“Todo mundo tem de ter o direito a uma casa com um alicerce e um bom telhado”, diz deputada
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, voltou a atacar a educação. No Simpósio Cidadania Cristã, promovido pela Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Conceab), um evento evangélico, realizado na terça-feira (5/10), na Igreja Batista Central, em Brasília, ele disse haver um excesso de universidades no Brasil e criticou os governos petistas na condução da educação.
Segundo o Metrópoles, o ministro afirmou que “o alicerce na educação é a alfabetização” e declarou que “meninos chegam para fazer engenharia sem saber regra de três. Quando falo em universidade, falam que foi democratizada, mas encheram de telhados e se esqueceram do alicerce. O que nós temos hoje: jovens que são analfabetos funcionais, não entendem o que leem”.
Em entrevista exclusiva para o Sinpro-DF, a professora de pedagogia, vice-líder da Minoria e deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) analisou a fala do ministro e usou a mesma metáfora dele para mandar o recado: “Todo mundo tem de ter o direito a uma casa com um alicerce e um bom telhado. Todo mundo tem direito à Educação Básica e ao Ensino Superior e a todo o processo formativo ao longo de sua vida”.
No mesmo dia em que a imprensa liberal divulgou a declaração dele, ela o respondeu pelo Twitter: “Sim, com muito orgulho enchemos o Brasil de universidades e Institutos Federais. Mais q isto sr. ministro, enchemos o Brasil com esperança e oportunidade. Vocês, junto com Bolsonaro, encheram ele de fome, desesperança e de morte”. Professora de pedagogia, ela fez, nesta quinta-feira (7), uma análise dos efeitos pedagógicos, psicológicos e outros impactos do discurso do ministro para estudantes, educadores(as) e a comunidade escolar.
E comenta que o governo Bolsonaro não perde nenhuma oportunidade de atacar a educação, os educadores(as) e, sobretudo, o direito à educação pública e gratuita de qualidade. “Quando o ministro da Educação ataca a universidade pública e, principalmente, critica os governos do presidente Lula, da presidenta Dilma, do período democrático, por terem ‘enchido’ o Brasil de universidades, como ele fez uma referência e coloco aspas nessa frase terrível, ele faz do direito à educação e trata do direito e do acesso à educação como um problema para o Estado”.
Efeito pedagógico
A deputada afirma que o “símbolo pedagógico que ele faz disso é o de que as pessoas que não têm poder aquisitivo, filhos e filhas dos trabalhadores e trabalhadoras, não têm direito à universidade e que, com isso, o ministro volta a produzir a ideia muito presente na história brasileira de que a educação é para poucos e não para todos e isso é o contrário do que a Constituição determina de que a educação é um direito de todos e todas e um dever do Estado”, denuncia.
Ela alerta para o fato de que a influência desse discurso do ministro sobre a juventude e sobre a infância é terrível porque este ministro e este governo sempre trabalham com a ideia da segregação. “Foi assim também quando tratou das pessoas com deficiência, dizendo que crianças e jovens com deficiência atrapalham na sala de aula sem perceber a contribuição pedagógica, humanista, que existem na convivência de todas as pessoas”, comenta.
Toda casa tem de ter telhado bom
“Um outro aspecto da fala do ministro é que ele menciona que o alicerce da educação é a alfabetização. Chegou a dizer ‘como é que se pode construir uma casa começando pelo telhado’. Eu quero dizer ao ministro que quem faz uma casa planeja todas as suas etapas e que se não tiver telhado, para usar a expressão que ele usou, as bases, os tais alicerces que ele diz que foram construídos primeiro ficarão, diante da intempérie, propensos, rapidamente, serem destruídos. No caso da educação, todas as etapas e todas as fases da educação se complementam de forma sistêmica: a educação nas universidades é o que forma educadores e educadoras que estão na educação básica”, critica.
E complementa: “Essa dimensão cíclica do direito à educação ao longo de toda a vida, inclusive das crianças e jovens que entram no Ensino Fundamental, de chegarem a uma universidade, de terem uma formação humanista, científica, complexa para abordarem a realidade que nós vivemos é realmente oportunidades que nós devemos a toda criança e jovem brasileiros. Todo mundo tem de ter o direito a uma casa com um alicerce e um bom telhado. Todo mundo tem direito a uma Educação Básica e ao Ensino Superior e a todo o processo formativo ao longo de sua vida”.
