AZUL ou ROSA, não importa.

Conheço o significado e a importância das cores em nossas expressões culturais. As cores são usadas de diversas formas e ficam, muitas vezes, estigmatizadas, o que anula sua beleza natural. Há muitos estudos sobre a influência das cores em nossa vida.

 

Eu gosto muito das cores. Um dos meus refúgios de pandemia foi adquirir uma caixa de lápis de 48 cores. Pintei um mundo de mandalas! Também bordei meus poeminhas em tecidos de linho. Outra grande paixão é a costura com suas cores em tecidos de diversas texturas. Minha paixão pela vida se expressa por meio de linguagens artísticas e artesanais. Todas se vestem das cores e se comunicam.

 

Também os corpos humanos, por uma questão cultural, são cobertos por tecidos coloridos (ou não). Variadas texturas, formas, combinações e ainda há o uso do vestuário para formalizações e/ou uniformidades. Então, as cores são importantes em nossa convivência humana.

 

Em minhas aulas de educação artística, sempre priorizei o conteúdo do estudo das cores e estimulava meus estudantes a se expressarem a partir de tais informações. Colorir uma árvore de verde, roxo ou azul, tanto faz, o que importa é a emoção da pessoa que se expressa por meio das cores. Assim se comunicam nossos renomados artistas. Cor é comunicação!

 

Por um período da minha adolescência preferi a cor azul. Depois, na fase adulta, comecei a me interessar pelas cores quentes, a cor laranja era a preferida. Hoje, confesso, gosto de todas as cores, mas, preferencialmente, uso os tons azuis. Percebi ao colorir minhas mandalas. Vivemos transformações durante toda nossa existência e as cores dialogam com nossas emoções e mudanças.

 

Eu não sei quando e nem por quê, historicamente atribui-se aos gêneros masculino e feminino o uso da cor azul e rosa, respectivamente, ao ponto de uma Ministra declarar tal hierarquia em rede nacional como se fosse uma lei ou verdade.

 

Penso que as cores são tão livres quanto nossos pensamentos e sentimentos.

 

Os primeiros habitantes do território brasileiro, chamados de indígenas, andavam nus quando foram invadidos pelos europeus, que aqui desembarcaram, por engano. Estes encontraram, em território desconhecido, homens e mulheres nus adornados pelas cores e elementos da natureza. Criativos, alegres, organizados e temerosos ao criador, viviam livres respeitando a mãe natureza e os limites por ela oferecidos.

 

A cultura européia desembarcou em terras do pau-brasil, sem pedir licença, invadiu a paz dos habitantes e dizimou tudo.

 

Se apropriaram (roubaram) da riqueza natural que aqui encontraram e arrancaram daquela civilização a alma e o jeito natural de viver. Levaram a cores e o brilho daquela civilização.

 

Era o século XVI, visto pelos historiadores como período em que a civilização ocidental se desenvolveu tanto, que a invenção da navegação os trouxe aqui. A era da descoberta de novos territórios. Invadidos pela cultura européia, os habitantes desse território tropical foram obrigados a vestirem-se de tecidos de poucas cores. Diziam estar domesticando os homens e mulheres que aqui viviam livres e nus.

 

E aí a coisa foi se misturando. Navios e navios desembarcavam aqui gente de todo jeito. Séculos e séculos foram transformando o território colorido por tuas verdes matas, flores, pássaros, frutas, etc… em construções edificadas com a identidade dos invasores, sem cores. Estamos no Brasil! Salve-se quem puder!

 

No século XVIII, enquanto os portugueses enquadram nosso território brasileiro aos moldes do europeu, na Inglaterra a revolução industrial, criada pelo ser humano inteligente e criativo, dividiu a sociedade em patrões e empregados (não escravos). Foram impostos novos conceitos e formas de viver.

 

Criou-se regras, moedas, leis, planos, projetos, prisões, moral, religião, classe social e um tal de congresso nacional (só pra rimar). Dizem ser organização da “sociedade”.

 

Um tanto de coisas foram se formalizando para organizar a sociedade com seus direitos e deveres. Mas por muitos séculos, a sociedade mundial foi representada somente pelo gênero masculino, o feminino era suporte, a mulher – inferiorizada.

 

Também no século XIX, na Inglaterra, a mulher inicia um processo de reivindicar o direito ao voto e o direito das meninas frequentarem a escola.

