Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Dia 21 de janeiro é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa desde 2007, quando o presidente Lula, em seu segundo mandato, sancionou a lei 11.635. A data marca a morte de Mãe Gilda de Ogum, vítima de um ataque cardíaco no ano 2000, causado por uma série de ações de intolerância religiosa e racismo cometidos contra ela, seu terreiro, seu trabalho e sua fé.

Essas ações, infelizmente, têm sido ainda mais comuns nos últimos 4 anos, sob o discurso fundamentalista e racista de Bolsonaro e seus seguidores. Desde as falas preconceituosas até incêndios criminosos em terreiros e vandalismo contra imagens, vê-se uma longa lista de atitudes de intimidação, agressão e invisibilidade. Esses ataques não são somente de ordem religiosa, são nitidamente atos de racismo.

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Os dados mostram a dimensão dessa violência. Em 2019, números revelados pelo portal Brasil de Fato mostram que houve um aumento de 56% nas denúncias de casos de intolerância religiosa, sendo, a maior parte delas, registradas por praticantes de Umbanda e Candomblé. Relatório da Renafro (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde), intitulado “Respeite o meu Terreiro”, de 2022, entrevistou 255 lideranças religiosas. Segundo o levantamento, 78,4% dos pais e mães de santo brasileiros já foram alvo de violência e 91,7% já ouviram algum tipo de preconceito pela religião.

Intolerância e racismo religioso

Para o professor Gustavo Oliveira Fonseca, que leciona Artes Visuais no CEM 01 de Brazlândia, e é praticante de candomblé, é preciso relacionar a intolerância religiosa ao racismo estrutural no Brasil. “A religiosidade é um elemento de toda uma cultura que chegou ao Brasil com grupos de negras e negros africanos escravizados”, explica o professor. “A cultura desses povos sempre foi atacada pelos colonizadores, que visavam e visam a sufocar manifestações culturais, por serem elas um elo de ligação entre as pessoas, o que as fortaleceria e tornaria mais difícil dominá-las”, conclui ele.

Essa tentativa de silenciamento e anulação do pertencimento, portanto, vem de séculos atrás, e deixou marcas profundas na civilização brasileira, gerando exclusão e marginalização. O discurso de discriminação se perpetuou, e se reproduz também dentro das escolas. “Da mesma forma que há a discriminação da cor da pele, do cabelo, há também a discriminação da vestimenta, por exemplo. Em alguns rituais do candomblé, usamos roupas brancas, contas de santos, turbante; e os praticantes dessa religiosidade notam nitidamente o preconceito tanto nos grupos de alunos quanto nos de professores”, diz Gustavo.

Porém, o professor Gustavo destaca que a escola é um espaço privilegiado para o questionamento dos valores de preconceito, afinal, nela circulam informações e conhecimento – ferramentas decisivas para combater a desinformação e, portanto, o preconceito. “Nós podemos trabalhar em sala de aula os mais diversos temas que contribuirão para os estudantes conhecerem as tradições de matriz africana, e, assim, deixarem de tratá-las como ‘exóticas’, passarem a tratá-las com respeito”, diz ele. “Podemos informar, por exemplo, sobre a manipulação de plantas medicinais, que tem muito a ver com essa tradição. O candomblé tem uma relação muito ética e cuidadosa com a natureza, e os Orixás expressam isso”, completa.

A coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do Sinpro, professora Márcia Gilda, lembra que, para combater a desinformação, o preconceito e o racismo religioso, dispomos de uma importante ferramenta: a lei 10.639/2003, que acabou de completar 20 anos, e dispõe sobre o ensino da cultura e da história da África nas escolas: “Essa lei nos ampara no nosso trabalho e nos incentiva a ampliá-lo. É um trabalho de fundamental importância na luta por igualdade no Brasil”, aponta Márcia Gilda.

Em dezembro de 2022, o Sinpro lançou o caderno É preciso ser antirracista, que visa a contribuir com temas e abordagens para combater o racismo em sala de aula. Para acessá-lo na íntegra, clique AQUI

Esperança no futuro

Desde 1º de janeiro de 2023, com a posse do presidente Lula, algumas mudanças começaram a acontecer. Já no dia 5, o presidente, ao lado da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, editou a lei 14.519/2023, criando o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado anualmente em 21 de março. As duas pastas – Cultura e Igualdade Racial -, aliás, foram recriadas pelo novo governo, e são dirigidas por mulheres negras.

Em 11 de janeiro, em meio à posse das ministras Anielle e Sônia Guajajara (ministra dos Povos Indígenas), Lula também sancionou a lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, que é inafiançável e imprescritível. No governo atual, cerca de 1/3 dos ministros e ministras se declaram negros ou pardos – maior número da história, embora ainda insuficiente se comparado ao 56,1% de negros(as) e pardos(as) que compõem a população brasileira (dados do IBGE).

“Nossa expectativa é que a liberdade de crença seja ampliada, ou seja, que a liberdade não seja só para poucos”, afirma Márcia Gilda, coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do Sinpro. “É preciso respeitar a diversidade brasileira, que é uma grande riqueza nossa, mas mais do que isso: é preciso respeitar, incluir e reparar as desigualdades históricas que marginalizaram um povo que é a maioria da nossa população: o povo negro”, completa ela.

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