Jornalista questiona imprensa e compara situação do Brasil a "Terra em Transe"

A jornalista Malu Fontes, em comentário na Rádio Metrópole (de Salvador, Bahia), detonou a atitude “surreal” do jornalismo brasileiro diante da falsa moral do Judiciário – homenageado em um cabaré de luxo em São Paulo – e do avanço sem cerimônias da extrema direita no país.
Para Malu, só mesmo o nome do filme de Glauber Rocha para traduzir o que é o Brasil desses dias: uma “Terra em Transe”. Confira o comentário da jornalista (transcrição e áudio), feito no dia 9 passado:
“Nos últimos dias, o Brasil – sobretudo se observado pela TV, pelas redes sociais, pela imprensa – parece traduzir nas imagens algo de irreal, dando a impressão de que todos estávamos assistindo a cenas de um filme desses experimentais; sem sequências lógicas e com imagens extraídas de um cenário surrealista.
A cenas de uma quase romaria religiosa em torno do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em São Paulo, se sucederam imagens de uma batalha campal nas imediações da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, Paraná, para onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado em um avião monomotor, preso.
Entre as cenas de romaria de São Bernardo do Campo, onde Lula foi carregado nos braços por uma multidão, com efeitos visuais e iconográficos para inscrever-se na história do país, e as bombas de efeito moral, as balas de borracha e a repressão em Curitiba, houve espaço para mais surrealismo.
Um cafetão de luxo, em São Paulo, oferecia cerveja de graça e prostitutas nuas para uma multidão de homens, no meio da rua, diante do prostíbulo mais famoso da cidade e sob fotografias gigantes do juiz Sérgio Moro e da presidente do Supremo, Carmem Lúcia. As cervejas, as prostitutas nuas, a festa e a homenagem aos juristas eram tudo elementos para celebrar a prisão de Lula. Tudo sob os aplausos, a complacência e até convites distribuídos por representantes da extrema direita brasileira, que não via nada demais na festa do cafetão, na exposição das putas nuas, amordaçadas e bolinadas pelo organizador diante de uma multidão.
O espantoso é o fato de que as pessoas que celebravam, nas redes sociais, a festa no puteiro serem as mesmas que recentemente obrigaram, na marra e em nome dos valores da família brasileira e dos bons costumes, o cancelamento de exposições artísticas em museus e de peças de teatro Brasil afora. Só mesmo o nome do filme de Glauber Rocha para traduzir o que é o Brasil desses dias, uma “Terra em Transe”. Onde mais em todo o mundo a direita faz festa sexual, com prostitutas nuas na rua e distribuição gratuita de bebida alcoólica, enquanto a esquerda se reúne diante de uma caminhão de som para ouvir um bispo celebrar uma missa?
Na televisão, o jornalismo surta junto e no principal canal de TV por assinatura voltado exclusivamente para notícias o que se vê parece um delírio. Todo o time dos principais jornalistas da casa se reúne para ficar 24 horas por dia entrevistando uns aos outros e todos dizendo a mesma coisa que o colega de trabalho já disse e vai voltar a dizer no momento seguinte. Não há espaço para o contraditório, para fontes externas entrevistadas nas ruas ou convidados no estúdio. É uma extensão ininterrupta de uma conversa de bar. Não é à toa que, por conta de uma briga entre a Rede Globo o jornal Folha de São Paulo, Marcelo Coelho – membro do conselho editorial da Folha – disse que no jornalismo da Globo News, os jornalistas que ancoram os programas parecem sempre dez jogadores de futebol cobrando pênaltis o tempo inteiro sem ninguém no gol.
Que jornalismo é esse que, enquanto um bispo celebra missa atrapado num caminhão e um cafetão chupa os peitos de uma puta e a bolina no meio da rua diante de aplausos e de um retrato homenageando a presidente da Suprema corte do país, fica trancado no estúdio entrevistando a si mesmo e com uma abordagem de mão única, enquanto a história do país acontece nas ruas?
Malu Fontes”
Ouça: 
9/4/2018 – Terra em transe
[yendifplayer type=audio mp3=http://3.16.59.70/wp-content/uploads/2018/04/09-04-18-comentario-malu-fontes.mp3]
Leia também >>> O Bispo e a puta