Censo e a educação especial: inclusão ocorre em quantidade. E em qualidade?

Na terceira matéria da série sobre o Censo Escolar 2022, o Sinpro analisa os resultados nacionais da Educação Especial. Os números do Censo 2022 demonstram que as matrículas de estudantes público-alvo da educação especial em classes comuns é um processo iniciado na década de 1990, e um caminho sem volta. Mas os dados apontam apenas o número frio de matrículas registrados, sem uma análise qualitativa da qualidade da educação ofertada às crianças e jovens do país.

 

“Bico de pato”

O levantamento, que analisa apenas o número de matrículas em todas as etapas do ensino escolar, mostra três “bicos de pato se abrindo” (a linha de cima se distanciando da linha de baixo de forma angular, como um bico abrindo): apenas na educação infantil observa-se que a pandemia de Covid-19 manteve o número de matrículas razoavelmente estável, com aumento irrisório, mas com o arrefecimento da pandemia houve um salto no número de matrículas de estudantes público-alvo da educação especial em classes comuns (que, na nomenclatura equivocadamente adotada pelo Censo, tornou-se “alunos incluídos”) da educação infantil: esses estudantes saltaram de 106.853 em 2021 para 174.771 em 2022 –aumento de 63,5%.

Ainda na educação infantil, a quantidade de alunos matriculados em classes especiais e escolas exclusivas também indica que a inclusão é um processo ininterrupto: desde 2010, quando os matriculados em classes comuns e em classes especiais era quase parelho (34.044 “incluídos” e 35.397 em classes especiais), o número de matrículas em escolas/classes especiais vem caindo ano a ano, enquanto o número de “alunos incluídos” só faz subir. O desenho do gráfico é um bico de pato se abrindo.

Esse “bico de pato” continua a se abrir no número de matrículas do ensino fundamental: em 12 anos, um aumento de 140,6% em “alunos incluídos” e leve queda de matrículas em classes especiais. Mas é no ensino médio que a inclusão de estudantes público-alvo da educação especial deu o maior salto: enquanto as matrículas em classes especiais se mantêm praticamente estáveis em 12 anos, os “alunos incluídos” foram de 27.695 em 20 10 para 203.138 em 2022 – salto de 633,48%.

“O crescimento dos estudantes em turmas regulares e a queda do contexto de classe especial é consequência da Política Nacional de Educação Especial, implantada pelo MEC em 2008 após documento elaborado por um grupo de trabalho especial para o segmento”, conta Inácio Antônio Athayde Oliveira, da Sala de Recursos específica de estudantes Surdos no CEF 08 do Gama, que continua: “É natural o crescimento. Não tem como zerar [os estudantes em classes especiais], pois ainda existem no DF, por exemplo, políticas públicas educacionais consideradas inclusivas em espaços de classes especiais e Centro de Ensino Especial.”

 

Inclusão a quase 100%

Quando se observa o número de estudantes público-alvo da educação especial incluídos em classes comuns por etapa de ensino, discriminados por unidade da federação, fica evidente que o processo de inclusão ocorre de maneira é irreversível: na educação infantil, cinco estados matricularam 100% de seus alunos em classes comuns; o menor índice de inclusão é de 72,3% (do Paraná). No Distrito Federal, 97% dos estudantes especiais estão matriculados em classes comuns.

No ensino fundamental, novamente 5 estados com 100% de incluídos, e o menor índice em 70,6% (novamente o Paraná). No DF, 96,6% dos alunos do ensino fundamental estão incluídos. Mas no ensino médio, novo salto: 14 unidades da federação com 100% de alunos especiais incluídos. O Distrito Federal tem 99,7% de alunos incluídos, exatamente à frente do Paraná, com 99,6% de incluídos. A unidade da federação com menos incluídos percentualmente é Sergipe: 98,2%.

“As políticas públicas levaram e influenciaram as unidades da federação a promoverem a inclusão dos alunos”, aponta Elemregina Moraes, do Centro de Ensino Especial para Deficientes Visuais (CEEDV).

Essas políticas públicas que foram semeadas há 30 anos.

 

Mentalidade e atitude mudaram na década de 1990

Os números de 2022 são resultado de uma política cujos primeiros movimentos começaram em 1990: nessa década, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), da Organização das Nações Unidas (ONU) passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação inclusiva, caso – aqui no Brasil – do art. 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), que determina que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”; também é o caso da LDB de 1996 e do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 que já destacava que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Esses e vários outros documentos estabeleceram metas e diretrizes para a inclusão de pessoas com deficiência no processo educacional, e precederam a Política Nacional de Educação Especial do MEC, de 2008, e a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015.

“Os resultados do Censo de 2022 foram semeados a partir da década de 1990, e vêm florescendo ao longo de 33 anos de políticas públicas educacionais e pesquisas sobre educação inclusiva referente ao público-alvo da educação especial”, aponta Inácio Athayde Oliveira, do CEF 08 do Gama. “Mas não basta verificar apenas números de matrículas, é necessário concretizar políticas públicas educacionais inclusivas com estratégias visíveis em sala de aula, de forma garantir a acessibilidade curricular desses estudantes. 

 

O dever de casa ainda é extenso

A observação da diretora do Sinpro Luciana Custódio sobre os números da educação especial do Censo 2022 é certeira: “A análise do censo é meramente quantitativa. Falta a análise qualitativa. A escola não pode ser entendida como depósito de alunos. Apenas garantir a matrícula dessas crianças e jovens não significa garantir que a inclusão esteja ocorrendo de forma efetiva. Esta só acontece se o aluno tiver, além do acesso à escola, condições de permanência e de aprendizagem. Nesse sentido, é muito importante que o estado olhe para esses números fazendo uma análise crítica de todas as dificuldades que as escolas enfrentam no processo de inclusão”.

Em relação ao Distrito Federal, Luciana lista todas as tarefas de casa da Secretaria de educação com relação à educação especial:

– Garantir que as escolas estejam preparadas com profissionais e estrutura física e logística para receber esses alunos;

– Garantir que haja profissionais na quantidade adequada para o atendimento aos estudantes. Nesse sentido, a nomeação de 1.861 monitores escolares, ocorrida no último dia 7, é positiva – ainda que tardia.

– Revisão da estratégia de matrícula, que vem aumentando exponencialmente o número de alunos por turma. Isso compromete a qualidade da educação.

– Implementar políticas de formação para que os professores e a escola como um todo tenham a real condição de atender aos estudantes em suas especificidades, que são diversas.

Luciana lembra que todo estudante pode aprender. O que é preciso é respeitar o tempo e o espaço desse estudante. Para isso, a escola precisa estar preparada.

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