Sinpro-DF lança minidocumentário “O Baobá” sobre a luta contra o racismo

Evento reuniu, na noite de segunda-feira (21), no Auditório Paulo Freire do Sinpro-DF, ativistas, sindicalistas e militantes antirracismo

 

Balé, música, arte, comida típica, cultura e resistência. Essas, dentre tantas outras paixões de quem luta por justiça social na Terra, foram as palavras que resumiram a noite de segunda-feira (21), no lançamento do minidocumentário “O Baobá” no Sinpro-DF. Produzido pelas Secretarias de Raça e Sexualidade e de Imprensa e Divulgação da entidade, o documentário tem nove minutos e traz em seu conteúdo as raízes da luta antirracista no Distrito Federal e revela a importância do Baobá como símbolo de resistência, liberdade e ancestralidade dos povos africanos na África e na diáspora.

 

Além de lançar o Sinpro no mundo da sétima arte, um recurso de comunicação ainda não explorado pela entidade, o evento foi prestigiado pelo solo do violão do artista Isaac Mendes. Os sons do instrumento transbordaram nos quatro cantos da sede do sindicato no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). Seu canto, sua voz e a musicalidade negra reforçaram o sentido da resistência e da brasilidade na consciência de quem ali esteve para o espetáculo. “Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”. Os versos da música “Sujeito de sorte”, de Belchior, inspiraram a todos e todas, que se uniram em um coral e, por meio do canto, compartilharam dos sentimentos daqueles que clamam por justiça econômica e social e igualdade racial e de gênero no mundo.

 

A dança, o balé e a expressão corporal, atividades artísticas de grande força cultural entre os povos africanos, foi um dos auges do evento. O bailarino e coreógrafo angolano, Dilo Paulo, que participou da abertura do Fantástico em 2021, programa de reportagens da Rede Globo, abrilhantou a noite. Ele honrou suas raízes e cultura com um balé que emocionou a todos e todas. Foi difícil não encher os olhos de lágrimas ao acompanhar cada passo da dança do bailarino. Inspirado na cultura ancestral, Dilo fez uma apresentação eletrizante, cujos passos e gestos deixavam transparecer uma emoção pura, como que advinda da alma. Essa sensação estava impressa em todas as formas e movimentos do seu corpo negro.

 

Indagado sobre como nasceu a sua paixão pela dança, Dilo contou um pouco sobre sua história. “Essa paixão pela dança surgiu na oportunidade de poder falar sobre a minha vida, contar a minha história e, também, sobre o futuro. Aos 12 anos decidi começar a dançar e, aos 13, criei meu próprio grupo de dança, como uma maneira de me comunicar e de incentivar outras pessoas a correrem atrás de seus sonhos”.

 

A dança também é um símbolo de resistência e de luta dos pretos e das pretas. Carregada de significados religiosos e culturais, os movimentos do balé africano são fortes adjutores no antirracismo. Dilo Paulo acredita que por meio da sua arte pode contribuir no resgate da cultura negra e no entendimento da formação cultural da sociedade.

 

“Não tem como falar sobre o movimento antirracista se a gente não tiver corpos negros em movimento, não tiver corpos que entendam, realmente, a nossa origem porque existem muitas histórias dentro do nosso corpo que outros não conseguirão contar. Por isso que precisamos, cada vez mais, motivar outras pessoas a conhecerem nossa história, a começar a se mover porque toda essa dança já está dentro do nosso DNA”, afirmou.

 

A arte culinária africana também marcou presença no evento e não deixou nada para trás. O chefe de cozinha togolês Rashid Akilade deu à noite cheiros e sabores ainda mais especiais. Ele transportou os convidados e as convidadas ao continente africano por meio de cardápio tradicional, inteiramente africano, servido com banana da terra madura frita, chips de banana, Tempus Suya e Akará e vários tipos de sucos de frutas tropicais e de época.

 

Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial

 

O lançamento de “O Baobá” foi planejado para ocorrer no dia 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória da tragédia ocorrida na África do Sul, em 21 de março de 1960, quando 20 mil negros, que marchavam, pacificamente, numa manifestação de rua em defesa do seu direito de ir e vir, foram duramente atacados e massacrados pelo Exército racista sul-africano. No protesto, as tropas do Exército atiraram contra a multidão, matando 69 pessoas e ferindo, gravemente, outras 186. O episódio está registrado na história do mundo como o Massacre de Sharperville.

 

Os baobás e a resistência à opressão no Distrito Federal

Nesse contexto de séculos de luta contra tanta opressão, agressão e racismo, os baobás entram em cena como símbolo de ancestralidade, de luta pela liberdade e de resistência da população negra do Brasil. Dentre as muitas representações que cercam a existência dessa árvore, ela carrega um legado do passado de extrema violência contra o povo preto.

 

A capital federal abriga mais de 80 baobás. O professor André Lúcio Bento, especialista em cultura afro-brasileira e africana e doutor em linguística, mapeou e identificou essas arvores com o intuito de resgatar o seu significado e tradição. De extrema riqueza natural, a árvore tem grande importância para a cultura negra, tanto que escravos trouxeram sementes de baobá escondidas nos navios negreiros e as cultivaram no Brasil. No evento de segunda-feira, o professor ficou emocionado. Ele confessou estar impressionado com a dimensão que o seu projeto ganhou no evento do Sinpro-DF.

 

“Estou vivendo a fase mais importante para mim, que é a de levar os estudantes e as estudantes até os baobás, conversar com eles e elas aos pés da arvore e falar sobre a importância e relevância social e cultural dos baobás. Essa arvore, tão importante para os povos africanos, é símbolo de independência e ilustra os momentos tristes e felizes desses povos. Não estamos falando de qualquer coisa. Realmente, sinto-me tão honrado em ter começado sem nenhuma pretensão tudo isso”.

