Política nacional de participação popular: Uma morte anunciada

O governo federal sofreu uma derrota na terça-feira (28) ao ver derrubado o decreto que normatizava a Política Nacional de Participação Popular. Esse decreto tinha como objetivo regulamentar, normatizar ou organizar as relações e as formas de participação da sociedade no debate sobre as políticas públicas, seja a partir das conferências setoriais ou dos conselhos. Nada de novo, pois existe em vários ministérios e níveis de governo,  grande parte sem atuação efetiva ou relação direta com os interessados nos temas que são objetos de análise ou acompanhamento.
O setores conservadores, parlamentares ou analistas políticos, desde que o decreto veio a público  passaram a desferir várias críticas ao mesmo, considerando que usurpava poderes e funções do parlamento, que era uma ameaça bolivariana ou soviética à democracia brasileira, que iria se transformar em aparelho do PT, entre outras bobagens persecutórias que apenas demonstram o atraso e a incapacidade política e ideológica da elite brasileira de conviver com a participação direta da população no debate sobre os rumos do País.
Participação popular sem o popular
O governo federal cometeu um erro grave na apresentação do decreto sobre a Política Nacional de Participação Popular, que demonstra como de boas intenções o inferno está cheio. Uma única pergunta é exemplar desse erro: quem foi que participou do debate e da elaboração dessa PNPP?
Que eu saiba esse decreto não envolveu na sua discussão os movimentos sindicais e populares, os atuais membros de conselhos, delegados de conferências, entidades de classe, grupos de pesquisas, entre outros setores da sociedade interessados no debate sobre a democratização do estado e o controle social sobre as políticas públicas.
Mais uma vez se tratou a participação popular de forma técnica, burocrática, formal, como se a sua regulamentação legal bastasse para que o processo democrático de participação se instaurasse nas relações entre o estado e a sociedade.
Tutela
Essa é uma concepção que revela uma relação de tutela do Estado sobre a sociedade, pior ainda, sobre as formas de participação popular nas instâncias que o Estado considera que são apropriadas para a manifestação dos interesses populares. E é em decorrência dessa concepção que os atuais conselhos não conseguem se constituir em expressão real das vontades e interesses dos movimentos sociais e dos setores da população que representam.
Quantos são, por exemplo, os conselhos escolares que foram criados no início da década de 1980 e que funcionam verdadeiramente como expressão da participação das comunidades, alunos, professores e funcionários das escolas? Que tem participação efetiva na discussão dos projetos pedagógicos das escolas? Que participam da gestão cotidiana das escolas? Que interferem no debate sobre as políticas educacionais no âmbito municipal?
E quais são as semelhanças que podemos apontar na organização e mobilização dos Movimentos Populares de Saúde da Zona Leste de São Paulo do final da década de 1970 e início de 1980 com os atuais Conselhos de Saúde e suas conferências?
Para os de baixo, para quem está do lado de fora das estruturas do Estado, que depende dos serviços públicos ou de suas políticas, é preciso que compreendam que toda e qualquer política pública é decorrência da correlação de forças existente no interior do governo, na sua relação com o Parlamento, com o poder econômico, e da capacidade de pressão por parte do movimento  popular.
Se haverá mais ou menos recursos para a saúde, habitação ou mobilidade urbana, dependerá da capacidade de pressão dos movimentos sociais, em contraposição ao poder de influência, por exemplo, que setores econômicos e seus representantes no Parlamento farão para que se priorize grandes obras, desoneração que beneficie determinado setor produtivo, incentivos ao setor agroexportador etc.
E se essa disputa está posta, não será a mera existência de conselhos ou a realização de conferências que terão o poder de mudar a correlação de forças a favor dos de baixo, da população que depende única e exclusivamente dos serviços públicos e de suas políticas públicas para ter seus direitos sociais atendidos. É preciso a organização e a mobilização social, a pressão direta, e que os conselhos e as conferências expressem esse poder de pressão a partir de fora das instituições do Estado.
Se queremos aprofundar a democracia, ter capacidade de alterar a correlação de forças no parlamento, dar à presidenta Dilma poder de negociação, que não se limite ao método da velha governabilidade, é preciso que se priorize a organização, formação e mobilização do movimento popular e sindical na sua base, a partir das lutas concretas e da busca da unificação em torno de uma pauta que possa expressar o que de fato interessa à grande maioria da sociedade.
Não queremos a repetição de junho de 2013, pois já passou. Queremos outro futuro. Para isso que lutamos para reeleger a Dilma, afirmando que representava eleger um novo governo.
(Da Caros Amigos)