Dia 12 de junho: A luta contínua no combate ao trabalho infantil

O trabalho infantil ainda é realidade para um grande número de meninos e meninas no Brasil. Segundo dados apontados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PnadC), em 2019, cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes de cinco a dezessete anos em situação de trabalho infantil, significando uma grande marca de descaso e abandono com crianças e adolescentes do país.

O dia 12 de junho é o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, e foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002. A data visa a fortalecer a luta contra a exploração infantil, e tem o objetivo de sensibilizar a sociedade quanto às consequências do trabalho prematuro, e também de priorizar para crianças e adolescentes o direito de estudar, brincar, sonhar e viver uma infância que por muitas vezes lhes é roubada.

Reconhecido como uma das mais severas formas de exploração, o trabalho infantil resulta em traumas e marcas irreversíveis que podem acompanhar a criança até a fase adulta, atrapalhando o seu desenvolvimento. As consequências do trabalho infantil são inúmeras, e trazem uma série de prejuízos à aprendizagem da criança, tornando-a vulnerável em diversos aspectos, além da exposição à violência, assédio sexual, e esforços físicos intensos.

Dados da PnadC mostram que 66,1% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Brasil são pretas ou pardas. A pesquisa apontou ainda que entre as crianças e adolescentes de cinco a dezessete anos, 96,6% estão na escola, mas entre crianças e adolescentes em trabalho infantil, este número cai para 86,1%.

As crianças negras, muitas vezes, são oriundas de famílias pobres, revelando o racismo como um dos principais indicadores de vulnerabilidade social. A maioria das famílias negras brasileiras são formadas apenas pela mãe e seus filhos, mulheres pretas que em sua grande maioria não são incluídas no mercado de trabalho, tornando quase impossível a tarefa de garantir sua sobrevivência e de seus filhos. A questão é preocupante, pois revela a desigualdade absurda no país. Milhões de negros em situação de pobreza são submetidos a uma vida de exploração, raízes da desigualdade plantada na sociedade há muito tempo. Por causa desta situação, diversas crianças são forçadas a trabalhar, para ajudar a sua família no sustento da casa.

A pandemia do novo coronavírus intensificou ainda mais esta realidade, visto que, com a falta de investimento do governo federal em auxílios emergenciais para suprir a renda dos brasileiros mais carentes, muitos pais se viram obrigados a submeterem suas crianças a serviços externos para ajudarem no sustento da família, aprofundando o cenário que já vinha sendo construído pela falta de políticas públicas no combate à exploração infantil.

De acordo com o Diretor do Sinpro Cleber Soares, o trabalho infantil é um reflexo direto dos filhos e filhas das famílias marginalizadas pelo Estado. “Eles acabam se submetendo e sendo submetidos a alguma forma de trabalho para ajudar no sustento da família, e isso talvez ajude a explicar a quantidade de crianças que a gente vê nos semáforos e nas ruas, vendendo produtos de baixos custos para suprir as necessidades familiares”, explica.

Para o Diretor, é importante lembrar que a pandemia potencializa o que já vem sendo formado há anos pelas opções políticas que o governo federal vem tomando, nas decisões de priorizar os lucros, a economia e os setores mais abastados da sociedade, deixando de lado quem realmente mais precisa.”

Em entrevista ao Sinpro, a Procuradora do Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal, Dra Ana Maria Villa Real, respondeu uma série de questões a respeito. A procuradora é uma assídua representante e ativa na luta contra o trabalho infantil no país.

O que é, e o que caracteriza o trabalho infantil?

O conceito de trabalho infantil está relacionado à idade mínima permitida para o ingresso no mercado de trabalho em cada país e ao respeito às condições protetivas impostas ao labor do trabalhador adolescente. No Brasil, a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho é 16 anos. Há uma hipótese excetiva a esse limite etário que é a prática da aprendizagem profissional a partir dos quatorze anos, lembrando que a aprendizagem profissional é um contrato formal e especial de trabalho, em que intervêm o/a aprendiz, a empresa e a entidade formadora ou qualificadora. Em resumo: antes dos 14 anos, nenhuma criança ou adolescente pode trabalhar. Entre 14 e 16 anos incompletos, só como aprendiz. Entre 16 e 18 anos, o/a adolescente não pode trabalhar no período da noite ou em atividades perigosas ou insalubres. Além disso, o/a adolescente não pode trabalhar em atividades que pela sua natureza ou condições em que são exercidas possam trazer outros prejuízos à saúde, segurança e moral, bem como à frequência escolar.

