Vitória da luta assegura fundo permanente para a educação

50Após um ano e meio de mobilizações, campanhas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e sindicatos filiados, como o Sinpro-DF, e outras entidades da educação, e graças à participação da categoria na defesa do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Congresso Nacional, em sessão conjunta, na manhã desta quarta-feira (26), promulgou a Emenda Constitucional (EC) 108/2020 –  do Novo Fundeb –, que o torna permanente, garante mais investimentos na educação básica e amplia seu alcance.
 
A diretoria colegiada do Sinpro-DF agradece a participação da categoria e reconhece que, graças a essa união, foi criada uma força política que garantiu a aprovação do novo fundo, agora permanente e com ampliação gradual da participação da União, de forma a chegar a 23% a partir de 2026. Atualmente, a União contribui apenas com 10%. Também garantiu a inclusão do Custo Aluno–Qualidade (CAQ) e o aumento do percentual para o pagamento dos salários dos professores.
 
No Senado, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 26/2020, contou com 79 votos favoráveis no primeiro e no segundo turnos de votações, ocorridos na terça-feira (25). Na Câmara dos Deputados, o texto-base da relatora, professora Dorinha Seabra (DEM-TO), foi aprovado com 499 votos contra sete, na primeira votação, e, 492 a 6, na segunda.
 
“A importância de o Fundeb ter sido constitucionalizado e tornado permanente é porque o arcabouço do financiamento da Educação, sendo o Fundeb o principal deles, deixa de ser uma política de governo e passa a ser de Estado, constitucionalizada, com regras. Isso põe fim à prática politiqueira de que todo governo pode ameaçar o financiamento da educação pública a seu bel prazer”, afirma Rosilene Corrêa, diretora do Sinpro-DF e da CNTE.
 
O Custo Aluno–Qualidade (CAQ), que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentaram retirar, foi aprovado e está na EC 108/2020. Trata-se de uma pauta histórica da CNTE, do Sinpro-DF e do movimento educacional do País. O CAQ é um conjunto de parâmetros que envolve desde remuneração do professor até financiamento de infraestrutura, como aquisição de livros, e todo o conjunto de indicadores que permite a distribuição mais equânime dos recursos financeiros da educação nas unidades da Federação.
 
Outro item contemplado na EC 108/2020 é o aumento do percentual da participação do Estado no fundo de 10% para 23% de forma gradual até 2026. O aporte de recursos financeiros maior por parte da União é importante para robustecer esse arcabouço de financiamento da educação pública. Com apenas 10%, a União, que arrecada muito mais, deixava a maior carga de participação sobre estados, municípios e Distrito Federal.

Sabotagem e redução de dinheiro da educação 
A diretoria colegiada do Sinpro-DF lembra que o fundo reduz as desigualdades na educação entre regiões, estados e municípios e considera essa vitória uma das mais importantes dos últimos tempos não só pela garantia da educação pública, mas também porque durante todo esse período de campanhas, o presidente Bolsonaro e o ministro da Economia sabotaram a mobilização e a tramitação do PEC 26/2020.

A última delas foi nessa terça, quando o agropecuarista, deputado federal Arthur Lira (PP-AL) atuou como porta-voz do governo Bolsonaro, tentando obstruir a votação. Mas não foi seguido pelos tradicionais políticos do Centrão porque esse grupo sabe que se trata de enfrentar a maior categoria de profissionais do País e suas famílias nas urnas em 2022. Até o próprio Lira acabou votando a favor do Novo Fundeb.

A diretoria alerta, contudo, para o fato de que as leis infraconstitucionais a serem criadas após a EC 108/2020 precisam assegurar que todo o dinheiro do fundo seja apenas da Educação. Bolsonaro e Guedes já se movimentam há meses, no Congresso Nacional e fora dele, com os partidos e políticos do Centrão, para desviar os recursos do fundo para outras assinaturas do Orçamento do Estado e até para outras Pastas, como a da Defesa.

Bolsonaro tenta tirar bilhões da Educação e entregar às Forças Armadas 
Na manhã desta quarta-feira (26), pouco antes da promulgação do Novo Fundeb, o próprio Jair Bolsonaro disse, extraoficialmente à imprensa, que haverá redução de R$ 4,2 bilhões dos recursos financeiros da Educação no Orçamento de 2021. Ou seja, ele pretende retirar cerca de 18% das despesas discricionárias e assegurou que vai aumentar o orçamento da Defesa.

“Essa atitude faz com que, pela primeira vez, em 10 anos, o orçamento da Educação seja menor do que o da Defesa. Isso mostra que a prioridade de Bolsonaro é favorecer suas bases pessoais. Nem sequer é o orçamento da Segurança Pública que está sendo aumentado, e sim o da ‘caserna’. Não há justificativa para esse aumento em detrimento da Saúde e da Educação, duas áreas de extrema importância e carência em nossa sociedade”, critica Rosilene.

A diretora observa que Bolsonaro não fala onde será o corte de R$ 4,2 bilhões adicionais. “Isso significa que vai sobrar para a Educação. Provavelmente, compensará o aumento da complementação da União ao Fundeb, retirando mais dinheiro do setor direto no Orçamento”. Rosilene explica que só será possível saber a dimensão do impacto dos cortes anunciados quando o Projeto de Lei Orçamentária da União for encaminhado ao Congresso Nacional.

