Sinpro exige aprovação do relatório da CPI do Feminicídio

A apreciação definitiva do relatório da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Feminicídio, da Câmara Legislativa do DF, está prevista para esta segunda-feira, 10 de maio. O relator do texto, deputado Fábio Felix (Psol), apresentou a versão preliminar do documento no último dia 5 de maio. Constituído por 251 páginas, o texto aponta que muitas mortes poderiam ter sido evitadas não fosse a condição de um Estado que demonstra desprezo por políticas públicas e pela vida das mulheres.

“Não dá pra falar em desastre, pois desastre tem caráter de algo inesperado, que não foi construído pra ser. Os assassinatos de mulheres pelo fato de serem mulheres são, majoritariamente, resultado de um Estado omisso, estruturado no machismo, no sexismo, no racismo. O relatório da CPI do Feminicídio aponta amplas recomendações tanto para o Poder Executivo, como para o Legislativo e o Judiciário. Isso mostra a precariedade ou mesmo a ausência total de políticas públicas que visem ao combate ao feminicídio”, avalia a diretora da pasta de Mulheres do Sinpro-DF Vilmara do Carmo.

A sindicalista lembra que em 2019, ano em que foram registrados 34 casos de feminicídio no DF, o maior da história, a Secretaria de Políticas para as Mulheres não tinha estrutura e nem mesmo plano de ação. Como mostra o relatório da CPI do Feminicídio, a pasta só foi oficializada em agosto de 2020, “após cobrança desta Comissão Parlamentar de Inquérito e judicialização da demanda pelo Ministério Público”. Ainda de acordo com o relatório, Nota Técnica elaborada pela Procuradoria Distrital dos Direitos do Cidadão mostra que o ano de 2019 também foi o de menor execução orçamentária para as ações voltadas à Casa da Mulher Brasileira e a manutenção das unidades 241 de atendimento à vítima e ao agressor, desde 2016, quando iniciado o monitoramento das ações.

Para Vilmara do Carmo, deve ser tarefa de todas e de todos pressionar para que o relatório da CPI do Feminicídio seja aprovado e para que todas as suas recomendações sejam cumpridas, pois “nenhuma mulher está totalmente blindada contra o feminicídio”. Ela recorda que em janeiro deste ano, a professora do DF Marley de Barcelos Dias, de 54 anos, foi mais uma vítima de feminicídio. A professora já havia denunciado o ex-companheiro, autor do assassinato, na Lei Maria da Penha por duas vezes e estava sob medida protetiva. 

“Professoras, médicas, juízas, garis, secretárias, todas nós, somos vítimas em potencial do feminicídio. E é por isso que o Sinpro-DF exige que o relatório da CPI do Feminicídio seja aprovado e todas as suas recomendações cumpridas. A luta do nosso Sindicato vai muito além do corporativismo. Sempre estivemos inseridos nas principais lutas da sociedade do DF. E a luta do enfrentamento à violência contra a mulher, a luta pelo direito das mulheres, é uma luta que o nosso Sindicato sempre esteve aguerrido”, dialoga a dirigente sindical.

Para ser aprovado, o relatório da CPI do Feminicídio precisa do voto favorável de três dos cinco componentes da Comissão, composta pelos deputados Cláudio Abrantes (presidente), Fábio Felix (relator) e Eduardo Pedrosa (membro), e pelas deputadas Arlete Sampaio (vice-presidenta) e Julia Lucy (membro). Se aprovado, o documento será publicado no Diário da Câmara Legislativa e encaminhado à Mesa Diretora, ao Ministério Público, ao Poder Executivo, à comissão permanente que tenha maior pertinência com a matéria, ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e à Polícia Civil do Distrito Federal, como prevê o Regimento Interno da CLDF. 

 

Dados do relatório

Durante 11 meses de funcionamento, a CPI do Feminicídio analisou 90 processos sobre feminicídio, 74 deles processados em 2019 e 2020 e o restante de anos anteriores. Dos 90 processos, 37 foram de feminicídios consumados e 53 se remeteram à tentativa do crime.  Das vítimas fatais, 48,6% tinham medidas protetivas de urgência deferidas. E do grupo de mulheres que sobreviveram, 84,9% só tiveram a medida protetiva de urgência solicitada após a tentativa de feminicídio.

