Pandemia acelerada, mortes por Covid-19 em alta, UTIs em colapso: DF vive o caos sem gestão acertada
O Distrito Federal enfrenta um dos piores momentos da pandemia do novo coronavírus. Com todos os números da Covid-19 em aceleração para cima, nas últimas 24 horas, a capital do País contabilizou 25 óbitos e 1.551 novas infecções. Desde o início da pandemia, o DF já notificou 311.098 contaminações e mais de 5 mil mortes pela doença em apenas 12 meses. Os dados são da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), que afirma estar, a cidade, no início de mais uma aceleração da pandemia e que também está com mais de 20 mil contaminações ativas.
A SES-DF informou que 100% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da rede pública de saúde estão ocupados e, a rede privada, está com 96,2% de ocupação das UTIs nesta quarta. O Hospital Regional da Asa Norte (Hran) – referência em Covid-19 no DF – decretou bandeira vermelha e só irá atender, a partir desta quarta-feira, a pacientes com casos graves e risco de morte. Um vídeo circulou na Internet mostrando a situação da UTI do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) superlotada. A situação é tão grave que o Conselho de Saúde pediu ao Governo do Distrito Federal (GDF) o fechamento, imediato, de escolas, igrejas e academias.
Contudo, apesar do caos instalado no sistema de saúde pública e privada e o Distrito Federal enfrentar um dos piores momentos da pandemia do novo coronavírus, com todos os números da Covid-19 em aceleração para cima, o governo Ibaneis Rocha (MDB) mantém escolas privadas, academias de ginástica e outros serviços não essenciais abertos por causa da pressão de proprietários que, em sua maioria, administram seus negócios de longe, deixando na linha de frente funcionários mal remunerados, geralmente com carteira de trabalho precarizada e sem condições de assistência médica.
O Brasil, por sua vez, tornou-se liderança, no planeta, em mortes e contaminações por Covid-19. Nas últimas 24 horas, o País registrou mais um recorde com 2.286 óbitos pela doença e 70 mil novos casos de contaminados. É o maior número de falecimentos desde o início da pandemia, que ultrapassa os EUA em mortes diárias da doença. O Brasil já perdeu mais de 270 mil pessoas para a peste e 11.202.305 de contaminados. Só entre 1º e 10 de março de 2021, 13.550 morreram por Covid-19 no País.
A situação é grave e, em todo o País, os estados e municípios enfrentam, hoje, a crise de superlotação do sistema da saúde por causa dos pacientes com Covid-19, sem contar outros, acometidos de outras doenças que requerem UTI. Não está fácil para ninguém, mas, segundo análise da Sala de Situação em Saúde (SDS), da Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal, a situação bem mais complicada.
Jonas Brant, professor, epidemiologista e coordenador da SDS/UnB, esclarece que a cidade apresenta uma característica mais complicada do que a dos outros estados. O DF tem aspectos peculiares, principalmente por causa de sua organização geopolítica, como, por exemplo, o fato de não ter municípios. Isso, segundo ele, gera uma dificuldade do ponto de vista de que a população mora, muitas vezes, nas cidades-satélites ou, às vezes, no Entorno, que pertence a outro estado e a outro gestor e vem todos os dias trabalhar no Plano Piloto.
“Essa dinâmica social facilita a transmissão do vírus e dificulta as ações de enfrentamento desta pandemia. O DF ainda tem aí um desafio grande que é uma pequena rede de atenção primária com um baixíssimo número de agentes comunitários de saúde, o que dificulta o estabelecimento de ações de controle e de rastreamento de contato, de apoio social e econômico. Temos aí os nossos próprios desafios para nos organizarmos para esta segunda onda”, afirma o professor.
Março de 2021: início da segunda onda
Em entrevista exclusiva para o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), o professor da UnB explica que o Brasil começou a atravessar a segunda onda. “O País inteiro teve algumas subidas e descidas no ano passado, mas, realmente, este momento talvez seja comparável ao que aconteceu no início de 2020. Ou seja, no ano passado, o vírus entra em cena, causa um número grande de casos e diminui de maneira importante. Aí a gente vê nova subida contínua desde o fim do ano passado, um aumento pequeno e gradual que ganha velocidade agora a partir de fevereiro de 2021”, afirma o pesquisador.
“Estamos em aceleração e podemos dizer que ainda estamos no começo dessa fase de aceleração maior. Portanto, ainda viveremos um momento importante dos casos no DF, principalmente, durante o mês de março. E é aí, justamente este período, que temos para nos organizarmos e garantirmos que o distanciamento físico aumente, que adequemos as medidas de biossegurança e de fiscalização, realizemos rastreamento de contatos e testagem para que consigamos, realmente, quando reduzir os números de casos, fazermos com que essa redução seja sustentável e possa, gradativamente, ir abrindo as atividades econômicas novamente”, aconselha.
Do ponto de vista da saúde pública, ele diz que as ações principais que o Governo do Distrito Federal (GDF) deve fazer são testagem – o GDF precisa ampliar muito a testagem; organizar a rede para fazer as investigações de cada caso confirmado; e identificar outros casos e os seus contatos para que se possa bloquear essa cadeia de transmissão. Mas, para garantir que essa ação seja efetiva, Brant afirma que é preciso construir redes de apoio social e econômico porque as pessoas precisam ficar em casa e, muitas vezes, elas estão saudáveis ainda, mas já estão transmitindo o vírus.
