Sala de recursos: cidadania e inclusão social

A sala de recurso é o lugar onde professores especializados dão aos alunos especiais todo o suporte e auxílio para que consigam vencer as dificuldades cotidianas. “Um dos papeis do professor de sala de recurso é justamente orientar os professores com relação às particularidades de cada estudante – principalmente com deficiências intelectuais”, conta a professora Viviene Duarte Rocha, professora de História que atualmente atua como professora do Atendimento Educacional especializado em Sala de recursos do CEM 01 do Paranoá.

Em meio às dificuldades vivenciadas por esses(as) profissionais, que veem seu trabalho sucateado e desprezado por um governo de cunho essencialmente neoliberal, é possível “tirar leite de pedra”, e conduzir à universidade os alunos das salas de recursos.

 

Professores cidadãos

Quando os estudantes com necessidades especiais chegam ao ensino médio, e estão prestes a concluir a educação básica, é necessário encaminhá-los para o pós-escola. Universidade? Por que não? “Meu papel é incentivar meus alunos. Mostro a eles que eles são capazes e que todos os espaços da sociedade estão aí para serem ocupados por eles!”, conta Viviene.

E dá-lhe noção de cidadania, e consciência de que eles têm direitos específicos. “Mostro a eles que eles têm direito a fazer provas especiais, que podem pedir ampliação do tempo de execução da prova, e como conseguir isso, como pedir laudo especial. Uma série de medidas que podem soar básicas, mas muitos desconhecem”, conta a professora Viviene.

 

Resultado concreto

Uma das estudantes que obtiveram auxílio na sala de recursos de Viviene foi Biatriz Félix de Souza Oliveira, que fez todos os três anos no CEM01 do Paranoá. Biatriz tem dificuldade de locomoção e limitação em um dos braços.

A adolescente foi aprovada no último PAS da UnB, em dois cursos: Relações Internacionais e Medicina. Optou por esta última habilitação. Está muito ansiosa, e agora seus desafios incluem como frequentar a universidade.

Biatriz decidiu que ia cursar Relações Internacionais no primeiro ano do ensino médio. “Então, você vai ter que aprender outros idiomas, né? Vamos buscar matrícula no CIL?”, orientou Viviene. “Fizemos a inscrição, e ela cursou francês e, posteriormente, inglês” E, graças à escola pública, de qualidade, laica e socialmente referenciada, a cidadã em fase de preparação para a vida universitária estudou inglês e francês. No terceiro ano do ensino médio, Biatriz ficou em dúvida entre Relações Internacionais e Medicina.”

No meio do caminho, uma pandemia. Os alunos foram para as aulas remotas. “No caso da Biatriz, eu a orientei que buscasse provas antigas da UnB, tentasse resolver as questões, e observasse detalhes como: quanto tempo em cada questão, quais as questões que ela respondia mais rápido, quais as que demorava mais, e a partir daí, quais os assuntos que precisariam de mais estudo por parte dela”, conta Viviene.

Biatriz não deixou barato: “foi bem cansativo. No segundo ano eu estudei muito, mesmo. No terceiro ano eu estava muito cansada. Preferi priorizar minha saúde mental, então eu só estudava 6 horas por dia”. Sua dificuldade era muito similar à de vários estudantes do ensino médio: “Eu sentia muita dificuldade de me organizar. Eram muitos conteúdos, e eu não fiz cursinho, estudava sozinha em casa.”

Mas eram dificuldades que causavam ansiedade na moça. A professora Viviene, com toda a paciência, mostrava à Biatriz todos os direitos a que ela tinha para realizar a prova: “Você tem direito a tempo especial para fazer a prova. Para isso, tem que buscar o laudo psicológico; tem que ver quais matérias precisa de estudar mais, e em quais você tem mais facilidade”. Essas informações resultantes de uma série de políticas públicas de caráter inclusivo, básicas porém desconhecidas pela jovem, que a foram acalmando. Graças ao suporte do Estado (seja em forma de políticas públicas, seja pela presença e apoio moral da professora Viviene, uma profissional cidadã, Biatriz conseguiu se concentrar e se organizar para estudar.

 

Do CEM 01 do Paranoá para o Instituto Federal Brasília

Deyvid Cardoso Vales é outro estudante que chegou ao Instituto Federal Brasília para o curso de técnico em eventos graças ao auxílio e orientação dos profissionais da Sala de Recursos do CEM01 do Paranoá. Por conta de um tiro acidental, é cego de um olho.

O trabalho de inclusão de Deyvid foi diferente: a professora Viviene mostrou que ele tinha direito ao material ampliado e, com a devida apresentação do laudo técnico, também teria tempo de prova ampliado. O rapaz ainda foi aconselhado a tentar, antes da universidade, um curso técnico superior. “Expliquei que isso não inviabilizaria um curso superior posterior, pelo contrário, isso seria muito bom pra ele, para seu amadurecimento cognitivo”, conta Viviene, que já mostrou a Deyvid que seus direitos de pessoa com deficiência também estão garantidos no IFB: “Lá tem um núcleo similar à sala de recurso, que dá esse apoio ao aluno especial.”

Formação de cidadãos

Professora Viviene se emociona ao falar de seu trabalho e dos resultados que consegue, em meio a tantas dificuldades: “mesmo com todo o sucateamento da escola pública, com a desvalorização do professor, a gente insiste. Investimos nos meninos, é isso o que nos move e, no final, eles vencem”. Ela não perde a perspectiva da crueldade que cerca seus alunos: “Eu digo que muitos aqui são sobreviventes, são de periferia, de família bem humilde, negros em sua grande maioria, e com deficiência. Mas eu mostro a eles como é o espaço deles na sociedade: apresento a eles os direitos, também deixo bem claro quais são os deveres, e a gente vai conseguindo – aos poucos, estamos conseguindo.”

Ela conta do papel fundamental de todos os profissionais da escola para o sucesso da sala de recursos: “O CEM01 do Paranoá é de fato uma escola inclusiva. Todos abraçam a questão da inclusão, adequação, adaptação, todos fazem com grande parceria. A direção da escola não mede esforços, o que eu preciso e está ao alcance, às vezes além do alcance, eles sempre nos ajudam, um passeio, um material…”

Viviene não consegue soltar a mão dos alunos nem depois de formados. Além de se informar sobre a estrutura do IFB para Deyvid, Viviene foi à UnB, buscou informações sobre o transporte especial para alunos com dificuldades motoras, que é direito da Biatriz. “E a Biatriz já ficou menos ansiosa pelo começo do ano letivo na UnB”, comemora.