Valorizando professores não precisaremos reduzir maioridade
Em 2015, a sambista Leci Brandão (PCdoB) completa 40 anos de serviços prestados à música popular brasileira, com uma carreira marcada por canções que falam sobre a luta pela igualdade.
Eleita deputada estadual em 2010 e reeleita em 2014, com mais de 71 mil votos pelo PCdoB, ela levou a militância à assembleia legislativa paulista e tornou-se a segunda mulher negra no parlamento bandeirante, onde enfrenta uma bancada ainda mais conservadora.
Em entrevista ao Portal da CUT, Leci fala contra a redução da maioridade penal, trata do papel transformador da música e defende o financiamento público de campanha eleitoral.
Portal da CUT – Como você avalia o debate sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos?
Leci Brandão – A gente que tem uma história de vida voltada para questões de luta, falta de direitos e acesso a uma série de coisas tem de estar contra essa proposta, até porque, se esse absurdo for aprovado, serão os adolescentes negros penalizados. As pessoas deveriam se preocupar em criar e construir escolas, coisas que evitem que essa juventude trilhe caminhos ruins. Enquanto não tivermos um paliativo para que isso aconteça, vamos ficar nessa discussão inócua. É uma pena que hoje, no Brasil, vejamos o retrocesso que está acontecendo, haja visto essa série de manifestações contra pensamentos progressistas. Estou extremamente preocupada com que esse Congresso Nacional seja reacionário, do atraso, do preconceito em todos os aspectos. O que pudermos falar contra esse atraso, vamos falar, até ficarmos roucos. Temos que procurar construir escolas, respeitar os professores, dar salários dignos para que possam ensinar essa juventude. Quem tem conhecimento, tem sabedoria. Quem tem sabedoria, cresce. E quem não tem nada, a gente não pode prever o que pode acontecer.
Como é ser minoria em uma Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) ainda mais conservadora do que a anterior?
Leci – É muito importante, porque você pode ir à tribuna e falar o que você pensa. Eu tenho tido a felicidade de alguns reacionários irem para esse espaço antes de mim e aí o que eles falam eu, sutilmente, sem agredir, de forma bastante tranquila, respondo de forma consciente e corajosa. Até porque sou uma mulher negra e qualquer coisa que eu fizer de diferente e mais pesado vão ter argumentos para enquadrar dentro de um estereótipo dizendo “é negra, fala assim mesmo”. Não é ousadia tocar em determinados assuntos ou enfrentar deputados conservadores, eu estou deputada tanto quanto eles. Meu partido só tem dois deputados e estou sempre lá respondendo. Minha trajetória, em 2015, tem sido colocar assuntos que eram até proibidos por causa da nova leitura da assembleia. Eu não ataco ninguém, eu defendo os meus, nada demais além disso.
Qual papel que a música exerce para transformação da sociedade?
Leci – Eu vou fazer 40 anos de carreira neste ano e sempre cantei pelas minorias. Tive depoimentos de muitos pais e mães de filhos que tinham vergonha de serem negros e depois de irem a um show nosso mudou a cabeça. Tenho depoimentos de pessoas do segmento LGBT, que depois de ouvirem uma música que fizemos combatendo o preconceito passaram a não ter mais constrangimento dessa orientação. Como tive também depoimentos de famílias muito humildades que conseguiram fazer com que filhos corressem atrás de seus direitos, atrás de ser alguém num patamar muito acima, porque nossa luta é muito difícil.
Como você avalia a reforma política, especialmente o financiamento privado de campanha eleitoral?
Leci – O financiamento bancado pelos poderosos vai fazer com que a gente tenha muitos mais poderosos, empresários, donos da comunicação no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas. Ao passo que se você tiver o financiamento público você dará condições para que muitos mais trabalhadores representem legitimamente o povo. Porque a cara do povo não está representada nem no Poder Legislativo, nem no Judiciário. Espero que o povo acorde e vá para as ruas lutar contra toda essa manobra. Há momentos em que eu custo a acreditar no que está acontecendo no país. Passamos tanto tempo lutando para conquistar direitos e perder tudo assim de baciada.