Entrevista com Junéia Batista sobre desafios e conquistas da luta feminista

Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, a assistente social Junéia Batista é uma sergipana do município de São Francisco, próximo a Propriá e Malhada dos Bois. Em 1964, com 6 anos e 4 meses, Junéia e sua família deixam Sergipe e vão morar em São Paulo, onde reside até hoje. “Tenho lembranças da minha infância em Sergipe, da casa de farinha, do pé de moleque e malcasada sensacionais, que tinha em Malhada dos Bois, de comer jaca dura, pitomba… Nasci numa cidade linda, bem pequenininha. A mercearia São Francisco é o lugar onde eu fui amparada pela parteira que também era a benzedeira da cidade”, recordou Junéia.

Ao longo dos 56 anos que se passaram, a nordestina ribeirinha construiu a partir de São Paulo uma trajetória marcada pela luta sindical e feminista, de âmbito nacional e internacional. Assistente social da Prefeitura Municipal de São Paulo desde 1988, Junéia Batista também é dirigente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais, Executiva Mundial da Internacional do Serviço Público, ex-presidenta do Comitê Mundial de Mulheres da Internacional, onde participa como convidada.

 

 

No dia 28 de julho, ela esteve no Encontro Estadual da Mulher Trabalhadora da CUT/SE, através da plataforma online, abordando ‘A Mulher na Política’. Nesta entrevista concedida ao site da CUT Sergipe, Junéia Batista conta um pouco da sua história e fala sobre alguns dos desafios e conquistas da luta feminista.

1. Quais dificuldades você encontrou para se firmar enquanto nordestina em São Paulo até se consolidar como uma liderança sindical e da luta feminista?

Sempre fui filiada a sindicato. Desde os 16 anos, no meu primeiro emprego, depois como bancária, também trabalhei em empresas de engenharia como secretária, depois em construtoras e sempre filiada a sindicato. Quando entrei na prefeitura, um médico me convidou para a direção do sindicato. Ele via que eu estava em todas as assembleias. Então eu fiz formação política. Fui entender o que é ser sindicalista. O que é estar ali no movimento sindical. O que é fazer parte deste mundo mais ‘dos homens’. Aí eu cheguei chegando. Como é sindicato municipal, onde a maioria somos mulheres, nunca tive problemas com machismo no sindicato. Também não sofri preconceito por ser nordestina, até porque tem muito nordestino aqui. A maioria das pessoas daqui de São Paulo tem um pezinho no Nordeste. Graças a Deus!

2. Qual foi seu marco inicial na militância feminista?

O movimento sindical foi que me levou para a militância feminista. Eu tenho certeza. Eu não tinha muita noção do feminismo. Eu sempre fui implicante, desde pequena… Sempre briguei pelos meus direitos, pelo meu salário, por isso entrei no movimento sindical e, nos anos 90, eu comecei nesta virada para o feminismo. Comecei a militar no Coletivo Nacional de Mulheres da CUT. Em 2000, passei a integrar o Comitê Mundial de Mulheres da Internacional de Serviços Públicos e comecei a fazer uma militância feminista, a entender o feminismo. A primeira constatação, que inclusive debatemos com vocês em Sergipe no nosso primeiro encontro, foi a questão da diferença de salários entre homens e mulheres. Depois, os cargos de empoderamento, e sobre à violência no mundo do trabalho traduzidos nos assédio sexual e moral. Aí eu fui me dando conta de que era uma violência que eu sofria já no mundo do trabalho. Comecei a me empoderar e a fazer campanhas. A primeira campanha que fiz foi sobre a diferença de remuneração entre homens e mulheres. “EQUIDADE SALARIAL JÁ”. Foi uma campanha maravilhosa. Caminhamos o mundo. Falamos em remuneração e não em salário, porque todo mundo pode ser professor e ter salário igual, mas na remuneração entram os cargos de chefia, adicionais, etc.

Fizemos uma pesquisa e descobrimos o que a gente já sabia: que as mulheres ganham bem menos que os homens, geralmente 30% a menos. Quase no mundo todo é isso. Em países da Escandinávia, a diferença é menor. Lá está quase atingindo a igualdade. Mas continua muito grande a diferença em todo mundo. Comecei debatendo por aí e depois partimos para discutir empoderamento, o debate da violência e também começamos a exigir participar das mesas de negociação, é muito importante estar neste espaço e colocarmos as nossas pautas.

3-De que forma começou sua atuação militante para além das fronteiras nacionais?

