Violência contra mulher: professores conscientes conscientizam alunos

Alunos da modalidade EJA no complexo penitenciário do DF são levados a refletir sobre a violência
de gênero, da qual são vítimas e algozes ao mesmo tempo

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) para o sistema prisional brasiliense é finalista de um concurso que premia as três melhores práticas inovadoras para enfrentamento e prevenção a toda forma de violência contra meninas e mulheres.

O trabalho desenvolvido pela equipe pedagógica do CED 01 de Brasília na educação das prisões na modalidade EJA pode ser uma das três iniciativas inovadoras do concurso Maria da Penha vai à escola. A escolha e premiação do trabalho finalista ocorre em cerimônia que acontecerá no dia 10 de outubro de 2022, às 10h, no Auditório Sepúlveda Pertence localizado no Edifício Sede do TJDFT, Praça do Buriti, Brasília/DF.


Machismo estrutural

A equipe pedagógica do CED 01 percebeu que havia várias posturas machistas tanto de homens como de mulheres da equipe docente. E essa equipe atuava na Educação de Jovens e Adultos no sistema prisional. Problema detectado: “esses docentes davam aulas, muitas vezes, a alunos que estavam presos por feminicídio, ou a alunas presas que já haviam sido violentadas – muitas, mais de uma vez. Como eu já conhecia o trabalho da professora Gina Pontes, sugeri que a trouxéssemos para fazer um trabalho com nossa equipe”, relembra a professora Vanessa Bonfim, que fez parte da coordenação pedagógica da equipe EJA prisional que conduziu os trabalhos.

Desta forma, entre 2018 e 2021, a equipe pedagógica do CED01 realizou, em parceria com a professora Gina Pontes, idealizadora do projeto mulheres inspiradoras, uma série de trabalhos de conscientização de gênero com sua equipe docente. O trabalho foi realizado durante as coordenações pedagógicas, em forma de rodas de conversa, palestras e momentos de formação continuada, de forma a conscientizar os profissionais sobre a violência de gênero e assim enfrentar a violência contra a mulher.

“Os professores gostaram muito. E a palestra/diálogo levantou um debate a respeito da temática que passou a ser pauta de várias coordenações”, conta Vanessa.

Em paralelo ao trabalho com os professores e professoras, a professora Gina Pontes também realizou palestras e vivências com alunos e alunas do sistema prisional, com questões relativas tanto à violência de gênero como à raça, num grupo formado majoritariamente por pessoas negras ou pardas. No presídio Feminino (PFDF), o trabalho também teve a participação da professora Cristiane Sobral.

O projeto foi desenvolvido em todas as 6 unidades do complexo penitenciário do Distrito Federal, que abrange 5 unidades prisionais masculinas e uma feminina.  

Como resultado desse trabalho intenso, os professores perceberam que seus alunos e alunas cresceram em lares onde a violência contra a mulher sempre foi exacerbada e naturalizada. E precisavam atuar para quebrar essa espiral de violência.

 

“Dia de Visita” na sequência didática

Aí veio a pandemia, e cessaram não só as aulas como as visitas aos detentos. O trabalho teve que mudar. “A gente já vinha, desde 2018, trabalhando a questão de gênero. Pra gente não perder o trabalho, elaboramos, para as quatro etapas da EJA, sequências didáticas”, conta Vanessa.

A professora revela que, ao longo do processo de envio e correção de atividades por escrito aos detentos, durante a pandemia, a equipe pedagógica identificou uma série de problemas com relação às visitas em época de pandemia. “A partir desse dado, fizemos alguns levantamentos e inserimos numa ou noutra atividade que a gente ia criando na sequência didática que estava em construção a correlação entre o dia da visita e a questão de gênero”, conta Vanessa.

Uma dessas atividades conta a história de uma mulher que visita o marido na prisão. “Com o desenrolar da história, o leitor se dá conta de tudo o que acontece na vida daquela mulher até o dia da visita. Com esse texto, questionamos algumas coisas que a mulher passa por ser mulher na nossa sociedade. Aproveitamos a realização da atividade para questionar ideias machistas e construir ideias alternativas”, explica a professora. Ela revela que essa sequência didática é muito produtiva para se trabalhar questões como sororidade e de questionar por que, em nossa sociedade, sempre recai sobre a mulher a responsabilidade com o cuidado: “Levamos os alunos a refletirem as causas de os presidiários sempre receberem visitas de suas mulheres e mães, e as presidiárias quase não receberem visitas, e por que isso acontece”.

Reconhecimento

Esse projeto, que envolve alunos do complexo penitenciário do Distrito Federal na modalidade EJA, é um dos finalistas de casos de sucesso de práticas inovadoras de combate à violência de meninas e mulheres em escolas do Distrito Federal.

Foram selecionadas as três melhores práticas, desenvolvidas tanto no ensino remoto como no presencial. A premiação ocorre durante o III Congresso Maria da Penha Vai à Escola.

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