Resistência ao fechamento de turmas de EJA conquista vitórias

O fechamento de turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido uma realidade no Distrito Federal. Os casos trazem como ponto comum o elemento surpresa: os docentes são comunicados quando a decisão já foi tomada, gerando indignação e insegurança.

A alegação principal é a suposta falta de demanda. “Segundo as diretrizes operacionais da EJA, a busca ativa é uma parte importante do processo”, lembra a professora Madalena Torres, integrante do GTPA (Grupo de Trabalho Pró-Alfabetização) – Fórum EJA. “Portanto, é muito importante recorrer a iniciativas que alcancem possíveis estudantes antes de fechar turmas”, ela diz, apontando, também, que essa é uma obrigação da escola, da regional e da Secretaria de Educação.

Além disso, por se tratar de uma modalidade de ensino que funciona em período semestral, a baixa procura não deveria ser um critério decisivo para o fechamento. “Sempre houve e haverá períodos de baixa adesão e de alta adesão num mesmo ano”, afirma a diretora do Sinpro Letícia Montandon, que acompanhou o processo do Gisno (veja abaixo).

Num momento tão tristemente particular como o que a pandemia da Covid-19 trouxe, o cancelamento de turmas de EJA com essa justificativa ganha contornos ainda mais cruéis. Em muitas famílias, o desemprego e a fome bateram com força. Muitas pessoas tiveram perdas irreparáveis, levando também o medo e a tristeza às suas casas. “Num contexto como esse, a prioridade número um é garantir cesta básica para as pessoas, só depois pensaremos em internet para acessar as aulas remotas”, lembra Madalena. Em período de pandemia e ensino remoto, portanto, torna-se ainda mais inadmissível o fechamento de turmas sob o argumento da baixa demanda.

Sem a oferta, pelos governos, de políticas realmente efetivas de auxílio emergencial para socorrer aqueles e aquelas que ficaram sem trabalho, muitos estudantes da EJA não têm como garantir o acompanhamento das aulas, seja por falta das ferramentas necessárias, seja pela necessidade de cumprir jornadas exaustivas para garantir o sustento da família. Sem contar a estafa mental e o sofrimento psíquico que tem acometido a sociedade como um todo.

Desânimo x Resiliência
A extinção da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, que abrigava a EJA) pelo Governo Federal, logo em 2 de janeiro de 2019, já se configurou num sinal inequívoco de uma política de desmonte. “Junto com a Secadi, acabou a esperança de um país inteiro”, aponta Madalena. Para ela, além do significado prático, a medida desestimulou estados e municípios, e o resultado pode ser observado no DF.

Analogamente à extinção da Secadi, o cancelamento de turmas de EJA também desanima estudantes, que veem as escolas próximas de sua residência ou de seu trabalho fecharem as portas para eles. Há casos de transferências de turmas de uma escola para outra que resultaram em baixa adesão, por dificultar o acesso. “A SEE-DF deve garantir os meios para que a escola possa manter os estudantes motivados, e não lhes impor obstáculos”, diz Letícia. “O que deveríamos estar pensando é em mecanismos de combater a evasão, muito presente nesse segmento, que inclui pessoas com histórias de vida diversas e dificuldades de toda ordem no presente”, completa. O diretor do Sinpro Anderson Corrêa, que acompanhou o processo no CED 11 (veja abaixo) enfatiza que a EJA é um direito da comunidade: “É uma modalidade de ensino que deve ser ofertada para atender a todos e todas que não tiveram a oportunidade de estudar na idade apropriada, e isso é muito relevante para corrigir injustiças”, diz ele.

Uma audiência pública convocada em abril último pelo deputado distrital Leandro Grass, que contou com a participação do Sinpro, representado pela diretora Rosilene Corrêa, trouxe alguns números sobre a redução das turmas de EJA no DF. De 2019 para cá, o número de turmas caiu de 28 para 26 na Ceilândia e de 44 para 8 em São Sebastião, por exemplo. Em 2019, o tema já havia sido pauta de outra audiência pública, então convocada pelo deputado Chico Vigilante. Na ocasião, professores do Gisno falaram sobre a situação da escola, que correu o risco de ter o período noturno extinto.

Diante desse cenário tão difícil, é a determinação de professores e professoras que tem demonstrado que a demanda existe sim e, dessa forma, conseguido evitar e reverter alguns fechamentos. Ações como contratação de carros de som, divulgação via redes sociais, panfletagens, faixas nas escolas e telefonemas trazem resultado: as matrículas aparecem, e não são poucas.