 

O minidocumentário do Sinpro

 

O minidocumentário é ambientado na Chácara do Sinpro. Produzido pelas Secretarias de Raça e Sexualidade e de Imprensa e Divulgação, retrata o plantio de baobás na chácara e a criação, em novembro de 2021, do Recanto dos Baobás. O local é uma homenagem às mulheres negras brasileiras que protagonizaram a luta antirracista.

 

Em seu discurso, durante o evento, Márcia Gilda Moreira Cosme, professora, militante e coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do Sinpro, afirmou e convidou a todos e todas a participarem da construção e materialização do sonho de uma educação pública, gratuita, laica, antirracistsa, democrática, socialmente referenciada que respeita e agrega a todas e todos. Ela criticou a história contada nos livros e convidou a todos e todas a construírem uma nova história, livre da opressão patriarcal e da manipulação neoliberal.

 

“De fato, que possamos construir uma escola de todos, todas e todes. Que ela seja um espaço de acolhimento, de constituição plena de cada criança, adolescente e jovem. Não queremos mais que os e as estudantes se sintam envergonhados quando abrem um livro de história e só veem um passado de escravidão. Queremos contar a nossa história de resistência. Por isso, precisamos ocupar nossos espaços nas escolas e ensinar a professores e professoras a trabalhar com a história afro-brasileira porque, sem o pertencimento racial, não há combate ao racismo,” afirmou.

 

Marcia Gilda destacou o plantio de baobás na Chácara do Sinpro e a produção do minidocumentário como uma ação simbólica e profundamente significativa que consolida a ação do Sinpro contra qualquer tipo de racismo e injustiça social decorrente desse tipo de preconceito, criado pela sociedade capitalista liberal e pelo patriarcado. “Os baobás não estão apenas enfeitando o espaço na chácara, mas sim ofertando mais um espaço educativo. Vai ser um local em que realizaremos eventos educativos e convidaremos as escolas para falar sobre a nossa história”, prometeu.

 

Participações, consciência e luta antirracista

 

A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) participou do evento e enalteceu a representatividade da obra e a importância da produção do minidocumentário. “Momento de gratidão pelo filme, pelo Baobá. Momento de gratidão a tudo isso que está acontecendo e pela entidade que se coloca na defesa da educação de representação de educadores e educadoras. Só a educação tem a capacidade de libertar!”

 

Kokay explicou que o baobá é um dos alicerces das culturas africanas e que, além de testemunhar o passar do tempo, essas árvores são cercadas de um significado cultural, ligado sempre à ancestralidade. Num paralelismo com os baobás, a educação também é instrumento de conhecimento, repassado de geração em geração. Educação e baobás são instrumentos da resistência e um exemplo de um povo que luta pelo direito de ter sua própria cultura e pela sua liberdade.

 

A professora e ativista Neide Rafael também discursou e destacou o papel da educação, assim como o do baobá, na construção de uma sociedade mais justa. Ela disse que ambas são pilares fortes na construção de uma sociedade resistente e livre. “Como baobá, o meu trabalho sempre foi de imanência e permanecia da ancestralidade. Nunca se fala de baobá sem perpetuar a ancestralidade, aquilo que gera, o que congrega, o que emana para todos”.

 

O baobá e a educação

 

A conquista de marcos regulatórios na educação reafirma a luta do povo negro na constante busca por direitos e dignidade. O documentário “O Baobá” contribui para o resgate da memória de luta e da situação de desigualdade histórica vivenciada pelo povo preto.  Rosilene Corrêa, diretora do Sinpro-DF, ressalta que este momento não deve ser apenas um momento, mas uma luta contínua que deve ser inserta e repercutida nas salas de aulas. “A escola e a educação é a porta para tudo. A educação pode de fato mudar a vida das pessoas”, afirmou.

 

De acordo com a diretora, cerca de 57% da população do Distrito Federal é negra e, 63% dela, se encontra na periferia. “Agora, neste exato momento, certamente, de alguma forma, tem uma jovem ou um jovem negro sendo assassinado. Essa discriminação toda e este modelo neoliberal e patriarcal de Estado que temos no Brasil só aprofunda essa desigualdade. Cabe a nós provocarmos essa mudança e agirmos pra termos, de fato, uma sociedade em que não temos de conviver com isto”, conclamou.

 

O canto da resistência e da liberdade

 

“Ô meu pai quilombo / eu também sou quilombola / a nossa luta é todo dia / é toda hora”. Esses são os versos do cântico entoado no Auditório Paulo Freire. É o canto que ecoa por todo o Brasil pelo povo que clama por liberdade e igualdade, pelo povo que grita: “Racistas não passarão!” O canto em defesa do povo preto que sofre todos os dias com a opressão do governo Bolsonaro.

 

A diretoria colegiada do Sinpro-DF fortalece a luta antirracista e afirma que é preciso resistência para sobreviver neste cenário de aumento da fome e da violência contra o povo brasileiro: é preciso resistência para acreditar e sonhar que teremos um futuro livre de amarras racistas e preconceituosas.

 

O evento também contou com a participação de ativistas, como a professora Neide Rafael, Ruth Venceremos, a Deputada Federal Erika Kokay, além de representantes de movimentos negros do Distrito Federal. Seguimos na luta pela liberdade e pelo fim da opressão. Com determinação nos erguemos como baobás: fortes e resistentes.

 

Com edição de Carla Lisboa

 

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