Religião na política: o retrocesso da democracia

Promover o respeito, a tolerância e o diálogo entre as diversas religiões existentes no mundo. É o que propõe o Dia Mundial da Religião, celebrado em 21 de janeiro. No Brasil – Estado laico –, na mesma data, comemora-se também o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. As datas trazem pautas necessárias, mas acabam, de certa forma, desembocando em uma reflexão ainda maior: a da influência da religião na política brasileira.
A ascensão de ideais conservadores no Congresso Nacional por meio das lideranças religiosas (majoritariamente evangélicos), tem se configurado em um verdadeiro retrocesso democrático e impedido o avanço de políticas públicas para as minorias sociais como LGBTs, mulheres, quilombolas, indígenas e outros.
Hoje, a Bancada Evangélica, uma das principais fomentadoras do retrocesso social, conta com 87 deputados e três senadores – 16% do Congresso –, 30% a mais que a última legislatura. Sua atuação, em parceria com outros setores conservadores, é pautada por um fundamentalismo que constantemente mescla política e religião, e tenta impor à sociedade dogmas a partir da visão de um deus conceituado na fé cristã e apenas uma verdade religiosa.
De acordo o assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, as pautas conservadoras foram retomadas com mais intensidade no último período. Para ele, trata-se de uma troca de favores entre governo ilegítimo de Michel Temer e parlamentares. “Ele (Temer) não tem mais recursos para comprar parlamentares e aprovar projetos de seu interesse. Assim, precisa ceder e atender esses setores com concessões de outra natureza. É uma troca que não implica recursos, mas que representa um retrocesso imenso para os direitos humanos”, disse.
O representante da secretaria distrital LGBT do Partido dos Trabalhadores no DF, Henrique Elias, salienta que os religiosos, em especial, a Bancada Evangélica, tem barrado inúmeros avanços para as minorias sociais. É o caso do Projeto de Lei 122/2006, de autoria da deputada Iara Bernardi (PT – SP), que tinha o objetivo de criminalizar a homofobia. Após oito anos em tramitação no Senado e sem aprovação, a proposta foi arquivada.
“Hoje, a Bancada Evangélica é um retrocesso para o Estado. Com sua nefasta atuação no Congresso, a maioria dos assuntos relacionados a uma parte da população acaba sendo prejudicada. O ideal é que os evangélicos preguem sua verdade em suas igrejas e, no parlamento, atendam a sociedade”, afirma o ativista.
Além do arquivamento do PLC 122/2006, os religiosos têm se articulado para avançar no Congresso temas de seus interesses. O mais intrigante é que, além de temas ligados à religião, a Bancada Evangélica também defende projetos que vão totalmente na contramão do amor (pregado pelo cristianismo), como a redução da maioridade penal e o estatuto do desarmamento. Veja alguns projetos que ganham o apoio dos religiosos no Congresso:
● Proposta de Emenda à Constituição (PEC 99/2001): Em tramitação na Câmara, a medida propõe a alteração constitucional para que entidades de cunho religioso possam propor Ações de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
● PEC 115/2015: Em tramitação no Senado, a proposta propõe a redução da maioridade penal.
● Projeto de Lei 3722/2012: Em tramitação a Câmara, a proposta sugere a modificação do Estatuto do desarmamento para que seja permitida a posse de arma de fogo em casa, local de trabalho ou áreas rurais.
● PL 6583/2013: Aprovado pela Câmara, o projeto Institui o Estatuto da Família, reconhecendo como família apenas a união entre homem e mulher. Dessa forma, ignora a existência de composições familiares diversas, violando, inclusive, tratados internacionais.
● PL 478/2007: Em tramitação na Câmara, o projeto estabelece a Instituição do Estatuto do Nascituro, uma imensa ameaça aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Pelo projeto, seria concretizada a criminalização generalizada das mulheres, inviabilizando, inclusive, o aborto previsto no Código Penal.
● PL 5069/2013: Em tramitação na Câmara, o projeto propõe alteração do Código Penal sobre a questão do aborto, criminalizando ainda mais as mulheres e profissionais de saúde.
Na avaliação do secretário de Políticas Sociais da CUT Brasília, Yuri Soares, a religiosidade é algo importante em qualquer sociedade. No entanto, o dirigente ressalta a importância de manter separados Estado e religião. “As preferências religiosas das lideranças não podem interferir no Estado, pois não cabe a nenhuma opinião religiosa legislar outras pessoas que não seguem aquela religião. Não se pode apoderar de pedaços do Estado para impor sua visão ao conjunto social. É importante lembrar que religião é algo de fórum íntimo”, aponta.
Segundo Yuri, a CUT tem realizado uma série de diálogo nos âmbitos local e nacional com os vários setores religiosos. A ideia é estabelecer uma interlocução democrática, a fim de solucionar os inúmeros problemas que rodeiam o tema, construindo, assim, uma sociedade mais livre e igualitária. “É importante a gente manter sempre esse dialogo aberto, mas, sobretudo, manter a laicidade do Estado, que alguns setores têm rompido”, finaliza.
O cenário ainda leva a outra reflexão: é possível promover a paz, a tolerância, o respeito e um mundo melhor sem interferência religiosa. Em 2010, o sociólogo Phil Zuckerman publicou o livro “A Sociedade sem Deus: O que as nações menos religiosas podem nos dizer sobre o Contentamento”. A partir de constatações, o autor mostrou que sociedades menos religiosas tendem a ser as mais pacíficas, prósperas e justas, com políticas públicas que melhorem a condição social dos indivíduos. E isso não quer dizer que a religião, por si só, faça mal a uma sociedade. Mas sua imposição, principalmente através da lei, sim. E é isso que deve ser combatido.