“Por hora, as informações são as de que os cortes se concentrarão em despesas não obrigatórias, devendo a rede de ensino federal ser impactada em, aproximadamente, R$ 1 bilhão. Isso leva a crer que os R$ 3,2 bilhões adicionais poderão recair, majoritariamente, nas ações de cooperação que o MEC possui com as 27 redes estaduais (incluindo a distrital) e com as 5.570 redes municipais de ensino”, afirma.

Na avaliação da diretora, seria um impacto negativo gigantesco para a educação básica. “Tudo indica que essa medida da área econômica e do MEC visa a compensar os gastos extras que a União terá com o novo Fundeb. Ou seja: dá com uma mão e retira com a outra. No frigir dos ovos, tudo poderá continuar como está, ou até pior”, alerta.

Na opinião de Berenice Darc, diretora do Sinpro-DF e da CNTE, quem deve monitorar essa situação é a sociedade. “É papel da sociedade exigir dos governos estaduais, municipais, distrital e federal a aplicação dos recursos do Fundeb na totalidade para a finalidade específica para a qual foi criado. Que esses recursos não sejam desviados para outras finalidades. Os sindicatos têm feito esse monitoramento ao longo dos anos e continuará fazendo, lutando para que o Fundeb cumpra seus objetivos e possamos, com a aplicação correta desses recursos, combater as desigualdades na escola de educação básica, incluindo aí o DF”.

Breve histórico
A luta para assegurar o financiamento permanente da educação pelo Estado não é de hoje. A criação do próprio Fundeb é resultado dessa luta histórica da categoria docente e da população. O fundo foi criado pela Emenda Constitucional (EC) nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1998 a 2006.

Dentre vários objetivos, ele foi criado durante o governo do ex-presidente Lula, sobretudo, para combater as grandes desigualdades regionais do País, as quais refletem na escola pública, garantir equidade e assegurar uma qualidade mínima em todos os níveis do ensino em todas as regiões. Ele também é voltado a garantir o melhor salário ao professor. Importante destacar que, em muitos municípios, a educação é mantida totalmente pelos recursos do fundo.

Berenice destaca que o fundo também foi criado para ser uma política de Estado e não uma política de governo. “Isso porque, para superar as grandes diferenças regionais, estaduais, municipais e distritais é preciso de tempo. O Fundeb é um projeto criado com a concepção de longo prazo e, apesar do tempo em vigência, o Brasil ainda não superou essas contradições. Foi criado para ser um fundo da educação básica permanente até o País superar suas grandes desigualdades”.

Ela diz que “um dos fatores interessante é que quando se fala em escola de qualidade é preciso pensar no todo, que vai desde a melhor remuneração paga ao profissional, no investimento na estrutura física, na qualificação até no espaço escolar. Por isso, o CAQ é um conjunto de fatores que passa pela qualidade e formação do profissional, pela qualidade do ambiente do espaço escolar, pela qualidade das condições e garantias da permanência do estudante no ambiente escolar. O fundo consegue assegurar a escola na maioria dos municípios do Brasil. A quase totalidade dos municípios não teriam condições de oferecer ensino sem os recursos do Fundeb”.

A diretora explica ainda que a categoria deve estar atenta aqui no DF porque, “mesmo sendo uma escola administrada pelo Governo do Distrito Federal, ela encontra diversas realidades em razão do fato de, no próprio DF, haver diversas realidades e desigualdades regionais, fazendo com que entre as 683 unidades e comunidades escolares tenham diversas faces, algumas com mais qualidades e mais oportunidades e, outras, com menos qualidades e menos chances. O Fundeb é para isso: assegurar a qualidade e a equidade da escola pública”, finaliza.

O que muda com a PEC?

1– O Fundeb passa a ser permanente.

2 – A participação do governo no fundo, que hoje é de 10%, aumenta, progressivamente, até 23%, no período que vai até 2026.

3 – A progressão é esta: 12% (2021), 15% (2022), 17% (2023), 19% (2024), 21% (2025) e 23% (2026).

4 – O dinheiro do Fundeb não pode pagar inativos, contrariando uma das absurdas vontades do governo Bolsonaro.

5 – O Valor Aluno Ano Total (VAAT) passa de um mínimo de R$ 3.700 (hoje) para R$ 5.700 em 2026.

6 – O texto rejeitou a exótica proposta de Paulo Gudes, que queria destinar metade do aporte extra que fará a União para vouchers de pagamento a creches privadas. O truque era o seguinte: na contabilidade, os recursos seriam do Fundeb; para efeitos políticos, seria um programa do Bolsa Família, que vai passar a se chamar Renda Brasil. Era um misto de pedalada educacional com pedalada fiscal, como apontou o especialista Alexandre Schneider.

7 – Os 10% da atual colaboração da União ficam como estão.

8 – O que exceder esses 10% (13%) passa a ser assim distribuído: 2,5% a municípios com bons resultados educacionais; o restante (10,5%), de acordo com a necessidade dos municípios, desde que 5% sejam direcionados à educação infantil.

9 – O texto mantém a obrigatoriedade de se investir um mínimo de 70% do valor recebido do Fundeb para pagamentos de professores e servidores da educação. O governo queria que esse percentual fosse o teto.

10 – A proposta reserva 15% para investimentos; na prática, o limite, então, para pagamentos de salários passa a ser de 85%.