Ensino à distância não é a solução

Recentemente, por conta da propagação do Covid-19, o GDF, por meio dos decretos distritais nº 40.519/2020 e nº 40.509/2020, interrompeu a realização de aulas com o objetivo de evitar aglomeração de estudantes e, consequentemente, evitar a disseminação do novo Coronavírus. Com isso, abriu debate para um novo método de se ministrar aulas, substituindo aulas presenciais por aulas virtuais.

Após a repercussão da temática, um grupo de pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) entendeu que a orientação do Conselho de Educação do Distrito Federal (CEDF) em realizar atividades presenciais em atividades não presenciais é “claramente contrária às políticas públicas educacionais relacionadas ao direito à educação e flagrantemente ilegal, por contrariar dispositivos constitucionais e legais’’.
Segundo a nota emitida pelos grupos de pesquisa da Faculdade de Educação, verifica-se que:

1) A Constituição Federal de 1988 prevê um rol de princípios que devem balizar e dar sustentação às ações, políticas públicas e normas infralegais educacionais. Entre tais princípios, o art. 206, I, prevê que O ensino será ministrado com base na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Dada sua importância, o princípio é reproduzido na LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – (art. 3º, I), na Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art. 53, I) e na Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF (art. 221, XII).

2) O sentido deste princípio é proporcionar a isonomia entre os estudantes, condição essencial para se promover equidade entre eles. Dessa forma, ao admitir a realização de atividades a distância, mediatizadas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, sem a devida formação do corpo docente e sem igualdade no fornecimento das tecnologias necessárias ao desenvolvimento do trabalho didático-pedagógico, o CEDF permite a abissal desigualdade na oferta da educação básica, entre as redes pública e privada de ensino. Isso ocorre porque é de conhecimento público que há diferenças quanto aos recursos (materiais e humanos) disponíveis nas escolas públicas e particulares, sobretudo naquelas que fazem parte de grandes redes privadas. Assim, as soluções sugeridas pelo Sinepe//DF não se enquadram perfeitamente na realidade dos mais de 450 mil alunos da rede pública de ensino do DF. Aliado a isso, os estudantes das escolas públicas não dispõem das mesmas condições econômicas que os das instituições particulares, o que gera desigualdade no tratamento de sujeitos que devem ter iguais direitos de conhecimento produzido pela humidade e previsto no currículo.

3) Em relação ao ENSINO FUNDAMENTAL, a LDB prevê que “o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais” (art. 32, § 4º). A LDB não especifica o que são situações emergenciais. 4) O Decreto federal nº 9.057, de 2017, dispõe no Art. 9º que a oferta de ensino fundamental na modalidade a distância em situações emergenciais, previstas na LDB, se refere a pessoas: impedidas, por motivo de saúde, de acompanhar o ensino presencial; que se encontrem no exterior, por qualquer motivo; que vivam em localidades que não possuam rede regular de atendimento escolar presencial; que sejam transferidas compulsoriamente para regiões de difícil acesso, incluídas as missões localizadas em regiões de fronteira; ou que estejam em situação de privação de liberdade. (Grifos nossos)

5) Assim, as possibilidades legais para que o ensino fundamental seja oferecido na modalidade a distância estão taxativamente descritos na norma acima, que é de abrangência nacional. Nesse sentido, quis o legislador delimitar as hipóteses de aplicação desta modalidade ao ensino fundamental, cabendo à sociedade interpretar a norma de forma restritiva. Portanto, a situação vivida no DF diante da epidemia do novo Coronavírus, como emergência de saúde pública, não está contemplada na legislação como ensejadora do ensino fundamental a distância.

6) Quanto ao ENSINO MÉDIO, atualmente a LDB passou a prever aplicabilidade da EaD. No mesmo sentido, está a Resolução CEDF nº 1/2018, que admite percentuais máximos de oferta na modalidade a distância, quais sejam, até 20% para o período diurno, e até 30% no noturno. Como esta é uma realidade recente, prevista na LDB desde 2017, é preciso perguntar: estão as escolas preparadas para ofertar parte da carga horária da última etapa na educação básica a distância?

7) Quanto à EDUCAÇÃO INFANTIL, trata-se de despautério vinculá-la à educação a distância. Pela própria natureza desta etapa, que tem como eixos estruturantes das práticas pedagógicas as interações e brincadeiras, nem as interpretações mais desarrazoadas podem pensar em seu trabalho pedagógico sem o devido acompanhamento de profissionais devidamente qualificados. Nesse cenário, é imperioso registrar que a Base Nacional Comum Curricular – BNCC prevê que as creches e pré-escolas têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar. Dessa forma, a Base deixa clara a imprescindibilidade da ampliação das possibilidades de espaços de desenvolvimento que ocorre, evidentemente, nas instituições de ensino. Ofertar a educação infantil na modalidade EaD é negar às crianças os direitos de aprendizagem consagrados na BNCC, pois trata-se de outra lógica na organização do trabalho pedagógico, que vai na contramão do atendimento a distância.