Conheça abaixo as histórias vitoriosas do Gisno, na Asa Norte, e do CED 11, na Ceilândia, em que a mobilização dos professores e professoras garantiu a manutenção das turmas de EJA e a sequência de seu trabalho.

Plano Piloto
No Gisno, na Asa Norte, o primeiro segmento da EJA foi fechado em 2018. Os estudantes foram transferidos para o Varjão, o que lhes causou grandes transtornos. No início de 2019, o corpo docente da escola foi surpreendido pela notícia de que o período noturno seria totalmente fechado. A justificativa apresentada foi uma suposta baixa demanda – haveria matrículas insuficientes para manter a escola aberta no turno.

Já havia estudantes matriculados, e o Gisno era escolhido por eles, em geral, por trabalharem nas proximidades, mas também por preferências de outro tipo. Os professores e professoras se mobilizaram, reuniram documentação comprobatória da existência da demanda e a apresentaram à coordenação regional do Plano Piloto, em reuniões que aconteceram com intermediação e apoio do Sinpro. A regional estabeleceu um prazo para que as matrículas fossem recolhidas, e o grupo conseguiu manter e ampliar as turmas abertas a partir de diversas ações: foram planfletagens, faixas na escola, carros de som, telefonemas diretos aos alunos.

Como um acréscimo de legitimidade na defesa da abertura da escola no período noturno, o grupo formulou a proposta de implantar um curso técnico-profissionalizante em parceria com o IFB (Instituto Federal de Brasília). As conversas para desenvolver o projeto tiveram início, mas foram interrompidas pelo início da pandemia e a suspensão das aulas presenciais.

“Muitas vezes, os estudantes não conseguem chegar a tempo na escola mais próxima de sua residência, então, preferem estudar no Gisno, pela proximidade de seu trabalho”, explica a orientadora educacional Daniela Laender. “No Plano Piloto, a oferta de turmas de EJA tem sido cada vez mais restrita, o que causa a desistência de muitos estudantes”, ela diz. O Gisno é a última escola da Asa Norte a oferecer turmas de EJA.

Daniela destaca a importância da mobilidade para garantir a presença dos estudantes na escola. Ela lembra o caso do Setor Leste, que, ao ter suas turmas noturnas transferidas para o Elefante Branco, dificultou o acesso de moradores e moradoras da Vila Telebrasília, gerando abandono do curso. “Quando encaminhamos ações de divulgação das turmas, a busca aumenta”, conta Daniela, lembrando os bons resultados que o grupo do Gisno obteve com panfletagens – que contaram com apoio dos estudantes. A procura aumentou e as turmas foram mantidas.

Ceilândia
No CED 11 da Ceilândia, também houve o fator surpresa no anúncio do fechamento de turmas de EJA. Segundo relata a professora Ana Reulma, ao retornar do recesso, em janeiro último, os profissionais do Magistério na escola foram informados de que se fechariam dois terços das turmas, o que faria restar somente uma turma de cada segmento. A alteração substancial também incorria na devolução de um número expressivo de professores (as).

Assim como aconteceu no Gisno, a justificativa para o fechamento das turmas seria a baixa demanda. Entretanto, como aferir demanda em plena situação de pandemia, aulas remotas e restrição de atividades presenciais? O grupo não se conformou com o argumento, inclusive porque verificavam que, mesmo em um momento tão controverso, havia sim estudantes, matrículas e disposição para estudar e para trabalhar. “Nós já havíamos feito todo o acolhimento dos estudantes, desenvolvemos estratégias de alcançá-los e de mantê-los motivados”, conta Ana.

Indignado, o grupo procurou a coordenação da regional, com o apoio do Sinpro. Na conversa, o coordenador propôs o prazo de um mês para que fossem recolhidas novas matrículas, comprovando que havia demanda e interesse. No final dos 30 dias, havia 70 novas matrículas.

Os docentes do CED 11 realizaram o processo de busca ativa de estudantes através de carros de som nas ruas, redes sociais, telefonemas. As matrículas continuam chegando até hoje, e o número de estudantes só aumenta. Agora, as turmas estão todas abertas.

A luta pela manutenção das turmas remete à compreensão do grupo sobre o papel da escola na comunidade. “Quando se fecha uma turma de EJA, não se fecham as portas de uma sala, se fecham as possibilidades de ascensão social de alguém”, aponta Ana. Para ela, a escola é mais que um emissor de certificados para esses estudantes, mas sim, um espaço onde eles se compreendem enquanto agentes de suas vidas e das transformações sociais. “Nós nos engajamos por uma EJA de qualidade, que movimente conteúdos, conhecimento, mas também transforme vidas, como já transformou a de muitas pessoas”, ela completa.

 
 

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