Editorial 2 | Classe média que apoiou os golpes de 1964 e 2016 perde renda e paga o “pato”

Diferentemente do que diz a imprensa, a queda da renda da classe média, evidenciada nos primeiros 4 meses deste ano, não é culpa direta da pandemia do novo coronavírus, e sim da economia neoliberal. Há provas disso não só na recente história do Brasil, mas também na de vários países. O neoliberalismo adotado pelos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro é um projeto antipopular, criado, deliberadamente, para promover a concentração de renda nos mais ricos e a extrema pobreza nas demais classes.

Esclarecemos que com ou sem pandemia o resultado desses 4 anos de política econômica neoliberal e de Estado mínimo é semelhante ao anos de chumbo que o Brasil viveu há 50 anos: taxas elevadíssimas de desemprego em todas as classes, privatização de serviços do Estado, enfraquecimento da qualidade da educação pública, achatamento salarial, inflação e empobrecimento generalizado. Lembrando que o enfraquecimento da educação é essencial para impedir novos cidadãos e cidadãs críticos(as), capazes de combater esse tipo de política.

Ou seja, com Covid-19 ou sem, o Brasil já está vivendo, desde 2016, a repetição da tragédia econômica da ditadura militar nos anos 1960-70. Ao dizer que a pandemia é responsável pela perda de renda da classe média, a mídia comercial busca omitir os reais motivos dessa crise e, de certa forma, busca confundir ainda mais a classe média, que, enganada pelo discurso midiático, não se vê como classe trabalhadora. Nenhum jornal denuncia a política econômica neoliberal adotada no golpe de 2016, aprofundada no governo Bolsonaro/Paulo Guedes. Essa é a mesma política que está empobrecendo a classe média, recolocou o Brasil no Mapa da Fome e dilapidou o Chile e outros países que, hoje, enfrentam todo tipo de precariedade, pobreza e gigantescas diferenças sociais.

Nesta segunda edição, ou seja, nesta continuidade do mesmo editorial que divulgamos ontem (quinta-feira, 22/4), explicamos por que a classe média perdeu renda no governo Jair Bolsonaro (ex-PSL) e informamos que era preciso esclarecer três coisas para entender a queda desse poder aquisitivo. Para isso, dividimos o editorial em três capítulos para resgatarmos a experiência brasileira com a economia neoliberal, principal responsável por essa desconstrução social que joga todas as classes situadas abaixo da rica no mesmo buraco.

É importante explicar que a Covid-19 colabora com essa perda, porém, não é determinante. Ela é, na verdade, é mais uma cortina de fumaça que tem escondido as injustiças da economia neoliberal. Tanto é que, em 2020 e 2021, o segmento rico da população do Brasil e do mundo ficou muito mais rico. Coincidência ou não, a pandemia surgiu bem no momento em que a crise econômica abraçou o mundo e impediu manifestações fortes, da classe trabalhadora, capazes de reverter os regimes neoliberais em curso.

A economia neoliberal implantada com o golpe de 2016 é a mesma imposta pelo golpe de Estado de 1964 e, por incrível que pareça, a mesma classe média um pouco mais endinheirada do que as demais classes assalariadas, autônomas ou desempregada que apoiou o golpe de 1964 e se deu mal com a crise do petróleo; com a inflação altíssima, chegando a 200% ao ano no último ano da ditadura militar, em 1984; repetiu o erro em 2015-16.

Apoiou outro golpe de Estado com Michel Temer (MDB), exigindo a queda da presidente Dilma Rousseff (PT), contra a qual não havia nenhuma acusação ou denúncia formal, usando um discurso semelhante ao de 1964, focado nos temas do combate à corrupção e ao comunismo. Só que o plano econômico do golpe, comandado pela mídia comercial, PSDB-PMDB-NOVO-PSL-DEM, militares, grandes empresários nacionais e internacionais e governos imperialistas, é justamente o modelo reprovado, sucessivamente, pelas urnas desde o último governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) porque empobrece o povo e enfraquece o Estado nacional.

O plano econômico do golpe de 2016, adota fortemente a economia neoliberal, com características semelhantes, em tudo, ao que a dupla Roberto Campos e Octávio Gouveia Bulhões, adotaram quando eram, respectivamente, ministro do Planejamento e ministro da Fazenda do governo Castelo Branco, em 1964-1967, e que empobreceu tanto os trabalhadores assalariados e a classe média, que esta, no fim dos anos 1970 teve de ir às ruas pedir o fim da ditadura militar.

