Surto de covid nas escolas públicas aumenta o número de professores e estudantes contaminados

O aumento da taxa de transmissão do novo coronavírus no Distrito Federal já indica, desde a semana passada, que a capital do País começou a enfrentar a quarta onda da pandemia da covid-19. O número de professores, estudantes e trabalhadores técnico-administrativos contaminados nas escolas públicas e privadas demonstra haver um surto um dos principais termômetros de que a população está doente.

 Há mais de 10 dias o Sinpro-DF  recebe, quase que diariamente, pedidos de orientação sobre o que fazer com escolas que estão vivendo o novo surto de covid-19 e outras doenças respiratórias. No entendimento da diretoria colegiada, essa nova onda já era esperada por causa da histórica irresponsabilidade e desrespeito à vida dos governos Bolsonaro e Ibaneis que editaram decretos retirando o caráter emergencial da situação e eliminando todas as medidas de contenção do vírus, como distanciamento social, uso de máscaras e de álcool 70% e, sobretudo, a vacinação em massa.

Na semana passada, a mãe de uma estudante de uma escola particular da capital denunciou na mídia e reclamou que, em uma turma de Ensino Médio, há 12 casos suspeitos — 10 estudantes e dois professores teriam sido diagnosticados com a doença — sem suspensão das aulas. A denúncia saiu na imprensa. No entanto, muito antes disso, o Sinpro-DF começou a receber pedidos de orientação para conter o surto de contaminação nas escolas públicas.

Enquanto a covid-19 se espalha com rapidez entre crianças e adolescentes nas salas de aula superlotadas da rede pública de ensino, o governo Ibaneis Rocha (MDB) vai à mídia propagandear a “construção” de “novas duzentas” salas de aulas. O Sinpro tem cobrado do governo a construção de novas escolas em razão do crescente aumento do número de estudantes na rede.

O fato é que duzentas salas de aulas não resolvem o problema da demanda e muito menos evita a quarta onda da covid porque até mesmo as novas duzentas salas de aula já estão esgotadas e superlotadas. O resultado disso, todo mundo já sabe: haverá aumento de casos graves e de mortes em pouco tempo. A tragédia está anunciada há tempos. A taxa de transmissibilidade no Distrito Federal chegou a 1,44 na sexta-feira (27/5).

A diretoria do sindicato defende a urgente a continuidade das campanhas de vacinação de todas as idades, mas, sobretudo a imunização com a terceira dose de adolescentes entre 12 e 17 anos. Também defende o investimento do Governo do Distrito Federal (GDF) na vacinação das crianças o mais rápido possível. Para os(as) adolescentes quem já tomaram as duas primeiras, é importante a terceira. E também cobra do governo a deflagração de nova campanha de imunização, com todas as doses, para quem ainda não se vacinou. 

 

Quarta onda e subnotificação

Jonas Brant, professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Sala de Situação de Saúde da universidade, disse ao Sinpro-DF que não existe um número “normal” para essa taxa de transmissibilidade. Ele informa que “o ideal é que esteja abaixo de 1 para ir diminuindo a epidemia, mas esse número pode chegar a 2 ou 3 se não houver medida nenhuma para conter”, afirma.

O professor diz que o Distrito Federal e o Brasil estão entrando numa nova onda de covid-19 e que, no caso do DF, já é a quarta onda. “Os casos têm crescido numa maneira bastante rápida e, ao mesmo tempo, com um padrão de casos leves. Não temos visto aumento de internações e número de óbitos. É importante a gente destacar essa mudança no padrão de ocorrência dessa doença, o que tem feito com que alguns gestores não adotem medidas de enfrentamento com o argumento de que isso não está gerando sobrecarga na rede assistencial, mas devemos manter as medidas para diminuir ao máximo a transmissão desse vírus”, diz o professor.