Embora o “apagão de dados” sobre o perfil das vítimas, como cita o relatório da CPI do Feminicídio, a investigação constatou que quase 80% delas eram pretas ou pardas, e mais da metade das vítimas tinha entre 30 e 49 anos. Dentro dos dados que foram possíveis coletar, a maioria das vítimas de feminicídio eram donas de casa ou estavam desempregadas. De acordo com o relatório, dos 90 casos de feminicídio, em apenas um vítima e agressor não se conheciam. Em 76,6% dos casos, a vítima tinha relação de esposa/companheira ou ex-esposa/ex-companheira com o agressor.

“As vítimas dos feminicídios, em sua maioria mulheres negras assassinadas pelos seus companheiros ou ex-companheiros em contexto de violência doméstica e familiar, são também vítimas de um Estado que ainda encontra óbices para promover seus deveres de coibir e prevenir a violência de gênero e raça, nos termos dos tratados internacionais ratificados e da Lei Maria da Penha”, cita trecho do relatório da CPI do Feminicídio.

 

Ausência total do Estado

Com dados certeiros levantados durante o funcionamento da CPI do Feminicídio, a Comissão mostra a total desarticulação das atividades dos órgãos que, em tese, atuam pelo fim da violência contra a mulher. Em seu site, o relator do processo, deputado Fábio Felix, afirma que “a superação da violência de gênero requer a transversalização da temática nas políticas públicas, para atuação na prevenção e enfrentamento”. “O que vimos in loco nos serviços é que não há essa integração entre os órgãos, o que leva à revitimização de mulheres e, muitas vezes, à invisibilização da violência do gênero”, afirma.

A vice-presidenta da CPI do Feminicídio, deputada Arlete Sampaio (PT), avalia que “o papel do Estado é oferecer serviços públicos efetivos para o rompimento do ciclo da violência”, o que passa também pela valorização dos servidores e servidoras das diversas áreas. “Para superarmos a violência de gênero e raça devemos atuar em várias frentes, como na promoção de uma educação não-sexista, antirracista, na valorização dos profissionais e das profissionais da Assistência Social, dos serviços de saúde e da segurança pública”, afirma a deputada.

Entretanto, o relatório da CPI do Feminicídio comprova que, para além da inexistência do trabalho em rede das políticas públicas, da ausência de orçamento, de problemas diversos no protocolo de atendimento das vítimas e agressores, há flagrante deficiência de pessoal para atuação nos órgãos integrados ao processo de acolhimento às vítimas de feminicídio. E para os servidores que exercem as atividades, segundo o documento, há descaso total com as condições de trabalho.

Segundo o relatório, faltam profissionais especializados no centro de atendimento à mulher e delegacias, assistentes socais, psicólogos e, em todos os casos, servidores de carreira. “Em diligências realizadas no Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher – NUIAM, no Riacho Fundo, identificamos que os 236 atendimentos mencionados são ofertados integralmente por estudantes de graduação em estágio supervisionado e são interrompidos durante todo o período de férias do calendário acadêmico”, cita trecho do relatório, que indica ausência até de água em alguns locais de trabalho.

 

Pacto pela Vida de Todas as Mulheres

O relatório da CPI do Feminicídio propõe 50 medidas direcionadas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que compõem o Pacto pela Vida de Todas as Mulheres. Entre eles, de imediato, a derrubada do veto do governador Ibaneis Rocha ao Projeto de Lei nº 1.210/2020, que cria o Relatório Temático Orçamento Mulheres, de autoria da vice-presidenta da CPI do Feminicídio, deputada Arlete Sampaio. O veto inviabiliza a transparência da execução orçamentária anual das despesas públicas dirigidas às mulheres. “A derrubada do veto ao projeto aprovado nesta Casa, que tornaria visível o compromisso do GDF em termos orçamentários com a implementação de políticas públicas voltadas à garantia da vida das mulheres, é essencial para a demonstração de um compromisso efetivo com o controle social sobre tais políticas”, justifica o relatório.

Entre as proposições feitas pela Comissão, ainda está a Criação do Observatório do Feminicídio, “onde os órgãos atuem de maneira articulada e consistente para prevenir o assassinato de mulheres”, explica o relator, deputado Fábio Felix. Além disso, também é proposto a criação de projeto de lei que dispõe sobre acompanhamento e assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, após encerrado o período em casa de abrigo; a recomposição do quadro de pessoal dos Centros de Especialidades para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (CEPAVs); o estabelecimento de fluxo para atendimento continuado de saúde de mulheres vítimas de violência após atendimento pelo Instituto Médico Legal; e a regulamentação da Lei Distrital nº 6.367/2019 para implementar noções sobre a Lei Maria da Penha como conteúdo transversal curricular.

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