Trata-se da mesma política descrita no Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg), redigido por Campos e Bulhões. A diferença é que, hoje, o cenário econômico brasileiro e mundial é muito pior do que o dos anos 1960. Atualmente, o comércio internacional está estagnado e as maiores economias mundiais crescem pouco ou estão desacelerando ou, ainda, estão em recessão. Se a política econômica da ditadura militar demorou quase uma década para punir a classe média, hoje, a punição chega na velocidade das novas tecnologias, numa espécie de “operação à jato”.

Além disso, diferentemente dos anos 1960/70, o cenário econômico mundial não vai colaborar com uma retomada do crescimento econômico, mesmo que tivesse estímulos do grande capital. No Brasil atual acontece o contrário do do início do “milagre econômico” dos anos 1970: hoje, o País está sendo completamente desindustrializado e vendo sua soberania ser enfraquecida e suas riquezas privatizadas, entregue a preços negativos às multinacionais.

Até as montadoras de automóveis estão indo embora. Não há emprego e nem mais como reorganizá-lo. O mundo mundo. O Brasil nunca precisou tanto do Estado nacional de bem-estar social como hoje. A classe média empresarial, assim como os trabalhadores de baixa renda e desempregados, precisa dos recursos financeiros do Estado e das políticas de inclusão social, de emprego, renda, educação, saúde e, como nunca, da previdência pública, afinal, a Covid-19 está invalidando centenas de milhares de vítimas sobreviventes. Mas não terá essa ajuda porque o ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse que não irá investir o dinheiro público em “empresinhas”.

Guedes, um dos poucos remanescentes da fracassada Escola de Chicago e fundador do banco BTG Pactual, defendeu e põe em curso o uso de recursos públicos para salvar grandes companhias. “Nós vamos botar dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”, disse ele há exatamente 1 ano, na fatídica reunião de 22 de abril de 2020, revelada em maio seguinte.

A aliança PMDB-PSDB-NOVO-PSL-DEM, militares antinacionalistas, banqueiros e empresários da classe rica nacional e internacional operou, apressadamente, desde 2016, para empobrecer trabalhadores assalariados ou não e, nessa classe, está situada a classe média, que não se vê aí.  Semelhante aos anos de chumbo, o Brasil vive, hoje, inflação a galope, aumento astronômico do desemprego; inserido no Mapa da Fome. É essa política que expulsou mais de 4,9 milhões de brasileiros da chamada classe média no último ano, obrigando-os a migrar para a classe baixa.

Com 100,1 milhões de pessoas com renda familiar de R$ 2.971,37 a R$ 7.202,57, é a primeira vez em 10 anos que o grupo se iguala aos que têm renda familiar de R$ 262,02 a R$ 2.238,20, ou seja, 47% da população do País. Os dados são de uma pesquisa que o Instituto Locomotiva, divulgados entre os dias 21 e 22 de março de 2021, após entrevistar 1.620 pessoas em 72 municípios no mesmo período.

O estudo mostra que, de 2010 para cá, a classe média brasileira caiu de 54% da população para 47%. Em relação a 2019, a queda foi de 51% para 47%. Enquanto isso, a classe baixa aumentou de tamanho, passando de 38%, em 2010, para 43%, em 2020, chegando, em 2021, aos atuais 47%. “É triste que a gente, depois de todo o crescimento que a classe média teve durante 15 anos (de 2003 a 2015), que alimentou o crescimento do Brasil, chegue nesta situação. Quando a classe média sofre, todos sofrem”, afirmou Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

O levantamento do Instituto Locomotiva também informou que a renda da classe média estava distribuída, em março de 2021, da seguinte forma: 58% recorreram a bicos, vendeu algum bem ou abriu um negócio para ter renda extra; 39% acredita que a renda continuará diminuindo após a pandemia da Covid-19; 69% está com medo de perder o emprego.

Tudo isso era previsível e foi avisado insistentemente. A economia neoliberal não é “roupa” que se vista em nenhum momento da história. Ao contrário, é melhor impedir que ela seja, novamente, utilizada em 2022 com o velho discurso de ódio contra partidos políticos de esquerda, justamente os que elevaram o nível social de todos no Brasil e colocou comida, educação, saúde e outros direitos sociais e benefícios econômicos na vida da maioria da população, e, sobretudo, fortaleceu a classe média, oferecendo a ela mais conforto e acesso a bens e serviços que não tinha.

Leia aqui a primeira parte deste editorial:

Editorial 1 | Com queda do poder aquisitivo, classe média começa a pagar a conta do golpe

Editorial 2 | Classe média que apoiou os golpes de 1964 e 2016 perde renda e paga o “pato”

Editorial 3 | Golpe está na origem da perda de renda das classes média, média-alta e pobre

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