Todos são culpados até que se prove o contrário

“O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira (4), chancelou a seletividade da Justiça brasileira à suas conveniências e isso abala a democracia”.  Essa é a avaliação de Cleber Soares, diretor do Sinpro-DF. Para ele, ao derrubar o pedido de habeas corpus, o STF e a Justiça mostram que o sistema funciona sim, mas somente quando lhe é conveniente.
“Ora, se funcionou com Lula, contra o qual não há nenhuma prova de cometimento de crime, por que não funciona com o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, do PSDB, que, ao contrário do ex-Presidente da República, tem comprovações cabais de corrupção e foi condenado em todas as instâncias pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro a uma pena de 20 anos de prisão e até hoje não foi preso? E mais: esse crime arrisca ter a pena prescrita neste ano de 2018”, critica o diretor do Sinpro-DF.
O inquérito contra o senador Romero Jucá (PMDB-RR) também é um exemplo da seletividade da Justiça. Trata-se de um inquérito que tramitou por 14 anos no STF e foi arquivado por prescrição. Outro caso é o da ministra Cármen Lúcia, que votou contra o habeas corpus de Lula, mas absolveu Aécio Neves (PSDB-MG), acusado, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com base nas delações de Joesley Batista e Ricardo Saud, da J&F, de corrupção passiva e obstrução da Justiça.
No caso de Aécio Neves, a ministra Cármen Lúcia contradisse um voto que ela proferiu em 2006, ao indeferir um pedido de liberdade do deputado estadual de Rondônia, José Carlos de Oliveira, acusado de corrupção. Ela desconsiderou até mesmo a imunidade parlamentar. O então deputado ficou preso, acusado de comandar uma quadrilha que desviara R$ 50 milhões dos cofres públicos.
Um levantamento da Folha de S. Paulo indica que uma em cada três ações penais contra políticos no STF foi arquivada nos últimos 10 anos por prescrição. Nesse levantamento, dos 113 processos cuja tramitação foi encerrada entre janeiro de 2007 e outubro de 2016, segundo o próprio STF, 109 terminaram sem qualquer tipo de punição aos políticos por motivos diversos.
A seletividade faz parte da história e das conveniências do STF. Em 1936, por exemplo, o Supremo, que na época se chamava Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil, negou o pedido de Olga Benário, esposa de Luiz Carlos Preste, para ficar no Brasil e confirmou a ordem de expulsão dada pelo então presidente Getúlio Vargas.
Soares afirma que a indignação toma conta do país. Ele menciona, por exemplo, declarações do candidato à Presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos, que escreveu em seu Twitter: “Contra Temer há malas e gravações comprometedoras e ele está no Palácio [do Planalto]. Contra Aécio [Neves] há pedido de dinheiro para Joesley, que o país todo ouviu, e ele está no Senado. Contra Lula não há gravação, nem mala, nem conta. Nenhuma prova. E foi determinada a sua prisão”.
Na opinião dele, ao negarem o habeas corpus a Lula, os cinco ministros interpretaram de forma tendenciosa o inciso LVII, art. 5º, da Constituição Federal, e buscaram criar uma jurisprudência que pretende flexibilizar uma cláusula pétrea, concebida como pétrea justamente para proteger os(as) cidadãos(ãs) dos desmandos dos governantes e do Poder Judiciário que havia no país. O que o STF fez foi dar uma interpretação ao Art. 5º segundo a qual quem já passou pelo crivo de duas apreciações pela Justiça, no caso as instâncias de primeiro e de segundo graus, pode ser preso e responder o processo já preso.
Na visão da advocacia, o caso do habeas corpus de Lula mostra os gestores transferes para o processado e o preso a responsabilidade do Estado porque Constituição diz que somente deverá ser preso e cumprir pena quando a sentença for transitada em julgado. Até o ministro Ricardo Lewandowisk se indignou com a negação da Corte: “Esta Corte colocou o direito de liberdade em patamar inferior ao de propriedade. A todos os colegas que me precederam digo que foi uma “embolaria” jurídica. A prisão é sempre uma exceção, a liberdade é a regra”.
Soares entende que todos os passos do STF aprofunda o golpe porque a conta ainda não foi paga. “O empresariado que financiou o golpe querem a aposentadoria do trabalhador. Eles querem a reforma da Previdência. Essa é uma das faturas que o empresariado internacional e nacional irá apresentar após as eleições de 2018”, alerta.