Tribunal de Justiça de Santa Catarina declara Homeschooling inconstitucional

Os últimos quatro anos foram de intensas lutas da classe trabalhadora contra vários tipos de retrocessos na pauta da educação. Algumas foram vencidas, graças à luta de sindicatos classistas, dos(as) educadores(as) e da população em geral, e outras ainda teimam em caminhar na mesma diretriz traçada pelo (des)governo de Jair Bolsonaro e de governos estaduais. Dentre estas pautas nefastas está o Homeschooling, que apesar da mudança no comando da presidência da República e do Ministério da Educação, ainda respira em alguns estados brasileiros, seguindo a diretriz neoliberal traçada por Bolsonaro e seus “admiradores”.

Em menos de dois meses do governo Lula, a pauta começa a cair pelo país. Na última terça-feira (06) o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) declarou a lei catarinense que autoriza o ensino domiciliar no estado como inconstitucional. Segundo a decisão do TJSC, o Ministério Público de Santa Catarina argumentou que o Estado “usurpou” a competência da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação nacional. Isso viola o artigo 8º da Constituição do Estado de Santa Catarina e o artigo 22, inciso XXIV da Constituição da República, que diz que somente a União pode legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

Atrelado à decisão do TJSC está o Distrito Federal. Em 2020, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) decidiu que o processo de autorização do ensino domiciliar (homeschooling) na capital da República é inconstitucional. A procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora-regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente no DF, assina manifestação da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região que aponta “graves e insanáveis vícios de inconstitucionalidade que violam a garantia do direito à educação” em referência aos Projetos de Lei Nº 356/2019, 1167/2020 e 1268/2020, aprovados pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

 

Direito fundamental à educação

O ensino domiciliar não é legalizado no Brasil. Um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018 decidiu que pais e mães não podem se abster de matricular os(as) filhos(as) na escola e, portanto, não podem educá-los exclusivamente em casa. Na ocasião, a maioria dos ministros da Corte entendeu que, sem uma lei, a regulamentar, a modalidade não haveria como garantir o cumprimento do direito fundamental à educação.

O ministro Alexandre de Moraes lembrou, em seu voto, que a Constituição Federal não proíbe a modalidade de ensino, mas não existe regulamentação do Congresso Nacional para este tipo de ensino, estabelecendo a fiscalização ao rendimento e à frequência do estudante. Para Moraes, não cabe ao Judiciário estipular essas regras. Portanto, o homeschooling não poderia ser considerado legítimo no Brasil.

A ministra Rosa Weber, ao concordar com o colega, afirmou que, enquanto a Constituição de 1946 previa que a educação dos filhos se dava no lar e na escola, a Carta de 1988 impôs um novo modelo, sintetizado no artigo 208: “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. Lembrou ainda a ministra que tal modelo foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que falam na obrigatoriedade dos pais em matricularem seus filhos na rede regular de ensino. Ela disse também que a LDB estipula que, se o estudante apresentar mais de 50% de faltas em taxa superior a 50%, é dever da escola comunicar o fato à Justiça.

 

Sinpro move ADIM contra Homeschooling

No dia 16 de dezembro de 2020 o Sinpro moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) defendendo a ilegalidade do estabelecimento do Homeschooling no Distrito Federal (ensino domiciliar). Posteriormente a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec) pediu ingresso na ação como amicus curiae em 2021.

Trata-se de mais uma entidade que se posiciona contra o projeto de desestruturação do ensino público e que denuncia os males que o projeto traz. A Adin tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e contesta a constitucionalidade da Lei Distrital nº 6.759, de 16 de dezembro de 2020, que instituiu a educação domiciliar (Homeschooling) no DF.

Além de infringir vários direitos e leis do Brasil, a adoção do Homeschooling no DF, sancionada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O processo do Sinpro-DF tramita com o número 0752639-84.2020.8.07.0000.

Desvantagens

O processo de ensino doméstico só tem desvantagens para a formação da criança, a começar pelo fato de que quem acompanha o processo de educação é geralmente a mãe, que muitas vezes não tem uma formação necessária para repassar o conteúdo necessário para o(a) filho(a). A prática do homeschooling também ocorre em horários flexíveis, ao contrário do ensino oficial, seja do estado ou ministrado por entidades privadas, que deve obedecer a um rigoroso calendário letivo. Educação com horários flexíveis não cria uma saudável rotina de hábitos na criança.

No homeschooling, a função de educar os(as) filhos(as) acaba recaindo sobre a mãe, que automaticamente se vê privada de trabalhar fora. Se houver necessidade de a mulher trabalhar fora para ajudar no orçamento familiar, o homeschooling, de antemão, já inviabiliza essa alternativa, que já é suficiente para dimensionar o problema envolvendo a questão de gênero.

Finalmente, e talvez o mais assombroso aspecto do homeschooling, a visão de mundo do estudante submetido à prática do ensino domiciliar é limitada e reduzida ao interior de sua casa e ao ponto de vista de seus pais. Ainda que sua socialização seja feita na igreja ou no clube, o estudante não vive a experiência, em ambiente de sala de aula, de ser provocado por visões ou pensamentos diferentes. Cresce sem questionar e incapaz de ponderar ou mesmo pensar sobre diferentes visões de mundo. Quando conclui os estudos e consegue se inserir num mercado de trabalho cada vez mais voraz e exigente, apresenta sérias dificuldades de trabalhar em equipe.

Para a diretora do Sinpro Luciana Custódio, este projeto é perigoso. “Tratam esta proposta como um benefício aos pais que desejam ensinar os filhos em casa. Mas, na prática, pode resultar no abandono de crianças e adolescentes. Vamos voltar no tempo e desconsiderar marcos importantes para a educação brasileira”.

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