“Mas, como eu consigo convencer uma pessoa que precisa dessa renda do trabalho daquele dia para sobreviver? Por meio de testagem, rastreamento de contatos e construção de redes de apoio social e econômico e, ao mesmo tempo, construção de mecanismos para melhorar a biossegurança da população. Assim, as ações de vigilância sanitária e ambiental são muito importantes porque ajudam no processo educativo de que as pessoas precisam mudar a prática de seu dia a dia para que possa voltar às atividades econômicas, diminuir o isolamento físico das pessoas com segurança. Somente quando reduzir o número de casos, a gente pode voltar. Mas se a gente voltar, simplesmente, ao que era antes, a pandemia vai voltar a crescer. Ou seja, precisamos voltar, mas voltar com outras práticas que nos garantam melhor contenção da transmissão”, ensina o pesquisador.
Atividades escolares são importantes, mas devem ser suspensas
As atividades escolares são importantes e, neste contexto, são essenciais. É preciso que crianças e adolescentes tenham acesso à educação, aos espaços de interação social. A maioria delas está há mais de 1 ano sem escola e muitas delas estão vulneráveis porque os pais precisam trabalhar. A população mais vulnerável não está podendo fazer home office. É importante que as escolas estejam organizadas porque senão essas crianças vão ficar empilhadas, na casa de alguém que pode cuidar delas, mas, provavelmente, até em piores condições de biossegurança do que as próprias escolas.
Brant diz que as escolas são importantes e que o DF precisa retomar as atividades escolares com biossegurança. Ele informa que há vários estudos mostrando que as escolas bem organizadas conseguem manter as atividades sem que a unidade escolar seja um fator importante do aumento do número de casos. Nesse sentido, as escolas devem construir os seus próprios planos de contingência e de recuperação para que estejam bem organizadas e saibam responder a cada possível surto que ocorram lá dentro e, ao mesmo tempo, precisam identificar, nessa comunidade, qual é a população mais vulnerável, quem mais precisa, para que possa elencar estratégias de apoio imediato para essas crianças e possa, gradativamente, imaginar que esse retorno não será imediato e de 100%, mas que ele possa ocorrer de maneira gradual.
“Dito isso, gostaria de deixar claro que não entendemos que o retorno das aulas presenciais e das atividades escolares, neste momento de sobrecarga da rede, deva ocorrer. Neste momento, de início da segunda onda e de aceleração, todas as aulas e quaisquer atividades que não sejam extremamente essenciais devem ser suspensas, ou seja, a gente deve suspender todas as interações sociais e físicas para bloquear a transmissão do vírus. Quando retornarmos ao cenário de transmissão moderada, aí sim, a gente retorna às atividades e pode mantê-las, contudo, sempre na condição de haver todos os rituais de biossegurança”, declara o professor.
Vacinação não vai resolver o problema da Covid-19, mas ajuda a controlar
Brant informa que a vacina não vai resolver o problema da Covid-19 porque o vírus já mostrou uma capacidade de mutação importante. “O que a gente tem de entender é que ainda vai levar muito tempo para atingir uma imunidade de rebanho para conseguir imunizar todas as pessoas. Isso significa que a gente vai continuar a conviver com esse vírus, mas vai conseguir conviver com níveis muito mais toleráveis que irão garantir capacidade para a vigilância em saúde, vigilância epidemiológica, vigilância sanitária e a atenção primária ao trabalhador responderem de maneira adequada com muito mais força para um número menor de casos para tentar conter os locais em que ocorram as transmissões”, diz.
Assim, segundo ele, a vacina é mais uma ferramenta dentro do arsenal de combate à pandemia: “Vacinação, testagem, rastreamento de contatos, suporte social e econômico, comunicação de risco, vigilância sanitária e ambiental. Esse é o pacote que irá fazer frente ao vírus. Sem organizar toda essa engrenagem é pouco provável que a gente consiga conter a transmissão”, garante o epidemiologista.
O lockdown resolve o problema?
Não. O lockdown não é uma forma de resolver o problema. Ele é uma forma de evitar uma sobrecarga na rede hospitalar e proteger vidas, fazendo com que o número de casos se reduza a um número compatível com a capacidade da rede hospitalar e da rede de vigilância em saúde. Esse é um fator determinante.
“Precisamos reduzir o número de casos para que ele se torne compatível com a nossa capacidade de testagem laboratorial, de fazer rastreamento de contato, de fazer apoio social e econômico, com nossa capacidade de fazer vigilância sanitária e ambiental. Assim temos de reduzir esse número de casos para que a nossa capacidade operacional dê conta. E isso traz uma discussão importante: precisamos aumentar nossa capacidade operacional para poder encontrar esse nível em um ponto que seja adequado e sustentável em longo prazo”, afirma.
A cada dado científico, a diretoria colegiada do Sinpro-DF reforça o seu posicionamento sobre a volta presencial das aulas somente após a vacinação e a estruturação das unidades escolares com toda a biossegurança, como indica o pesquisador. Entende que não será possível, em 2021, receber os 100% dos(as) estudantes e corpo técnico da escola pública e que esse retorno deverá ser híbrido, gradual, observando sempre os movimentos da pandemia. Essa volta não deverá ocorre por agora, e talvez nem neste semestre. Todavia, é preciso que o GDF garanta também o acesso de todos(as) os(as) estudantes às aulas remotas, sem nenhuma exclusão.
“É preciso investir o dinheiro público destinado à educação no setor da educação. Defendemos a vacina e que o GDF tome as rédeas da situação. Defendemos que as escolas tenham planejamento de retorno após a vacinação e após a redução da pandemia e que cada escola tenha também seu plano de recuperação curricular do que foi perdido em razão da falta de acesso”, finaliza.
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