Graças à vacina, há, hoje, um número infinitamente menor de casos graves e de mortes. No entanto, Brant avisa que, com esse novo o aumento de número de casos, como já começou a ocorrer no Distrito Federal, a tendência é aumentar o número de casos graves e mortes, principalmente no grupo de risco que já é conhecido para a covid, como é o caso das pessoas com asma e demais imunosuprimidas.

“Um dos problemas desta quarta onda de covid-19 no Distrito Federal é a baixa testagem pelos sistemas de vigilância por causa dos testes de farmácia e do fato de as pessoas com sintomas leves não buscarem o atendimento hospitalar. Isso faz com que o sistema de público acabe registrando baixa notificação e fica sem conhecer o quadro de contaminação atual. “Com isso, nós tendemos a enxergar uma parte menor do que está acontecendo na realidade. Essa é uma preocupação que os gestores  devem levar em consideração, ou seja, o número de casos que estão ocorrendo na comunidade em relação ao número que estamos contabilizando, provavelmente é muito maior, porque temos um grande número de casos de assintomáticos, um grande número de casos leves, além dessa barreira de acesso a esses dados que nós já temos historicamente no nosso sistema de saúde”, afirma Brant.

Ele diz que para as escolas, de maneira geral, há um grande desafio posto. “É um grupo que recebeu menos doses de vacina, principalmente as escolas para crianças menores. Temos aí uma hipótese, ainda em investigação, de que a hepatite de origem desconhecida tem uma relação com a infecção prévia pela covid, então, as crianças devem ser vacinadas. Isso deve ser um foco de atenção das escolas para que o máximo de crianças seja vacinado. Ao mesmo tempo temos outro desafio que é o de garantir que esses espaços com grande adensamento de pessoas não sejam espaços de espalhamento do vírus. Que o vírus não encontre nesses ambientes uma forma de se disseminar, chegando a atingir grupos de risco ou mesmo grupos de jovens que ainda não estejam vacinados”, alerta.

Temos um cenário, no Distrito Federal principalmente, mas no Brasil como um todo, de escolas que optaram por construir planos de contingência, se organizando e definindo turnos para notificação e vigilância e orientações aos pais, e de escolas que optaram por deixar essa responsabilidade para o sistema de saúde que não fez, basicamente, nada do ponto de vista de saúde pública dentro da escola. E isso me parece que vai ser cobrado agora, na quarta onda da covid-19 no DF. Ou seja, as escolas que conseguiram incorporar, dentro de suas cortinas, processos de trabalho para garantir a vigilância de casos suspeitos,a comunicação com familiares e com a comunidade que freqüenta a escola e as medidas de biossegurança dentro da unidade escolar, vai ter condições de enfrentar este momento de uma maneira mais tranqüila.

Para o professor, não há necessidade, a princípio, de suspender as atividades escolares. “Nós já aprendemos muito com este vírus. Temos, hoje, condições de organizar as escolas e os ambientes de trabalho para que eles não sofram o impacto direto dessa transmissão ou de outras doenças. As escolas que se organizaram, terão condições de manter as suas atividades operacionais por muito mais tempo do que uma escola que não se organizou porque nessas escolas sem organização é provável que tenha surtos de muito maior magnitude e aí se justifica a suspensão das atividades escolares ou pelo menos de parte da escola”, observa.

 

Os fatores que contribuem com o aumento da transmissão

Joana  D’arc Gonçalves da Silva, médica infectologista da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) e da rede privada, disse ao Sinpro-DF que existem fatores, atualmente, que podem contribuir para o aumento do número de casos de covid-19 e de síndromes respiratórias agudas. “Por exemplo, a gente sabe que nos meses de inverno, as pessoas ficam mais juntas, em ambientes fechados, e isso predispõe para o aumento de doenças infecciosas e de transmissão respiratória, como é o caso do SARS-Cov-2, de Influenza, Sincicial Respiratória e outros vírus que circulam durante este período de forma mais intensa”, alerta.

