“Somos uma pátria escrava do rentismo”, afirma deputado constituinte Hermes Zaneti

2022 05 27 zaneti

A dívida pública da União é de mais de R$ 7,3 trilhões sendo que, deste montante, R$ 1,5 trilhão referem-se a títulos em carteira do Banco Central para executar a política monetária – compra e venda de moeda para assegurar a taxa de juros em patamar próximo ao definido pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Uma conta monstruosa que se alimenta com juros.

Deputado federal constituinte, Hermes Zaneti denunciou, no livro O Complô, o que chama de “sequestro da economia brasileira”. Na obra, o autor defende que a política econômica pelo Executivo esconde uma manobra para favorecer as elites financeiras, às custas do sacrifício da população, que convive com a falta de investimentos em saúde, educação, além de carestia e baixos salários.

Para que o grande público entenda a quem interessa o endividamento, integrantes de movimentos sindicais tomaram a iniciativa de transformar o livro em filme. Dirigido pelo cineasta Luiz Alberto Cassol, com produção da Filmes de Junho e coprodução da Abravídeo, o curta-metragem O Complô vai abordar o sistema financeiro nacional e seus impactos na vida dos brasileiros.

Para expor os efeitos que esse déficit causa na sociedade, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) conversou com Hermes Zaneti. Confira:

CNTE – Muitas vezes, as pessoas têm dificuldades em entender o “economês”, por isso é sempre importante fazer algumas traduções. Qual o impacto na vida das pessoas, no dia a dia, dessas manobras realizadas pela elite financeira e denunciadas no livro/filme?

Hermes Zaneti – A dívida é um tabu. O povo paga a conta sem saber que está pagando. E como é que o povo paga a conta? Nós vivemos um sistema tributário regressivo, ou seja, paga mais imposto quem ganha menos no Brasil. As grandes fortunas estão isentas do pagamento de impostos. Então quando uma dona de casa está preparando almoço com arroz e feijão está, neste ato, pagando dívida pública. Por quê? Porque a União paga a dívida pública com a arrecadação que faz dos impostos. E aí entra uma questão séria: quanto mais alta a inflação – como os tributos recaem sobre o preço das mercadorias -, mais o governo arrecada. Então quanto mais a dona de casa paga pelo arroz e pelo feijão de cada dia, mais o governo arrecada para pagar dívida pública também. O povo costuma pensar assim: “a dívida pública é um problema do governo.” Não é verdade. A dívida pública é um problema nosso. É um problema de cada dia. E, no Brasil, em que a carga tributária é muito alta, uma das razões é porque o governo arrecada quase a metade em impostos no pagamento de juros e encargos da dívida pública. Nós vivemos um momento muito grave, onde os juros altos provocaram o fato de que 64% das famílias brasileiras estejam inadimplentes. O país vive com praticamente trinta milhões de pessoas desempregadas, subempregadas ou desiludidas. Tudo isso porque o sistema produtivo brasileiro está a serviço do sistema financeiro. Nós somos uma pátria escrava do rentismo onde 1% famílias brasileiras são beneficiárias do esforço nacional. E é por isso que nós, em 1988, fizemos uma Constituição que seria um projeto para o Brasil. Constituição que tem sido agredida ao longo dos anos. O Brasil não tem mais, a rigor, um projeto para o Brasil; mas o mundo tem um projeto para o Brasil, que prevê a exportação do estômago e do coração: o coração pelos minérios que alimentam a indústria do mundo e que o Brasil recompra a preços absurdos; e o estômago é exportando o resultado do trabalho do agronegócio colocando na mesa do mundo o falta na mesa do povo brasileiro.

 

CNTE – Quais ações precisam ser implementadas de imediato para estancar o agravamento dessa situação e, futuramente, promover o devido ajuste na relacão entre sistema financeiro e dívida publica?