8) Ainda quanto à oferta da EAD, o Decreto nº 9.057/2017 prescreve requisitos sine qua non para oferta da EaD. Entre elas, podemos destacar: “pessoal qualificado” e “políticas de acesso”, “acompanhamento e avaliação compatíveis”, condições que não fazem parte de toda a rede pública de ensino, que não possui tradição na oferta da educação nesta modalidade.

9) A organização de aulas na modalidade EaD deve observar linguagem específica considerando suas especificidades, o que requer tempo – para planejamento e disponibilização dos materiais em meios digitais e tecnológicos – e formação específica do professorado. Nesse contexto, é preciso destacar que a literatura é unívoca em afirmar que é inadequado traspor a forma de organização presencial para a EAD, por tratar-se de modalidades distintas de educação.

10) O parecer do CEDF menciona a avaliação referindo-se somente à utilização de instrumentos e procedimentos, omitindo à qual concepção de avaliação eles se atrelam. A avaliação na educação a distância ainda é um tema negligenciado. No momento em que se pretende pôr em prática essa modalidade, torna-se necessário que esse componente do trabalho pedagógico seja desenvolvido de forma a promover as aprendizagens de todos os estudantes.

11) Exercícios domiciliares, com acompanhamento pela escola, são compostos por atividades didático-pedagógicas planejadas especificamente para o estudante atendido, sob a supervisão de um adulto, é preciso indagar: Quem serão os responsáveis pela orientação e acompanhamento dessas atividades de EaD?

12) Diante da ampliação para toda a Educação Básica do uso das TICs com intencionalidade pedagógica e acompanhadas e supervisionadas pelo docente em turmas separadamente, respeitados os limites de acessos às diversas tecnologias disponíveis às instituições educacionais e de seus respectivos estudantes, questionamos como se dará a materialização dessa estratégia nas escolas públicas?

13) A LDB, ao prever no art. 23 que a “educação básica poderá adotar forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”, trata de alternativas de organização pedagógica e curricular (séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados) e não das modalidades de educação presencial ou a distância.

14) O Parecer CNE/CEB 05/97, citado pelo CEDF, dispõe que as atividades escolares podem se desenvolver em espaços convencionais como a sala de aula e em outros locais adequados a trabalhos teóricos e práticos. As disposições deste Parecer, embora exaradas há mais de 20 anos, dialogam com o Currículo em Movimento da SEDF que tem como um dos princípios da educação integral a territorialidade, que prevê que as atividades pedagógicas poderão ser desenvolvidas em espaços da comunidade. Nesse caso, trata-se da ampliação de espaços de aprendizagem, com a presença direta do professor. O Parecer, portanto, nesse aspecto, não se refere à EaD.

15) Ainda quanto à oferta da educação básica por meio da EaD e, portanto, em espaços distintos da escola, questionamos se serão garantidas as condições adequadas a todos os estudantes para o desenvolvimento de trabalhos teórico-práticos. É preciso levar em conta os estudantes em situação de vulnerabilidade social, em atendimento socioeducativo, em situação de rua, com deficiência, superdotação/altas habilidades ou necessidades educacionais especiais que requerem tecnologias assistivas.

16) A Rede Pública de Ensino do Distrito Federal já passou por inúmeros períodos de greve dos seus profissionais, por motivos justos, todavia, a categoria docente SEMPRE cumpriu, de forma presencial os calendários de recomposição e reposição escolar, garantindo que os estudantes não tivessem prejuízo acadêmico.

17) O currículo das escolas de educação básica comporta atividades e ações, que podem ser desenvolvidas na modalidade EaD, contudo não devem ser a única forma de compensar as aulas presenciais, sobretudo, no contexto político e de calamidade pública, que vivemos atualmente. É preciso reiterar que as formas de organizar o conhecimento, sua distribuição, lógica de estrutura, as metodologias, os recursos e os processos didático avaliativos perpassam a participação ampla e democrática de todos os sujeitos implicados com a prática pedagógica, sobretudo os professores.

Diante disso, a diretoria do Sinpro vê a decisão com preocupação, uma vez que o ensino à distância cumpre um papel específico no processo educativo, porém não supre a necessidade de situações de aprendizagem dos estudantes da educação básica no que se refere a aulas presenciais.

Leia na íntegra a nota no link disponibilizado abaixo.

PARECER CEDF POSICIONAMENTO DE GRUPOS PESQUISA FE UNB 26 mar (3)