Sindicalismo deve enfrentar capital globalizado com cooperação em escala mundial

Dirigentes da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT) cumprem agenda esta semana no Brasil para debater questões comuns entre as conjunturas vividas por trabalhadores de ambos os países e estabelecer estratégias de cooperação. Eles se encontraram com o ministro do Trabalho, Manoel Dias, na terça-feira (3), e na tarde de ontem (6) tiveram uma reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o secretário-geral da organização francesa, Laurent Berger, existem semelhanças e diferenças entre as situações dos trabalhadores nos dois países. “Aqui (no Brasil) há um desemprego de 7%, e na França, somente no território metropolitano, ultrapassa 10%. Mas, tirando isso, a situação dos trabalhadores é muito difícil em ambos”, constatou. Além de Berger, os dirigentes Yvan Ricordeau, Bladine Landas, Mariano Fandos e Frédérique Lellouche também vieram ao país.
Se, no momento, a conjuntura na Europa, de modo geral, é mais grave do que no Brasil, o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa, vê motivos para preocupação num horizonte próximo. Segundo ele, “não podemos achar que o Brasil é uma ilha e não vai sofrer os efeitos dessa crise”.
Nesse contexto, o entendimento é de que o sindicalismo necessita cada vez mais da cooperação em âmbito global. “Se o capital é globalizado e produz em cadeia mundial, não há outro caminho senão a organização em cadeia, ou em rede, por parte dos trabalhadores também. É uma necessidade que os trabalhadores enfrentem o capital internacional por meio das entidades sindicais em cooperação”, avalia Lisboa.
A relação entre CFDT e CUT é estreita e antiga. A instituição francesa foi uma das centrais que estiveram no congresso de fundação da CUT, em 1983. Antonio Lisboa diz que os planos são de retomar projetos de “cooperação triangular” ou “cooperação cruzada”, especialmente em países africanos. Mas também existe a possibilidade de se desenvolverem projetos de cooperação entre CUT e CFDT em países da América Latina.
A viagem da comitiva francesa ao Brasil, segundo o secretário-geral da CFDT, foi dividida em “três tempos”. O próprio encontro com a CUT, “que foi nosso encontro mais importante”, e também uma reunião com a Confederação Sindical das Américas (CSA). Os encontros se destinaram objetivamente a discutir cooperação sindical.
Os dirigentes da CFDT também se reuniram no Brasil com trabalhadores de empresas francesas instaladas no país, com destaque para o Carrefour. “Encontramos ontem duas militantes da CUT na rede Carrefour e falamos de liberdade sindical, o que nos interessa muito, para ter argumentos quando falarmos com a direção do Carrefour na França. Queremos dizer que encontramos duas militantes que falaram dos problemas aqui, inclusive de repressão”, contou Laurent Berger.
O “terceiro tempo” foi marcado por encontros com “atores da sociedade civil”, entre os quais uma associação de favela do Rio de Janeiro e, em São Paulo, com militantes do Movimento Passe Livre (MPL).
Está prevista para abril uma reunião de trabalho entre a CUT e a CFDT para definir os projetos de cooperação que as duas entidades pretendem consolidar.

Crise

Para o dirigente da CUT, se o Brasil atravessou o período agudo da crise financeira internacional, iniciado em 2008, de maneira satisfatória, por outro lado o modelo de incentivo ao mercado interno já começa a se esgotar e, junto a isso, há um processo evidente de desindustrialização do país, agravado com o movimento dos preços das commodities em queda. “A situação é difícil. Ainda temos um nível de desemprego muito baixo, mas se não houver mudanças ou aceleração nos processos de produção econômica do Brasil, o desemprego vai aumentar. Existe um risco muito grande de em 2015 cair o índice de emprego, especialmente na indústria.”
Na opinião do dirigente da CUT, a crise atual “talvez seja mais grave do que a de 1929, que era uma crise de superprodução”. “Em 1929 o capital produzia, e chegou um momento em que não tinha quem consumisse. Esta, agora, é uma crise da especulação, do capital financeiro.”
Lisboa entende que as medidas que o governo adotou de reajuste fiscal não ajudam. “É um modelo ortodoxo implantado na Europa que só gerou mais pobreza e desemprego.”
A saída? Sem uma reforma tributária, com a introdução da taxação de grandes fortunas e outras medidas para tornar o sistema mais justo, é muito difícil encontrar um caminho. “Se é para ajustar, então vamos cobrar de quem de fato tem a pagar”, afirma Lisboa.
Ele reconhece a dificuldade, para não dizer impossibilidade, de conseguir aprovar tal reforma num Congresso que “talvez seja o pior desde a época da Arena”. “Há muita dificuldade de aprovar qualquer coisa que signifique avanço para os setores progressistas da sociedade. Mas se é difícil, fica pior se não dissermos à sociedade que o centro do problema não está na corrupção – claro que é grave e precisa combater –, mas em atacar efetivamente os gargalos que tornam a sociedade tão injusta, como o sistema tributário.”
Na França, além da crise econômica, há uma realidade política cada vez mais preocupante. “Uma pesquisa divulgada esta semana, enquanto estávamos no Brasil, informou que 50% dos operários franceses poderiam hoje votar na Frente Nacional, de extrema direita”, disse Laurent Berger.
A Frente Nacional é um partido liderado atualmente por Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen. “O que precisamos fazer é demonstrar que a extrema direita é uma rua sem saída para os trabalhadores. Precisamos apoiar os partidos democráticos, para que haja melhorias no que diz respeito ao emprego, salários, proteção social. Estamos agora (na França) numa lógica de proteção àquelas coisas que já tínhamos anteriormente, num contexto (econômico) que hoje em dia é muito difícil na Europa e principalmente na França”, disse Berger na entrevista.
O dirigente francês preferiu não opinar sobre o governo da presidenta Dilma Rousseff e suas políticas “ortodoxas”. “Não sou eu que tenho de falar ou responder sobre Dilma. Mas, no que diz respeito a ela, acho que não pode haver reforma se não houver debate com as organizações sindicais. Mas falar sobre isso cabe à CUT.”