Nem total, nem gradual. Reabertura do comércio no DF coloca vidas em risco

Mesmo após inúmeros estudos científicos ─ respaldados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ─ indicarem o isolamento social como meio mais eficaz para impedir a propagação do novo coronavírus, a juíza titular da 3ª Vara Federal Cível do DF, Kátia Balbino, liberou o funcionamento do comércio, de forma gradual, no Distrito Federal.

Como se não bastasse, em entrevista à rádios da mídia tradicional, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), afirmou que recorrerá da decisão e quer reabrir todo comércio na próxima segunda-feira (18). Representantes das categorias que voltarão à ativa veem a medida com preocupação, já que ambas as ações têm potencial de aumentar exponencialmente o número de mortes geradas pela Covid-19.

Pela decisão da Justiça, o funcionamento dos estabelecimentos comerciais deve acontecer por blocos com intervalo de 15 dias entre eles. O primeiro grupo liberado para retomar as atividades inclui atacadistas, representantes comerciais e varejistas, atividades de serviços, informação e comunicação, como agências de publicidade, consultorias empresariais, além de agências de viagens, fornecimento e gestão de recursos humanos e atividades associativas.

No segundo bloco, que poderá funcionar após os primeiros 15 dias do deferimento da liminar estão shoppings e centros comerciais. Após 30 dias, restaurantes, serviços de alimentação e bebidas e atividades de tratamento de beleza poderão funcionar. O último grupo seria o que engloba escolas, administração pública, cinemas, atividades culturais, academias, clubes e templos religiosos, liberados 45 dias após o deferimento da liminar.

Já Ibaneis, que em reunião com a juíza Kátia Balbino chegou a dizer “aqui é o Palácio do Buriti e que quem manda aqui sou eu”, afirmou que “não adianta cobrar” dos comerciantes”, que eles irão “abrir na marra” os estabelecimentos caso o governo não tome frente e estabeleça regras para conduzir a reabertura.

Trabalhadores do Comércio

Na manhã dessa quinta-feira (14), o novo coronavírus fez a 48ª vítima no DF: o vendedor Ivan Pereira, de 45 anos. Familiares da vítima afirmam que o funcionário Comando Auto Peças, em Taguatinga, foi infectado no local de trabalho. O filho de Ivan, de 18 anos, foi infectado e está internado no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). Por causa da doença, o filho não pôde acompanhar o velório e o sepultamento do próprio pai.

Segundo o Sindicato dos Comerciários do DF (Sindicom), a Comando Auto Peças tem cerca de 40 empregados e há relatos de que outros funcionários também estão infectados.

De acordo com a presidenta do Sindicom, Geralda Goldinho, não houve preocupação do governo em fiscalizar os serviços do setor do comércio que ficariam abertos durante a pandemia. “Não há fiscalização por parte do governo. O sindicato que tem fiscalizado com uma equipe mínima. Entretanto, não temos poder de multar, só fazemos a denúncia”, afirmou.

Diante da conjuntura, o presidente da Federação dos Trabalhadores no Comércio e no Setor de Serviços do DF (Fetracom), Alberto Oliveira Santos, avalia que a reabertura do comércio, de forma completa ou escalonada, exige uma responsabilidade dobrada dos empregadores.

“Desde o início da pandemia, a gente vem orientando os trabalhadores sobre os riscos da Covid-19. Se há agora uma determinação da justiça para reabertura geral, que todos os empregadores sejam obrigados a disponibilizar equipamentos de proteção individual para os trabalhadores, e que esses trabalhadores tenham atenção dobrada”, afirma.

Segundo a Fetracom, trabalhadores do setor de serviços e comércio estão, em sua maioria, expostos à infecção pelo novo coronavírus desde o início da pandemia por não serem liberados dos seus postos de trabalho para realizar o distanciamento social. Trabalhadores de supermercados, bombeiros civis, asseio e conservação, limpeza urbana e material de construção não chegaram a parar nenhum dia. Trabalhadores do setor de bebidas chegaram a ter a demanda reduzida, mas também não suspenderam as atividades. Ficaram afastados trabalhadores de salão de beleza, auto escola, eventos, clubes e academias.

Escolas públicas e privadas

Pela decisão da Justiça Federal, as escolas públicas e privadas só voltarão a funcionar 45 dias após o GDF definir a data para reabertura dos comércios. Atualmente, um decreto do GDF prevê o retorno das atividades do setor no dia 1º de junho. Entretanto, o governador declarou ainda não ter decidido a data de reabertura das escolas, podendo o prazo ser estendido.

Porém, a possibilidade de retorno às atividades sem a garantia de um cenário seguro para trabalhadores e toda população tem preocupado educadores.

“De modo geral, recebemos essa decisão (da Justiça Federal) com preocupação, pois os dados referentes à doença no DF continuam sendo preocupantes. Não estamos em uma escala (dos casos de Covid-19) decrescente, pelo contrário, ela está crescente. E isso preocupa ao pensar no retorno de qualquer atividade. E quando falamos em escolas, estamos falando diretamente de quase meio milhão de pessoas”, disse a diretora do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) Rosilene Corrêa.

Segundo Rosilene Corrêa, não há qualquer garantia de que o GDF tenha condições reais de assegurar a segurança de trabalhadores e de toda população. “Entendemos que o governo precisa é reforçar as medidas para dar assistência às famílias, aos moradores e todas as pessoas que necessitam, para que eles tenham condições de se manter em casa sem perder o trabalho.”

O desacordo para o retorno da normalidade no funcionamento dos diversos setores de serviço vem inclusive de trabalhadores que estão perdendo emprego ou sofrendo redução de salário diante da crise sanitária. O dirigente do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino no DF (Sinproep-DF) Rodrigo Pereira de Paula conta que uma das categorias mais afetadas com a crise gerada pelo novo coronavírus é a da educação particular.

“Foram cerca de 500 demissões de professores, aproximadamente 700 contratos suspensos e mais de 1.200 professores com redução de salário, além da pressão muito grande patronal para voltar às aulas”, diz. Entretanto, de acordo com o sindicalista, mesmo com o cenário caótico, é preciso colocar a vida em primeiro lugar.

“Enviamos nessa quinta-feira (14) ao GDF uma carta afirmando que ainda não é o momento de retornar às atividades nas escolas, mesmo sabendo de toda situação que essa crise gerou. Isso porque entendemos que a vida neste momento vem em primeiro lugar. Então, estamos pedindo ao governador (Ibaneis Rocha) que não aceite nenhuma pressão econômica e só retorne às atividades quando houver de fato uma garantia por parte das autoridades de saúde, das pesquisas científicas, de que a escola não terá nenhum risco de transmissão e contaminação de jovens, professores e familiares”, comenta.

Covid-19 no DF

De acordo com dados da Secretária de Saúde do DF, a capital federal registra 3.416 casos de pessoas infectadas pelo coronavírus e 51 mortes. Plano Piloto, Águas Claras e Ceilândia possuem o maior número de casos.

No dia 5 maio, Adriana Carballo, ex-diretora da UTI do HRAN, hospital-referência no tratamento de Covid-19 no DF, foi exonerada. O afastamento aconteceu cinco dias após ela questionar em ofício o protocolo de escolha de pacientes críticos que receberiam cuidados no setor. No documento, a médica afirma que a orientação do hospital sobre a escolha de pacientes críticos em função da alta demanda por atendimento “carece de justificativas ético-legais”.

Fonte: CUT-DF