Além disso, ela diz que se sabe que existe um percentual da população que ainda não se imunizou contra a covid-19. “Temos aí, aproximadamente, 80% da população do Distrito Federal vacinada. Mas, aí, tem ainda esse bolsão de 20% não vacinado com a segunda dose e ainda temos os que não fizeram o reforço. Há, ainda, um acúmulo de pessoas, que são os imunossuprimidos, que, para desenvolvimento da resposta inflamatória precisa da imunidade e nem sempre eles acabam adquirindo a quantidade de anticorpos suficientes para serem protegidos”.

Joana observa que, mesmo com as vacinas, com o tempo, os anticorpos vão caindo. “A gente tem visto que as vacinas ou mesmo a própria doença dita uma imunidade transitória, além das novas variantes que acabam escapando também do sistema imunológico, produzindo infecção e as pessoas também transmitindo. Todos esses fatores juntos fazem com que a gente tenha aí um aumento no número de casos.

Segundo a médica, “a análise do comportamento do vírus que vai nos auxiliar na predição e na previsão de como vai ser a pandemia nos próximos anos, mas o vírus da covid-19 tem driblado as expectativas e muitas informações não foram como a gente pensou que seria. O comportamento viral tem dificultado aí a previsão em relação às ondas. No Distrito Federal não é diferente.  A gente, além de tudo isso, teve a reabertura dos serviços de forma concomitante, com diminuição de todas as restrições, do uso de máscara, e isso tudo, com certeza, vai nos levar a novas ondas, novos aumentos, e a gente vai ter de ficar preparada para conviver com o vírus, mas tentar também driblar a questão da gravidade, de hospitalizações para que a população não adoeça e morra em massa”.

 

Novo surto e as recomendações para as escolas

“Não é somente o uso da máscara que vai conter a transmissão.  É por isso que, num ambiente de um cenário de ambiente escolar, é importante que a escola adote alguns temas que ofereça uma cortina estratégica para isso, que são, principalmente, a vigilância participativa – ou seja, o engajamento da comunidade para que os casos sejam notificados e a escola possa tomar atitudes para evitar novas contaminações”, orienta Jonas Brant.

Neste momento, é preciso levar em consideração as variáveis relacionadas ao inverno e ao comportamento do governo, bem como às novas variantes de covid-19 que escapam da vacina e da imunização provocada pela doença. Com isso, esperamos sim novos surtos, aumento de casos.

“O canal endêmico ainda não foi construído, ou seja, a gente ainda não tem os detalhes exatos do comportamento viral. Isso é para o futuro. Mas, o que a gente espera é que sim, que a tente vai ter, dependendo do comportamento da população, dependendo das festas, dos shows, do grau de exposição da população, a gente vai ter para mais ou para menos o aumento do número de casos”, alerta a médica Joana D’arc.

Ela observa que o decreto desobriga o uso de algumas ferramentas, mas não existe uma proibição e que na maioria das vezes, nas instituições trabalha com manuais de boas práticas. E, assim, a partir do momento que temos um aumento significativo do número de casos, a instituição é autônoma para tomar decisões de acordo com as recomendações técnicas que estão nos manuais.

As recomendações técnicas para contenção de surtos exigem a utilização de algumas ferramentas farmacológicas. Exige ter a disponibilidade do insumo para se ter o rastreio. A escola pode recomendar sim manter o distanciamento e o uso de máscara. A escola pode adotar novamente todas as recomendações que já foram as diretrizes traçadas para o sistema educacional.

“Mesmo que tenha, como temos hoje, uma série de doenças infecciosas sem uma legislação que determine como deva ser o comportamento da população, existem as recomendações técnicas e, com isso, as escolas podem adotá-las, verificando o que é possível fazer para minimizar a infecção generalizada. O gestor tem uma série de manuais e diretrizes para nortear as ações. Dependendo do número de casos na escola, é importante a vigilância epidemiológica juntamente com o governo devem tomar uma decisão mais radical e avaliar a necessidade de obrigatoriedade de algumas ações”, finaliza Joana.