, teríamos uma perda de R$ 300 a R$ 800 de salário líquido por mês”, destaca.

Mesmo com o grande impacto financeiro, o dirigente do Sinpro-DF mostra que uma das maiores apreensões da entidade sindical e da categoria é se o Plano de Volta às Aulas do GDF será eficiente. Pesquisa realizada pelo Sinpro mostra que aproximadamente 120 mil alunos da rede pública de ensino não têm acesso à internet ou a equipamentos necessários para acompanhar as aulas à distância. O mesmo estudo aponta também que 8 mil professores não dispõem de computadores. Desse total, 5 mil são professores regentes ─ que atuam nas salas de aula. Pelo Plano do GDF, o retorno do ano letivo terá início na próxima segunda-feira 22.

Série Covid-19: Trabalhadores no centro do debate

A CUT-DF iniciou no último dia 25 a série Covid-19: Trabalhadores no centro do debate. Abordaremos as consequências da pandemia do novo coronavírus nas diversas categorias de trabalhadores do Distrito Federal, que vêm se deparando não só com a crise sanitária, mas também com o descaso de governos e patrões, que acentuam o ataque aos direitos trabalhistas.

Ao mesmo tempo, mostraremos a atuação dos sindicatos de trabalhadores, que não pararam em nenhum momento desde a chegada do vírus, reinventando suas formas de atuação para assegurar os direitos trabalhistas, bem como a dignidade e a vida dos trabalhadores.

Fonte: CUT Brasília