O que Mujica tem a ensinar ao Brasil quando o tema é educação

O anúncio do ex-presidente do Uruguai José Mujica de que deixaria a vida de político para cuidar da própria saúde foi um dos temas mais falados em todo mundo nessa terça-feira (20). Pepe, para a maioria de seus compatriotas, é mundialmente conhecido por optar por uma vida simples, mesmo quando ocupou o principal cargo político do país. Ele também é reconhecido no mundo inteiro por ter exercido um governo progressista capaz de quebrar vários tabus, como a descriminalização do aborto e a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. No projeto de Mujica, um dos grandes destaques e também prioridades foi a educação. Sobretudo neste setor, a história construída pelo agricultor mostrou sua essencialidade neste momento de pandemia da Covid-19, e tem muito a ensinar o Brasil.

Integrante do conselho administrativo do Instituto Nacional de Evaluación Educativa (Instituto Nacional de Avaliação Educacional – INEEd), Pablo Caggiani avalia que as mudanças no setor da educação uruguaia foram feitas durante um processo que envolveu os governos da Frente Ampla, com Tabaré Vázquez e Mujica. Ele destaca vários pontos considerados essenciais para o crescimento do setor, como investimento, por exemplo, o que, segundo ele, “gerou recuperação salarial dos trabalhadores e funcionários e condições para ensinar e para aprender”.

“Pensemos nos edifícios, na manutenção, no Plano Ceibal, em que cada criança teve acesso a um computador; nas políticas que têm a ver com o acesso à internet. No Uruguai, temos fibra ótica em todos os meios urbanos, por termos uma empresa pública de telecomunicação, a ANTEL, que tem um programa de internet gratuita, o que só ajudou em um momento de pandemia”, afirma Caggiani.

Criado em 2007, no governo de Tabaré Vázquez, com continuação e aprimoramento no governo de Mujica, o Plano Ceibal teve como meta disponibilizar um laptop para cada criança em idade escolar e para cada professor da rede pública de ensino. Além disso, o programa visava capacitar professores para o uso da ferramenta e de plataformas que abordassem a questão do ensino. Pablo Caggiane conta que, durante a pandemia, 96% das crianças do primário estavam vinculadas às atividades escolares durante os meses em que as escolas estavam fechadas.

No Brasil, com a chegada da pandemia da Covid-19 e a necessidade de fechar as escolas, governos e as gigantes digitais, como a Google, se aproveitaram do momento para se abster do debate de softwares livres e empurrar plataformas privadas como intermediárias do ensino, colocando em risco dados pessoais de estudantes e professores. Isso, na ponta, interfere na consolidação da própria democracia, já que a obtenção e o tratamento ostensivo de dados pessoais possibilita a previsão de comportamento e faz o mercado se antecipar no que é chamado de inovação, privando a sociedade do debate público crítico e da construção autônoma da própria personalidade.

Além disso, dados apresentados por organizações que atuam em defesa da educação e do acesso à internet banda larga de forma universalizada mostraram que o recuo de políticas públicas no setor da educação, após o golpe de 2016, ampliou a exclusão escolar no momento da pandemia. Pesquisa do Sinpro mostra que mais de 120 mil estudantes do DF não podem assistir e participar de nenhum tipo de ensino remoto por não terem celular, tablet, computador ou notebook. O estudo ainda mostrou que cerca de 5 mil professores não tem computador, equipamento essencial para o planejamento das aulas remotas. 

Pablo Caggiani ainda lembra que os governos da Frente Ampla, sempre com a participação de Mujica, construíram um “sistema educativo público que abrange 80% das matrículas nos níveis pré-universitários, tanto incial, como primário, médio ou técnico”. “Isso também é relevante em um momento de pandemia e tem a ver com a valorização existente da educação pública no Uruguai, sobretudo nas mudanças que tivemos nos últimos anos, tanto no que tem a ver com as escolas em tempo integral, como com programas como o Maestro Comunitário (Professor Comunitário), por exemplo, que estende o tempo pedagógico no contraturno, quando a escola é vulnerável e de horário reduzido. Ou seja, há projetos interessantes que mantêm a população optando pela educação pública”, conta.

No Brasil, mesmo em um momento de pandemia, com registro de 14 milhões de desempregados e a volta da miséria e da fome, as políticas implementadas pelo presidente Bolsonaro acarretam a perda de poder aquisitivo do salário dos servidores da educação e o esvaziamento do caixa do setor, ao mesmo tempo em que instigam empresas a atuarem pela mercantilização da educação. Recentemente, o presidente encaminhou ao Congresso Nacional projeto que prevê corte de R$ 1,4 bilhão no orçamento do Ministério da Educação em 2021, o que vai atingir principalmente a educação básica. O dinheiro será remanejado para a realização de obras federais e convertido na tentativa de ampliar a popularidade do presidente.

Para Pablo Caggiani, que é professor da rede pública de ensino no Uruguai, as políticas implementadas por Mujica e pela Frente Ampla no setor da educação são “políticas de ampliação de direitos”. E a avaliação do conselheiro do INEEd tem respaldo nos resultados evidentes na construção de um sistema educacional possível para todos os uruguaios. Assim como em qualquer sistema, o governo de Mujica também teve grandes desafios, como a evasão do ensino secundário, que ainda se mostra como tarefa a ser cumprida. Entretanto, ao fazer um governo que defende que “não há libertação possível sem educação”, como disse em diversas ocasiões, Mujica e a Frente Ampla ensinam ao Brasil que investir em educação e nos seus atores é essencial para o desenvolvimento e crescimento econômico de qualquer país, assim como para a redução de desigualdades sociais.