Combate ao coronavírus reforça necessidade do serviço público

A emergência sanitária provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) mostrou para os brasileiros a importância de investimentos pesados nos serviços públicos essenciais e da valorização dos servidores públicos de várias áreas que estão na linha de frente tanto no enfrentamento à pandemia quanto na viabilização das medidas sociais e econômicas que mantém o país funcionando e garante atendimento à população.

São os trabalhadores e trabalhadoras dos Correios, da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), são os eletricitários e os profissionais da saúde, entre tantas categorias, que mantêm esses serviços essenciais, muitas vezes, sem o apoio do governo federal e da direção da própria empresa que defende a redução de pessoal, de custos e a privatização.

Essa imensa gama de profissionais nos últimos anos vem sendo achincalhada por uma parte da sociedade, estimulada pelos últimos governos e parte da mídia, que não percebe que as mazelas do serviço público fazem parte de um desmonte do Estado, do tecido social em favor do mercado privado e não beneficia o povo, em especial o mais pobre, afirma José Carlos de Oliveira, Coordenador-Geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado de Pernambuco (Sindsep/PE).

Essa visão de que serviço público não é necessário e o que é público não presta, que bom é o privado é totalmente desprovida de qualquer verdade ou realidade e a crise do coronavírus mostrou bem isso com o SUS na linha de frente do combate à doença

– José Carlos de Oliveira

Mas, no geral, diz o dirigente, as pessoas têm os filhos formados nas universidades públicas e mesmo quando ocorre um acidente, são socorridas pelo SAMU ou por bombeiros, que são serviços públicos, têm a vida salva num hospital público que atende pelo SUS, quando são entrevistadas se baseiam no senso comum de que tem de privatizar tudo.

Para o dirigente, a crise sanitária fez as pessoas perceberem a importância do sistema de saúde público brasileiro e até políticos que votaram em medidas que prejudicam o sistema aparecem usando o colete do SUS.

“O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, surfa politicamente. Mas, ele é um dos inimigos do SUS. Ele acabou com a Atenção Básica da Família, os grupos de saúde familiar e o Mais Médicos. Mandetta é responsável junto com Paulo Guedes [ministro da Economia] e Jair Bolsonaro por retirar, nesse governo, mais de 20 bilhões da saúde”, afirma José Carlos de Oliveira

O dirigente lista ainda uma série de serviços públicos essenciais para conter a pandemia do coronavírus que foram sucateados e desmantelados pelos governos de Michel Temer (MDB-SP) e Bolsonaro (sem partido).

Segundo José Carlos, não dá para discutir o combate à pandemia sem discutir uma gama de serviços que estão atrelados diretamente à qualidade de vida das pessoas e tem uma transversalidade direta com a saúde, como é o caso do saneamento básico, fundamental no momento para manter as pessoas em casa, com água tratada.

O mesmo, diz o dirigente do Sindsep/PE, acontece em relação à fiscalização dos alimentos, dos vegetais e das proteínas animais feitas pelos fiscais do ministério da Agricultura, à Vigilância Sanitária, à Segurança Alimentar, feita pela Companhia Nacional de Abastecimento, ao INCRA em relação à agricultura familiar, que põe a comida na mesa dos brasileiros. Todos esses serviços públicos que são importantes para ajudar no combate à pandemia vêm sendo vilipendiados pelo governo.

Outros pontos fundamentais para o dirigente são a necessidade de fortalecer o papel do extinto ministério do Trabalho, para exercer uma fiscalização maior em época de desemprego, o papel da ciência, da tecnologia e até da arrecadação da União.

“Quem arrecada é o servidor público e sem arrecadação não se pode avaliar as condições do patrimônio da União, que é imenso. Não dá para enfrentar essa pandemia sem investimentos na ciência e tecnologia, que são sucateados por esse ministro maluco que agora quer jogar fora milhões de dólares do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro em decorrência das relações com a China”, diz ao lembrar as declarações do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que acusou, nas redes sociais, a China de ser a responsável pela transmissão do coronavírus, por interesses econômicos.

Para José Carlos, para enfrentar a pandemia é preciso acabar com a Emenda 95, do Teto dos Gastos Públicos que congelou os investimentos por 20 anos e com a tese difundida de que o privado é melhor que o público, pois todos, ricos, pobres e os menos desfavorecidos precisarão do SUS, dos bancos públicos e das empresas públicas.

“Veja o exemplo da Dataprev que querem destruir. Ela é a única empresa que teve condições, com a qualidade dos seus sistemas e dos seus servidores de ajudar no pagamento do auxílio emergencial de R$ 600,00”, diz se referindo ao aplicativo que dá acesso à inscrição no Cadastro Único (CadÚnico), construído pelos servidores públicos da Dataprev que, junto com o Serpro, estão ameaçados de demissão se as empresas forem privatizadas como quer o governo de Jair Bolsonaro.

A Dataprev é responsável pela criação do aplicativo do auxílio emergencial, do processamento de dados da Previdência Social, como o dos pagamentos de aposentadorias, pensões e seguro desemprego, possui todos os registros de nascimento e óbitos no país, cadastros trabalhistas de nacionais e estrangeiros e detalhes das empresas registradas em todos os estados.

O Serpro armazena os dados da Agência Brasileira de Inteligência, do sistema de comércio exterior, das transações que passaram pelos portos e aeroportos nacionais, do imposto de renda, emissão de passaportes, carteiras de motoristas, CPF, CNPJ e o pagamento do Bolsa Família, entre outras informações sigilosas da vida dos brasileiros.