Eu representei a Internacional de Serviços Públicos em vários espaços do mundo. Na Organização Internacional do Trabalho, trabalhei na elaboração da Convenção 190 que fala sobre violência e assédio no mundo do trabalho e foi aprovada em 21 de julho do ano passado. Foram 10 anos de trabalho. Eu participei das conferencias mundiais da OIT, na cidade de Genebra de 2011 até o ano passado. Participei também até o ano passado das Conferências Mundiais de Mulheres da ONU que acontecem todos os anos no mês de março em Nova York, e de várias Conferencias Mundiais e Internacionais, com sindicatos do mundo inteiro, sempre falando sobre este temática de empoderamento da mulher neste espaço de poder em que os homens acham que só eles que dominam.

4-Quais os principais avanços e retrocessos da luta feminista aconteceram antes e depois do governo Dilma?

Antes dos governos de Lula e Dilma, governos democráticos populares, os avanços para as mulheres brasileiras se deram com a Constituição de 1988. Cito: o aumento da licença maternidade, a garantia para as trabalhadoras domésticas do registro em carteira, participação nos sindicatos da negociação coletiva. No governo FHC, começou a ser discutido, mas não prosperou, um projeto de renda básica que se consolidou com a entrada de Lula na presidência do Brasil. Isso foi essencial para a vida do nosso povo, principalmente para as mulheres, para as ‘mães solo’. A questão das mulheres terem direito à titularidade no Programa ‘Minha casa e Minha vida’ foi algo que empoderou muito as mulheres e trouxe um pouco de tranqüilidade, pois num contexto de violência doméstica e separação, as mulheres ficavam sem casa.

A lei Maria da Penha foi outro grande avanço, apesar de que eu concordo com a companheira da Bahia quando falou na nossa ultima reunião, que as mulheres ainda tem pouco acesso a esta informação. Importante: o homem paga pensão se ele tiver registro em carteira e ela conseguir comprovar. A lei Maria da Penha é mais aplicada onde há Delegacias da Mulher com estrutura. Então ela denuncia mais a violência sofrida, ela se sente mais segura, mas na maior parte do País isso tudo ainda é muito difícil. O Brasil segue sendo um dos países em segundo lugar em feminicídio….

Tivemos a Lei do Feminicídio, no governo da companheira Dilma, e avanços para o trabalho doméstico. As condições de vida das mulheres melhoraram muito nos governos de Lula e Dilma quando abriu aqueles crediários para as pessoas comprarem suas casas e comprarem tudo que precisavam. Antes destas mudanças, nada muito significativo. E agora a gente só vive de retrocesso.

5- No que se refere ao cenário da mulher brasileira na política, as eleições de 2020 que vão eleger prefeitas e vereadoras (sob o efeito das cotas de 30% para a mulher nos partidos), isso pode gerar mudança concreta na baixa representação feminina na política?

Eleições em tempos de pandemia: coisa rara, o fenômeno. Vale lembrar que na pandemia passada quase nenhuma mulher tinha sequer o direito ao voto. Hoje nós já conquistamos e, olhem só, podemos ser votadas. Ah, mas pra isso tivemos muitas batalhas. Ainda seguimos em guerra. Pois as mulheres precisam brigar por um pequeno financiamento para realizar a sua campanha.

Mesmo os partidos de esquerda reproduzem a política patriarcal com argumentos como “ah, eles têm mais chances”, “ah eles são mais preparados”! Então eu sei o que passamos na eleição passada, me lembro bem o que passaram as Secretarias Municipal (São Paulo), Estadual (São Paulo) e nacional do PT para conseguirem fazer um pequeno repasse para as candidaturas. Foi uma guerra. Isso em tempos em que a extrema direita levou dezenas de homens e mulheres para as Assembleias Estaduais, Câmara Federal, Senado, Governos Estaduais e o genocida para o Planalto.

Agora, 2020! Qual será a desculpa da macharada? “Em 2022 a gente pensa, agora mais do que nunca precisamos colocar ‘pessoas’ experientes…” Espero estar redondamente enganada. Espero. Ainda assim, eu tenho esperança! Sim, tenho. Acredito, por outro lado, que a mulherada dessa geração é de briga e que mesmo estando dentro da cota de 30%, nestas eleições, temos que fazer valer o nosso direito a um financiamento justo. Pra isso, precisamos conversar com as nossas representações municipais, afirmarmos que políticas afirmativas só se constroem na prática, para além dos planejamentos e discursos. Temos que pelejar. Saudações Cutistas e feministas.

Fonte: CUT Sergipe

 

Reprodução:  CUT BRASÍLIA