Hermes Zaneti – A grande tarefa que a CNTE tem desenvolvido relaciona-se ao fato de os professores poderem discorrer, em sala de aula, sobre a politização da educação. Não é partidarizar, é politizar, levar a mensagem aos alunos em sala de aula. A discussão do orçamento da União, por exemplo. Quem estamos pagando? Por que estamos pagando? Onde foram os R$ 7,3 trilhões? Se de 1988, quando fizemos uma Constituição que era a baliza para uma sociedade mais igualitária, mais justa, o número de favelas mais do que dobrou no Brasil, quem é o beneficiário desses R$ 7,3 trilhões? Essa discussão precisa chegar às salas de aula, precisa conscientizar, através da escola, os alunos e os pais dos alunos, o povo brasileiro. Essa conscientização nos levará ao passo seguinte que é uma grande oportunidade que nós estamos tendo em 2022: constituir um poder político capaz de representar os interesses do povo que paga a conta. O que ocorre hoje? Nós vivemos a ameaça à democracia. Eu tenho feito uma reflexão e me pergunto por que morrem as democracias? E as democracias morrem porque não entregam o que prometem, e isso ocorre porque os operadores da democracia que o povo elege para defender os seus interesses se colocam a serviço de uma elite especialmente rentista. Então, essa é a primeira tarefa. Nós temos a oportunidade democrática de o povo decidir quem realmente vai defender os seus interesses. Esta é a grande questão e esse é o grande desafio.

 

CNTE – Qual o significado de ver sua obra ser instrumento para a inspiração de um filme, em termos de provocação de debates na sociedade?

Hermes Zaneti – A transformação do livro “O Complô” em filme é, para mim, um motivo de satisfação pessoal. Mas, mais do que tudo, no dia 12 de maio transcorreram trinta e cinco anos do primeiro grande embate na constituinte, onde eu defendi a aprovação do projeto de decisão constitucional, que era um exame analítico e pericial dos atos e fatos constitutivos da dívida pública. Até hoje isso não foi revisado, não foi analisado, não foi esclarecido. A dívida pública é uma caixa preta: o povo que paga a conta não sabe que está pagando e não sabe para quem foram destinados esses recursos. Então a minha alegria, a essa altura da vida, com setenta e oito anos de idade, é olhar para trás e ver uma luta de trinta e cinco anos começando a ser reconhecida nos debates, nas lives e agora, com o filme. A inspiração do filme tem como objetivo ajudar na conscientização do povo. É oportuno, necessário e decisivo que o povo tome consciência que está pagando uma conta que não é sua, conta que já está paga, abrir essa caixa preta, mostrar aos aos cidadãos como um todo que o Brasil é capaz de reagir a esse esmagamento a que está sendo submetido e é capaz de reverter esse quadro, construir como o Brasil tem o direito de fazer uma nação livre, democrática justa, independente, onde o povo que paga a conta seja beneficiário. Veja bem, nós vivemos um período de teto de gastos. O único fura-teto é o custo da dívida. Ou seja, educação, saúde, transporte, enfim, tudo aquilo que se destinaria ao bem-estar do povo tem limite no teto de gastos de imposto pelo Congresso Nacional, que deveria representar o povo. É preciso que essa realidade se rompa. Para finalizar, é preciso dizer que os R$ 7,3 trilhões da dívida pública de hoje são uma conta que o povo paga e que não teve nenhum benefício com esses recursos.

A expectativa dos produtores é que o curta amplie o alcance do livro, explique ao grande público o labirinto escuso da constituição da dívida pública e provoque os necessários debates. “Quiçá, a obra incite a apuração das denúncias, puna os culpados e recupere os recursos pagos ao sistema financeiro de forma abusiva”, afirmam.

Interessados podem colaborar doando qualquer valor via PIX () ou pela plataforma Valeu Art (https://valeu.art/project/o-complo/). Os doadores receberão como recompensa o e-book do livro ‘O Complô’ e terão o nome inserido nos créditos finais do filme, na lista de incentivadores.

Fonte: CNTE