São Paulo abandona o PNLD sem ouvir profissionais da educação
A decisão da secretaria de Educação do estado de São Paulo de, em vez de aderir ao Programa Nacional do Livro Didático, adotar livros digitais, sem ouvir profissionais da educação e sem consulta pública foi criticada por diversos especialistas.
O projeto foi adotado pelo atual secretário de educação do estado, Renato Feder. Convidado a assumir a pasta da educação pelo governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, Feder veio da secretaria de Educação do Paraná, onde também adotou livros digitais na educação pública e também foi criticado por tal medida. A secretaria paulista de educação alega que “A medida trará benefícios rápidos para melhorar o aprendizado”. Quais benefícios rápidos, e como eles vão beneficiar o aprendizado? Não disse.
A Secretaria paulista pretende adotar material híbrido nos anos iniciais do ensino fundamental e, a partir do sexto ano, material 100% digital. A ideia é “uniformizar o material em São Paulo para assegurar que o aluno tenha a mesma qualidade de ensino na capital e no interior.”
“Decisão abrupta, radical e equivocada”
A medida da secretaria paulista conseguiu a proeza de ser igualmente criticada pelo Sindicato dos Professores de São Paulo (Apeoesp) e pelo Instituto Ayrton Senna. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o dirigente da Apeoesp, Fábio Moraes, conta que os gestores da secretaria de educação “não debateram com educadores, foram autoritários, e não consideraram que, quanto mais se escuta, menos se erra”.
A gerente de projetos do Instituto Ayrton Senna, Maria Lucia Voto, corrobora Moraes da Apeoesp, e critica o que chamou de “falta de escuta aprofundada” por parte da Seduc-SP.
A doutora em educação e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Maria Inês Fini lembra que os países da OCDE que implementaram material digital e que conduziram o processo gradualmente sob modelos híbridos, e os que chegaram a incorporar a digitalização completamente, estão recuando. Ela cita o caso da Suécia, que foi abordado em reportagem no site do Sinpro (veja aqui), e questiona se a Secretaria Educação de SP fez avaliação de impacto antes de tomar a decisão de digitalizar o conteúdo do material didático: “O aluno pode e deve usar os instrumentos digitais, mas abrir mão dos livros físicos é uma decisão abrupta, radical e equivocada”.
O secretário-executivo da Secretaria de Educação, Vinicius Neiva, citou na entrevista ao jornal Valor Econômico, um suposto “levantamento interno” (que não foi apresentado em nenhum momento) que aponta “índice de satisfação de quase 90% dos professores da rede estadual com o uso de material digital que já vem sendo utilizado”. Mas admitiu que não foi feito um estudo de impacto mais aprofundado.
É digital, mas vamos imprimir
Ângelo Xavier, presidente da Abrelivros, que reúne as editoras de obras didáticas, diz à reportagem do Valor Econômico que a mudança é muito drástica e preocupa sobretudo por vir após a pandemia, com muitos alunos ainda sofrendo com defasagem no aprendizado, e completa a observação com o óbvio: “Os alunos carentes são os que mais vão sofrer. Pode ter até equipamentos digitais na sala de aulas, mas em casa não há essa estrutura”.
A Seduc-SP diz que os alunos que não tiverem o acesso adequado à tecnologia necessária para se acessar os livros digitais “receberão o material impresso”. Mas e quanto aos links que ficam disponíveis no material digital? E o conteúdo interativo, como será acessado? E, se a ideia é imprimir para os que não têm acesso adequado, por que, então, adotar material 100% digital, e não híbrido? Aliás, se a ideia original é “uniformizar o material em São Paulo para assegurar que o aluno tenha a mesma qualidade de ensino na capital e no interior”, por que adotar um meio de aplicação de conteúdo que, na prática do dia a dia, vai se mostrar heterogêneo?
Não há respostas a esses questionamentos.
Maria Inês Fini, do Inep, classifica como lamentável a ideia de se imprimir o material digital. E lembra que, por mais que tenha falhas, “a distribuição de livros didáticos do MEC é uma política de sucesso bem consolidada e que chega de forma homogênea a todos os alunos”. Ela lembra ainda que o descarte do PNLD é um processo contraproducente.
A Seduc-SP não traz respostas nem argumentos para as críticas, mas tem na ponta da língua um discurso arrogante e pouco afeito ao diálogo: “Os objetivos que queremos alcançar nos fazem acreditar que esse é o caminho certo”, diz Vinicius Neiva ao Valor Econômico.
“Se os objetivos que a Seduc pretende alcançar são os objetivos da educação tipicamente neoliberal, que tem como meta clara excluir e alijar da possibilidade de ascensão social as camadas mais humildes da população, que são privadas de uma educação laica, de qualidade e socialmente referenciada, então esses objetivos serão atingidos com toda a certeza”, declarou Cláudio Antunes, diretor do Sinpro.
“Educação excludente combina com chacina de populações periféricas, como a ocorrida no Guarujá esta semana. Também combina com um governador sem o menor traquejo político, que se orgulha de, ao final de um leilão na Bolsa de Valores, bater o martelo com força suficiente de forma a quebrá-lo, o que demonstra à sociedade sua agressividade e brutalidade. Isso não condiz com uma sociedade democrática e afeita ao diálogo”, lembra Cláudio.
PNLD é de graça e tem obras adotadas em escolas tradicionais
Matéria do jornal O Estado de SPaulo lembra que o PNLD colocou 10 milhões de livros à disposição daquela unidade da federação, a custo zero, mas o governo Tarcísio resolveu recusar.
O jornal paulista lista várias escolas tradicionais (e particulares) da capital, como o Colégio Miguel de Cervantes e o colégio Bandeirantes (onde estudou o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad), adotam livros da coleção Araribá Conecta. No Bandeirantes, inclusive, os alunos usam tablets em sala de aula. A coleção Araribá, por exemplo, é oferecida em modelo híbrido.
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