Tributar os super-ricos para investir na educação: uma lógica necessária e urgente

Rosilene Corrêa

Desde o golpe de 2016, o discurso adotado tanto pelo governo Michel Temer como pelo de Jair Bolsonaro é o da necessidade de cortar gastos públicos para garantir o equilíbrio fiscal. A estratégia, desprovida de dados, pesquisas e análises consistentes, é repetida e defendida à exaustão por meios tradicionais de comunicação e canais oficiais do próprio governo federal. Por trás disso, o objetivo de normalizar uma política ancorada na manutenção de privilégios para poucos em detrimento do Estado de bem-estar social, com o desmantelamento de áreas essenciais à dignidade da pessoa humana, como a educação.

Fruto dessa política de austeridade econômica com endereço certo está a emenda constitucional 95, também conhecida como proposta do Teto de Gastos ou PEC da Morte. Criada em 2016, no governo Temer, e seguida à risca sem qualquer tipo de contestação pelo governo Bolsonaro, a emenda congela os investimentos em áreas sociais até 2036. E segundo estudo feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, só no ano de 2019, a EC 95 tirou R$ 32,6 bilhões da educação.

Justificada pelo déficit nas contas públicas, a emenda constitucional 95 vem inviabilizando o cumprimento de diretrizes estruturantes da educação, como o Plano Nacional de Educação (PNE) e a sustentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), políticas criadas nos governos Lula e consolidadas no governo Dilma.

A meta 20 do PNE, por exemplo, prevê investimento público em educação pública de no mínimo 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até o quinto ano de vigência da lei, completado em 2019. O Plano ainda prevê investimento de no mínimo 10% do PIB dez anos após a aprovação da lei. Ou seja, até 2024, 10% da soma de todos os bens e serviços produzidos no Brasil deve ser investida em educação. Mas como cumprir essa meta com o obstáculo da EC 95?

Outro objetivo traçado pelo PNE, que está na meta 17, é a valorização dos servidores do magistério das redes públicas de educação básica. Isso seria feito com a equiparação do rendimento médio desses profissionais ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente. O prazo para a o cumprimento da meta 17 do PNE venceu em 2019, e até agora professores com ensino superior continuam ganhando pouco mais da metade do que recebem trabalhadores de outras áreas com o mesmo nível de formação.

Longe de ser uma pauta corporativista, a valorização dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica está diretamente ligada à solução de abismos sociais gerados pela carência de investimento na educação. O analfabetismo que acomete mais de 11 milhões de jovens e adultos, o número alarmante de 80 milhões de pessoas que não concluíram a educação básica e a ausência de creche para crianças de 0 a 3 anos, por exemplo, só poderão ser superados com um quadro amplo de profissionais do magistério público valorizados e respeitados.

Já o Fundeb, aprovado após disputa acirrada com o governo federal, ainda carece de regulamentação. Isso indica que a luta em defesa do Fundo ainda será longa, já que, para poder aplicá-lo e manter seu caráter de permanente, será preciso de investimento público, o que é embarreirado pela emenda constitucional 95.

Outras políticas também surfam na onda do déficit fiscal para reduzir ainda mais o Estado e permitir que os tentáculos neoliberais se expandam. Exemplo disso é a lei complementar 173. Aprovada pelo governo Bolsonaro, a regra proíbe entes federativos que receberam auxílio financeiro da União de concederem vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração para servidores e empregados públicos, inclusive professoras e professores, até dezembro de 2021.

A reforma administrativa – como todas as demais promovidas por este governo – também salta aos olhos. Em tramitação na Câmara dos Deputados, a proposta, contida na PEC 32/2020, promove um verdadeiro desmonte dos serviços públicos, entre eles o da educação. Pela PEC, o serviço público passa a ser subsidiário, ou seja, secundário ao serviço privado, permitindo a privatização generalizada. Isso além de desconstitucionalizar vários direitos garantidos por professores e demais servidores públicos.

Enquanto isso, em plena pandemia da Covid-19, os 42 bilionários registrados no Brasil aumentaram seu patrimônio em mais de R$ 180 bilhões nos últimos meses. Iates, jatinhos, helicópteros continuam sendo isentos de IPVA. De setembro de 2017 a abril de 2020, foram registrados 13.595 pagamentos acima de R$ 100 mil pelo sistema judiciário. 507 magistrados receberam vencimentos acima de R$ 200 mil 565 vezes, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.

A equação que coloca de um lado as políticas de austeridade econômica que atingem em cheio os setores públicos e do outro os privilégios de menos de 1% da população brasileira não fecha. Isso porque o “x” da questão não é o ajuste das contas públicas pautado na justiça social, mas um cenário econômico maquiado com números positivos, porém socialmente desigual, moldado pela manutenção das fortunas da elite em uma ponta e pela ampliação da miséria do povo em outra.

É diante deste cenário caótico e injusto que se faz urgente o aumento do tributo sobre as altas rendas – acima de R$ 720 mil por ano – e sobre grandes patrimônios, com a redução desses tributos para pequenas empresas. Além disso, é ainda essencial que se corrija as distorções da tabela do Imposto de Renda para Pessoa Física, que se implemente novas regras de repartição de receitas da União com os municípios, que se crie regras para disciplinar a concessão de benefícios fiscais. Medidas essas que estão materializadas na campanha Tributar os Super-Ricos e que, se colocadas em prática, prevêem uma arrecadação anual de R$ 292 bilhões, onerando apenas os 0,3% mais ricos do país. Aliás, a aplicação de impostos sobre grandes fortunas está na Constituição de 1988, mas até hoje não foi implementada.

Ao adotar a perspectiva de justiça social no cálculo das contas públicas, deslegitima-se de uma vez por todas o discurso da saída unilateral da crise econômica via corte nos gastos públicos. Diante disso, a tarefa que se apresenta agora é a de mostrar que a pandemia do novo coronavírus não tem por si só a capacidade de gerar pobreza, fome, miséria. O problema são as políticas adotadas neste período, bancadas por aqueles que se aproveitaram do momento mais crítico do século para garantir a execução de interesses capitalistas de acumulação de renda e exploração da classe trabalhadora.

Não podemos normalizar a desgraça que assola a vida de milhões de brasileiros e brasileiras que sofrem as consequências do desemprego, do medo e da dor da perda de pessoas queridas pela ausência de um Estado forte. A matemática que devemos aplicar é a do investimento nas áreas sociais e nos seus atores; sobretudo na educação, imprescindível para o desenvolvimento econômico e para a redução das desigualdades sociais. Não há outro caminho que seja pavimentado na justiça social além daquele que propõe a lógica simples do “quem ganha mais paga mais; quem ganha menos paga menos”.

 

*Rosilene Corrêa é professora aposentada da Secretaria de Educação do DF, diretora de Finanças do Sinpro-DF e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e vice-presidenta do PT-DF