 

No Brasil,a primeira Lei sobre educação para mulheres foi proclamada em 1827. Com restrições,somente em 1932 o novo Código Eleitoral Brasileiro concede direito de voto às mulheres. Em 1945, a Carta das Nações Unidas reconheceu, em documento internacional, a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Em 1962, o Estatuto da Mulher Casada é aprovado no Brasil, resguardando a elas o direito de trabalhar fora de casa sem a autorização do marido e o direito de requerer a guarda dos filhos em caso de separação. Quanta evolução !

 

Mas como sempre,  inferiorizadas pelos homens,  tivemos que pagar com a própria vida por tais direitos. A educação patriarcal permanece na cultura de quase todas as sociedades mundiais. Homem pode tudo, a mulher deve pedir permissão. As mulheres continuam a educar seus filhos e filhas diferenciando os direitos e deveres de um e de outro. Homem não pode chorar, mulher tem que realizar todas as tarefas domésticas.

 

Em 1980 surgiu o lema “Quem ama, não mata”. A violência contra a mulher estava em alta nas estatísticas brasileiras. “Quem mata não aprendeu o valor do amor e da liberdade”, este é o meu lema.

 

Em 2006 é sancionada a Lei Maria da Penha. Ufa!

 

O quê toda essa história tem a ver com as cores?

 

“Não pinte esse rosto que eu gosto que é só meu…”,1946. Um ano depois da Carta das Nações Unidas reconhecendo igualdade entre homens e mulheres.

 

O nosso amado compositor pode ter sido um grande amante, mas essa poesia está ultrapassada… Reproduz a cultura machista da sociedade brasileira.

 

“E quando eu me zango, Marina

 

Não sei perdoar…”,1946.

 

O corpo da mulher é monopolizado por alguém que acha que é seu dono. Possessivo e machista.

 

Muito além do poder ir à escola, votar, pintar o rosto, cortar o cabelo, usar vestidos ou calças compridas, trabalhar fora, existe  uma questão muito urgente e atual.

 

Sobre as cores?

 

Querem voltar a um passado que derrubamos com sangue (vermelho). Rosa para as meninas e azul para os meninos.Não cabe mais tais conceitos.

 

Também não importa mais falar de cores definindo os gêneros, porque as cores não possuem bula.Cada um se apropria dela como quiser.

 

Importa a vida humana e seu livre arbítrio.

 

Às vezes, parece que voltamos a viver na Idade Média.

 

Homens matam mulheres todos os dias. Até quando ?

 

Homens que doamos nossa vida para se tornarem humanamente saudáveis.

 

Não importa as cores escolhidas para vesti-lo. Não importa!

 

 Não lamentamos  o tempo que  dedicamos para que uma criança cresça, nos orgulhamos de nossa força “que não é bruta”, é afetiva, materna. Humana.

 

A transformação exige muita evolução de pensamento e comportamento, por isso a educação precisa acompanhar as transformações da humanidade e sua diversidade.

 

Muitos conceitos viraram preconceitos e vice-versa, muitas leis estão ultrapassadas e hoje somos outros com “a bagagem do ontem”, inegavelmente.

 

 A vida se transforma a cada instante.

 

A mulher que nasceu em 1962, ano em que foi aprovado o estatuto da mulher casada,hoje é uma mulher independente e, talvez, realizada.Ainda lutando para se libertar de uma sociedade patriarcal.

 

O homem parece  perdido em meio a tantas mudanças e conquistas femininas. “Corre, que lá vão elas!”

 

 Podem estar em vários lugares.São capazes de realizar várias coisas ao mesmo tempo.Bruxas? não, mulheres! MULHERES!

 

“Dizem que a mulher é o sexo frágil, mas que mentira absurda”, canta o “Tremendão”. Somos fortes, ́ porque amar exige muita coragem.Parir é força bruta que viabiliza a VIDA. Somos frágeis porque acreditamos na vida, na humanidade,no amor.  Somos vida de todas as cores e viva a diversidade!

 

Queremos viver igualmente nossos direitos e deveres.

 

 Queremos viver todas as cores e sabores  que a vida oferece.Viver nossas escolhas e poder dizer sim ou NÃO! OU NÃO !

 

Dia 8 de março, pouco temos a comemorar.Temos que lutar e dizer NÃO ao FEMINICÍDIO.

 

(*) Janilce Rodrigues é professora aposentada da rede pública de ensino do Distrito Federal e trabalhou no Sistema Penitenciário da Papuda