Somente o CadÚnico tem o registro de 80 milhões de pessoas. Se o Serpro e a Dataprev, empresas públicas, já tivessem sido privatizadas, esses dados poderiam estar nas mãos de uma empresa particular e estrangeira e, provavelmente o aplicativo demoraria ainda mais a ser disponibilizado, pois ficaria dependendo do interesse e da agilidade de terceiros.

“A Dataprev vem desde 1974 apresentando soluções tecnológicas para a população. Ela tem os dados de cada brasileiro, do nascimento à morte. E graças a ela que em poucos dias foi desenvolvido o aplicativo que vai beneficiar milhões de brasileiros. Imagine se o governo tivesse privatizado a empresa e tivesse de pagar por esse serviço”, questiona Maria do Socorro Lago Martins, funcionária da Dataprev e secretária da Mulher Trabalhadora da Federação Nacional dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados (Fenadados) .

A dirigente argumenta ainda que os trabalhadores da Dataprev são comprometidos, conhecem o serviço e conseguem entregar de forma acelerada.

“Apesar de tudo isso, o governo quer fechar 20 escritórios da Dataprev nos estados e manter apenas sete, mas por enquanto, graças a uma liminar no TST [Tribunal Superior do Trabalho] estão suspensos os fechamentos e demissões por dois meses, por causa da pandemia. Se ficassem apenas os sete escritórios como quer o governo, os servidores estariam sobrecarregados e não teriam agilidade suficiente para entregar o aplicativo”, conta Socorro.

Vamos ter uma explosão de pedidos de seguro-desemprego e provavelmente a população vai sentir falta de um ministério do Trabalho, extinto por Bolsonaro. Será mais um exemplo da falta que faz um serviço público

– Socorro Lago

A defesa do serviço público é enfatizada pela servidora do Serpro e diretora da Fenadados, Telma Dantas, que reforça o entendimento de que empresas particulares não atendem a população de forma adequada. Segundo ela, ao observar ao longo da história, percebemos que é o poder público que atende a população.

Telma conta que recentemente, Brumadinho e Mariana, cidades mineiras em que ocorreram os desastres com as barragens da Vale do Rio Doce, matando centenas de pessoas, recebeu pouco apoio das empresas privadas e foi o poder público que socorreu a população local.

”Esse é o momento propício para a sociedade brasileira fazer a distinção entre o serviço público e o privado. Por mais que o SUS tenha problemas, o desmonte e o sucateamento que vem sofrendo desde o governo Michel Temer, ele é um instrumento grandioso no atendimento à população, que começa a ver a necessidade do trabalho de quem está na linha de frente”, diz a servidora do Serpro.

Sabemos da importância do servir e, por isso, nós, os servidores públicos, sairemos dessa crise melhores e mais fortes

– Telma Dantas

Outro serviço essencial à população que não para é o atendimento aos contribuintes do INSS, apesar do enxugamento no quadro de servidores, que de mais de 30 mil ,em 2017, um ano após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, caiu para 20 mil.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e da Previdência Social do Estado de São Paulo (SINSSP), Pedro Luis Totty, concorda com a avaliação de que esta é a hora da população entender e valorizar o serviço público.

Segundo Pedro, é importante deixar claro, em que pese os servidores do INSS não fazerem o atendimento presencial, neste momento de pandemia, todos os benefícios, auxilio maternidade, aposentadoria por idade, contribuição, especial e invalidez, bem como o auxílio-doença e os benefícios aos idosos e deficientes, entre outros, estão sendo analisados remotamente.

“Creio que cerca de 15% dos servidores ainda trabalham nas agências. Mas a única coisa que a direção do INSS fez foi graças a Dataprev, que nos entregou a ferramenta necessária  para que possamos acessar os dados online, e trabalhar em casa. É até melhor e mais rápido,  já que as agências têm sistemas operacionais e serviço de internet muito precários”, afirma o dirigente.

Mesmo após os ataques aos servidores feitos por Temer e Bolsonaro, com a redução dos quadros, os mais de três anos sem reajuste salarial, nesses tempos de dificuldade, não é o mercado financeiro que vai resolver nossos problemas, é o Estado que socorre que tem a resposta que o mercado não tem

– Pedro Luis Totty

Outros trabalhadores na linha de frente ao combate à pandemia são os dos Correios, que hoje além das correspondências e encomendas entregues, levam aos laboratórios médicos de universidades  a coleta dos testes do coronavírus para serem analisados.

Mas, os perigos à exposição do coronavírus que esses trabalhadores e trabalhadoras correm, não têm tido o reconhecimento da direção dos Correios, que cortou em até 30% os salários dos carteiros afastados do trabalho por fazerem parte do grupo de risco, como diabéticos e maiores de 65 anos. Os gestores que estão em casa tiveram um corte de 20% nos salários, por “perda de função”. Os Correios também estão na lista de privatização de Bolsonaro.

A categoria teve de entrar com pedido de liminar no TST,  que deu ganho de causa aos trabalhadores, para garantir insumos como álcool gel e máscaras para quem que está nas ruas, denuncia José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect-CUT).

Enquanto a gente trabalha, fazendo a nossa parte e dando a nossa contribuição ao país, fomos obrigados a ir à Justiça exigir nossa proteção, já que mesmo correndo riscos estamos sendo desvalorizados pela direção da empresa

– José Rivaldo da Silva

O dirigente diz ainda que apesar dos serviços prestados pelos Correios serem essenciais, está faltando sensibilização à direção da empresa que não limita o atendimento ao que é realmente essencial como entrega de medicamentos e testes do coronavírus.

Fonte: CUT