Democrático-populares cumpriram a Constituição
Ela informa que a inclusão educacional promovida pelos governos do PT foi para cumprir o que é expresso na Constituição. “Além disso, tínhamos também outro projeto de desenvolvimento do Brasil. Vamos ser claros: a educação não pode ser um apêndice da economia, existir somente para o crescimento e o desenvolvimento econômico. A educação está relacionada ao desenvolvimento de todos os aspectos da vida, da qualidade de vida, aos aspectos humanos, econômicos, sociais, científicos, à inovação”.
Contudo, lembra que, nos governos democrático-populares, a educação foi colocada também no centro do projeto global de desenvolvimento, fazendo com que as pessoas, tendo acesso à educação, pudessem perceber as suas próprias oportunidades de estarem reconhecidas, no Brasil, como igualitárias em direitos.
“É exatamente o contrário do que o governo Bolsonaro faz. Este governo segrega pessoas com deficiência, pobres, joga as pessoas na pobreza e aí segrega, segrega negros e negras, LGBTI, mulheres. O governo Bolsonaro é o governo dos fundamentalistas econômicos, religiosos, políticos. Só o que tem valor para quem se encontra neste governo é o que eles mesmos pensam, a diversidade da sociedade e os direitos do povo brasileiros não têm lugar neste governo. Exatamente o contrário daquilo que pensamos de uma sociedade democrática, plural e que, ao mesmo tempo, em torno dos direitos, seja igualitária”, conclui a deputada.
Expansão entre 2003-15; retração entre 2019-21
Entre 2003 e 2015 a frequência à educação infantil se expandiu. Na creche (0 a 3 anos), de 14,9% para 30,4%; na pré-escola (4 a 5 anos), de 67,6% para 90,5%. A taxa líquida de matrículas no ensino fundamental (6 a 14 anos) evoluiu de 95,6% para 97,7%; no ensino médio (15 a 17 anos) evoluiu de 43,4% para 62,7%. Durante os governos do PT, o número de estudantes atendido pelo Programa Nacional de Alimentação escolar (PNAE) passou a atender a 41,3 milhões de estudantes. De 2003 a 2016, o número de crianças matriculadas em creches e pré-escolas mais do que duplicou, passando de 1.237.558 para 3.238.894.
O Atlas da Juventude, um relatório elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e divulgado em julho deste ano, mostra que o crescimento da evasão escolar no governo Bolsonaro entre jovens entre 15 e 20 anos foi de 10% em apenas 1 ano: entre julho de 2020 e julho de 2021. O estudo da FGV revela que, de 26%, no ano passado, saltou para 36%, este ano. Além de não estarem na escola, esses/as jovens estão também desempregados(as). A fundação mostrou também que o número de jovens que estão conseguindo estudar reduzir de 33% para 25%.
Ou seja, além de não investir o dinheiro público na educação, não cumprir a Constituição Federal, o governo Bolsonaro ainda distribui obstáculos para impedir as crianças e jovens da classe trabalhadora estudarem. O levantamento da FGV ainda mostra ainda que, quando observado o corte de gênero, verifica-se que quatro a cada 10 homens largaram os estudos para trabalhar e, entre as mulheres, duas em cada 10 abandonaram as aulas para cuidar de familiares, filhos ou por causa de gestação.
Enem 2020 e 2021 mostram o elevado índice de evasão escolar
A prova da política de exclusão educacional do governo Bolsonaro e do ministro fundamentalista da Educação é a demolição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021. Em julho deste ano, o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) confirmou que pouco mais de 3,1 milhões estudantes estavam inscritos no exame, o menor número de inscritos desde 2005.
Além da evasão escolar intensa, ministro Milton Ribeiro, do governo Bolsonaro, colocou um empecilho para causar ainda mais evasão e impedir estudantes de fazerem o Enem: eliminou a isenção a taxa de inscrição dos estudantes que não participaram do Enem 2020. E mesmo com a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de mandar o governo Bolsonaro reabrir o prazo de inscrição com a garantia da isenção desse pagamento, o número de inscritos continuou nivelado ao ano de 2005. Uma pesquisa do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve) mostrou que oito em cada 10 jovens não prestaram a prova do Enem 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus e que 45% não pretendem fazer neste ano por causa da falta de isenção do pagamento da taxa.
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), divulgada em setembro de 2020, dá conta de que o investimento em ensino público de qualidade como forma de beneficiar a sociedade é uma iniciativa que dá frutos. O estudo foi realizado por pesquisadores da USP, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e destacou que as verbas aplicadas na formação de estudantes de graduação das três instituições retornam na forma de produtividade profissional, com valor 14,5% maior.
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