Onde o trabalho infantil está mais empregado no país?

O maior índice de trabalho infantil urbano está nas ruas e feiras livres, seguidos do trabalho infantil doméstico e em atividades de construção civil. E há um quantitativo expressivo de trabalhadores infantis na agricultura, sendo um número elevado com idade entre 5 a 13 anos, faixa etária em que qualquer tipo de trabalho é proibido.

Quais os desafios em combatê-lo?

Primeiramente, é preciso convencer a sociedade da perversidade e da nocividade que o trabalho infantil representa, porque, embora proibido, ainda é naturalizado para crianças e adolescentes negras, pobres e periféricas, e visto como a única alternativa para se evitar o ingresso no mundo das drogas ou na trajetória infracional, como se não houvesse outro caminho para eles e elas. Mas há o da escola, da escola integral, das atividades de contraturno ou mesmo o da aprendizagem profissional ou do emprego protegido. E quando me refiro à aprendizagem e ao emprego protegido, falo de adolescentes com idade igual ou superior a 14 anos. A sociedade precisa estar informada e consciente de que o trabalho infantil é uma violação de direitos, até para que possa exercer o devido controle social, inclusive através do voto. Além disso, falta comprometimento do Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário e demais instituições), mas sobretudo dos Executivos Federal, Estadual e Municipal. Ou o Estado incorpora o valor da infância e assegura a crianças e adolescentes seus direitos fundamentais com prioridade absoluta, como impõe a Constituição Federal, ou continuará sendo o maior violador dos direitos de crianças e adolescentes. Há outros aspectos que precisam ser enfrentados pelo Governo, agora agravados com a pandemia: altos índices de desemprego, a alta informalidade, a desproteção social, trabalhista e previdenciária, a falta de investimento na educação, entre outros.

Quais políticas públicas que deveriam ser tomadas no combate ao trabalho infantil?

O enfrentamento ao combate ao trabalho infantil requer uma gama de políticas públicas que dialoguem entre si. Desde escolas, inclusive em período integral – e aqui não falo só de acesso, mas de políticas de manutenção de crianças e adolescentes, sobretudo adolescentes, nas escolas, melhoria dos serviços de proteção socioassistenciais, novo redesenho, cofinanciamento e necessidade de monitoramento das ações do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o PETI, melhoria da proteção trabalhista, combate à informalidade, entre outros.

Segundo dados da PnadC, em 2019, 1,8 milhão crianças são vítimas do trabalho infantil. Para a senhora, por que esses números ainda são altos e o que não permite a extinção desse tipo de trabalho no país?

A redução do trabalho infantil de 2015 até os dias atuais tem sido muito tímida, de fato. E ainda não temos os dados relativos ao impacto da pandemia no trabalho infantil, que pode inclusive comprometer os avanços e conquistas obtidos até aqui. É importante salientar, porém, que as pesquisas do IBGE não mensuram duas das piores formas: o trabalho infantil no tráfico de drogas e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. O fator determinante para não termos erradicado o trabalho infantil até hoje é a falta de comprometimento do Estado no investimento e na formulação de políticas. Há um descaso com a infância no Brasil, porque as crianças e adolescentes exploradas e explorados são em sua maioria pretos, pardos e periféricos. É bom lembrar que no Brasil o trabalho infantil tem cor: 66% do total de trabalhadores e trabalhadoras infantis são negros (pretos ou pardos). Não podemos fechar os olhos para o racismo como causa estruturante da desigualdade social em nosso país, inclusive como fator estruturante do trabalho infantil.

Precisamos perseguir o nosso projeto de nação, em que todas as infâncias sejam iguais e livres de trabalho; em que todas as crianças e adolescentes possam desenvolver-se plena, integral e sadiamente.

 
 

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