Semipresidencialismo surge das sombras do Congresso

Que tal propor um novo sistema de governo, no qual o presidente eleito nomeia um primeiro-ministro? A ideia, que alguns consideram genial, é defendida por pessoas do naipe de Michel Temer, Arthur Lira e Gilmar Mendes. Quem gosta dessa ideia já tem até a desculpa na ponta da língua: o atual sistema presidencialista está dando “claros sinais de esgotamento”. Afinal de contas, o país passou por dois processos de impeachment em menos de 30 anos (Collor em 1992 e Dilma em 2016), vive em frequentes crises políticas e institucionais a instabilidade política desanda a cada microtropeço econômico. Por essa lógica, “o modelo do presidencialismo de coalizão, que vigora hoje no Brasil, é ineficaz.”

Se você está desconfiando que tem vários outros interesses por trás dessa proposta de semipresidencialismo, está desconfiando certo. Mas antes, vamos entender como funcionaria esse sistema “inovador”.

 

O sistema-jabuticaba

Jabuticabas só crescem no Brasil. Nenhuma jabuticabeira levada para o exterior deu frutos. Por extensão de sentido, “jabuticaba” é a qualidade de algo que só ocorre ou se desenvolve no Brasil.

Pelo que se propõe no sistema semipresidencialista, o presidente é eleito pelo voto direto, e se torna o chefe do Estado (das Instituições). Cabe ao Presidente da República a indicação de um primeiro-ministro, que deve ser aprovado pelo Congresso, e será o chefe de governo (decide políticas públicas de gestão, por exemplo).

O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um dos entusiastas desse novo sistema de governo. Lira é também o atual responsável pelas chamadas emendas de relator RP-9 (popularmente conhecidas como orçamento secreto) e é o responsável por engavetar cerca de 143 pedidos de impeachment contra o presidente da República (pelas contas de dezembro de 2021 do site Poder360).

O entusiasmo de Lira se explica facilmente: como no sistema presidencialista, o presidente compartilha poder com o primeiro-ministro, que seria também o chefe do Legislativo, a adoção do semipresidencialismo ratificaria, oficial e irrevogavelmente, o que acontece, agora, na prática: o presidente Jair Bolsonaro está mais ocupado em fazer motociatas do que em governar; cabe ao presidente da Câmara definir para onde vai o dinheiro da máquina governamental.

 

Câmara tem pressa

Por essa lógica exposta acima, qualquer ideia que beneficie deputados e senadores em detrimento do poder Executivo é uma boa ideia. Logo, deve ser analisada com rapidez.

Foi montado, então, no último mês de abril, um Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados, formado por oito deputados. Pode conferir: não há um deputado progressista que integre esse grupo de trabalho: Enrico Misasi (MDB-SP), Felipe Rigoni (UNIÃO-ES), Luisa Canziani (PSD-PR), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Marcel van Hattem (NOVO-RS), Margarete Coelho (PP-PI), Samuel Moreira (PSDB-SP, o relator) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). A esse grupo, somaram-se algumas personalidades, como os ex-presidentes do STF Nelson Jobim e Ellen Gracie e também o ex-presidente Michel Temer.

Em apenas quatro meses, o grupo de onze notáveis que pensaram nas formas de se alterar a forma de governar o país já fechou um relatório e, nesta quarta-feira 3 de agosto, às 14h, o texto deve ser aprovado em sessão remota. O relatório em questão prevê a realização de um plebiscito para que a população aprove o tema. É importante lembrar que a aprovação do relatório do grupo de trabalho não produz norma ou lei.

O Brasil já realizou um plebiscito para decidir se seu sistema de governo seria República (o chefe de Estado é o presidente) ou Monarquia (o imperador é o chefe de Estado), e presidencialismo ou parlamentarismo (se a chefia de Governo fica a cargo do Poder Executivo ou Legislativo), conforme previa a Constituição Federal promulgada cinco anos antes. Foi em 1993, e decidimos por República Presidencialista.

“Estou em busca de uma palavra melhor para definir o semipresidencialismo, mas só consigo pensar em ‘Golpe’”, diz Luciana Custódio, diretora do Sinpro.

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