EJA: alfabetização de adultos fica só na promessa

Parece que Ibaneis Rocha se esqueceu de que “erradicar o analfabetismo de adultos” era promessa de campanha. Na prática, o projeto do atual governo do Distrito Federal é de desmonte. A quantidade de turmas de Educação de Jovens Adultos (EJA) é cada vez menor, com cada vez menos unidades escolares ofertando a modalidade. Em algumas escolas, as turmas estão sendo multisseriadas.

O Grupo de Trabalho Pró Alfabetização do Fórum de Educação de Jovens e Adultos no Distrito Federal (GTPA-Fórum EJA/DF) entende que não existe, por parte da SEEDF, uma ação de forma ativa para captação de estudantes para EJA. A pandemia causou uma grande evasão escolar em todos os segmentos da educação, e esse processo foi ainda mais preocupante na EJA pelo fato de o perfil dos alunos dessa modalidade ser de trabalhadores que têm como prioridade a sobrevivência, o trabalho. Se, de fato, a SEEDF tivesse proporcionado os meios, um incentivo para que os estudantes permanecessem, não haveria uma evasão tão exacerbada de alunos e, consequentemente, não haveria necessidade de (nem desculpas para) realizar a multisseriação.

Para o Sinpro, fica evidente que a “estratégia” do governo é dificultar para inviabilizar e, assim, aumentar ainda mais a evasão escolar dos jovens e adultos. Turmas que precisariam estar espalhadas por diversas áreas do DF estão concentradas – e nos locais errados.

É o caso do CEM 304 de Samambaia. Há 4 anos o GDF sofre pressão do Sinpro e da comunidade escolar para não fechar as turmas do primeiro segmento da EJA. Agora, anunciam que a oferta da EJA será em uma turma multisseriada.

“O problema das turmas multisseriadas é a dispersão de temas. Os estudantes têm formação e conhecimentos diferentes, logo a demanda por estudos é diferente. Juntar uma turma heterogênea para ministrar conteúdos de diversos anos do ensino fundamental é contraproducente e, em muitos casos, desestimulante, ainda mais se levarmos em consideração que o primeiro segmento é o que cuida da alfabetização dessas pessoas”, analisa o diretor do Sinpro Cláudio Antunes, que também lembra: “turma multisseriada é recurso utilizado no interior do país, ou em rincões com população pequena, onde não há professor disponível ou o número de estudantes é reduzido. Não é política a ser adotada pela Capital da República.”

Multisseriadas e, ainda por cima, em locais com pouca demanda. As novas regiões habitacionais que surgem a cada dia, como o Assentamento 26 de Setembro, em Taguatinga, deveriam ter unidades educacionais ofertando EJA, pois o perfil habitacional de lá coincide com o perfil da EJA: pessoas com muita idade, baixa escolaridade, várias analfabetas, negras, e de baixíssimo poder aquisitivo. Trata-se de público não escolarizado que só encontra dificuldades quando busca retomar os estudos, quando deveria justamente ter todas as suas demandas facilitadas pelo Estado.

Essas novas regiões, como o Assentamento 26 de setembro, simplesmente não são monitoradas pelo governo porque elas não existem oficialmente. “A demanda potencial do DF por EJA está em torno das áreas assentadas que estão surgindo. Quem mora nesses locais não existe para o GDF, pois não há monitoramento, tampouco recenseamento nessas áreas”, explica a pesquisadora Dorisdei Valente Rodrigues, coordenadora do GTPA/DF e Doutora em Tecnologias de Educação pela UnB.

 

Matrículas em queda livre

Dados disponíveis no site da SEEDF, atualizado em 3 de fevereiro deste ano, dão conta de que há 105 unidades escolares oferecendo ensino de jovens e adultos, para 38.212 estudantes, que se dividem em 36.881 presenciais, 1.331 na educação combinada (profissionalizante) e outros 2.006 estudando a distância, segundo dados do Censo Escolar de 2020 atualizado em junho/21.

A própria secretaria informa que o número de matrículas na EJA vem caindo: o total de estudantes em EJA matriculados na rede pública no primeiro semestre está em queda livre de 2019 para cá. Em 2019 foram 42.017 matrículas; esse número caiu para 40.218 em 2020, pouco antes do início da pandemia. Com a Covid, o isolamento e a forte crise econômica, o número de matrículas despencou para 33.094 e, no primeiro semestre deste ano, fechou em 32.608 matrículas. A SEEDF deve divulgar o número final de matrículas para o segundo semestre na semana que vem, mas a matrícula é a segunda fase do processo, pois a fase de inscrição já passou – logo, a secretaria já tem ideia do número de interessados em cursar EJA.

Ainda assim, o governo Ibaneis informa que sobram vagas na educação de jovens e adultos, mas faltou combinar essa informação com os dados do IBGE, que dão conta de que há 66 mil analfabetos na Capital da República. Desse total, metade têm mais de 60 anos. E se 6,3% dos homens do Distrito Federal com mais de 60 anos são analfabetos, entre as mulheres esse índice salta para 10,6% do segmento populacional. Por que, então, o governo Ibaneis não oferece educação a 66 mil cidadãos brasileiros?

Em 2014, o Distrito Federal foi o primeiro a receber o Selo de Território Livre do Analfabetismo do Ministério da Educação, conferido a unidades da federação que atingem 96,5% de alfabetização segundo o censo do IBGE. Mas era uma época em que o secretário de educação dizia que o desafio era “buscar as pessoas e convencê-las a se alfabetizar”. Foi, também, a época em que o Plano Distrital de Educação (PDE) foi aprovado (o PDE foi elaborado, coletivamente, no governo Agnelo, mas só foi sancionado pelo governo Rolemberg em 2015, com 42 vetos do Executivo que foram derrubados pela CLDF).

Por falar em PDE, que ainda está em vigor, as metas 8 a 11 do Plano Distrital de Educação (PDE) que devem ser usadas como horizonte para o trabalho de planejamento da Secretaria de Educação são ignoradas. Lá estão previstos, dentre outros objetivos, a gestão pedagógica e administrativa do EJA e a elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 99,5% até 2018. Mas esse monitoramento, que deveria ser constante, aparentemente cessou em 2018. Como dizer que sobram vagas de EJA se não se monitora a real demanda desse público? E como fazer a busca ativa, se não há o monitoramento da demanda populacional? 

A professora Dorisdei informa ainda que, por determinação da própria SEEDF, é possível abrir turmas com no mínimo 10 estudantes, “mas a secretaria às vezes não cumpre o que ela mesma delimita”. Ela alerta ainda para outra consequência da multisseriação das turmas de EJA: se não houver turmas diferentes para séries diferentes, a demanda por professor será menor. Com isso, muitos professores serão devolvidos à regional, e se isso acontecer não serão chamados de volta.

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