Reforma da Previdência aprofundará doenças ocupacionais do magistério

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287-A irá piorar significativamente as causas das doenças ocupacionais que afetam a saúde física, mental e emocional do/a professor/a. Nesta terceira reportagem da Série Aposentadoria no Magistério, sobre os impactos da reforma da Previdência na vida do/a professor/a, apresentamos os efeitos dessa proposta sobre a saúde e mostramos que o aumento dos anos de trabalho para a categoria irá aprofundar as doenças ocupacionais.
Se atualmente os/as professores/as é uma das categorias profissionais que mais apresentam absenteísmo do exercício do magistério durante o ano por causa de doenças ocupacionais, após a reforma da Previdência, os problemas vão piorar. A PEC 287-A é o substitutivo do relator Arthur Maia PPS-BA, aprovado na Comissão Especial da Reforma da Previdência, em maio deste ano, que está na fila para ser votado em Plenário no momento em que o governo Michel Temer/Henrique Meirelles conseguir maioria para votá-lo.
O QUE A PEC-287-A PROPÕE?
A regra geral do substitutivo iguala alguns requisitos para a aposentadoria dos/as professores/as das redes pública e privada que comprovem tempo exclusivo de efetivo exercício do magistério: contribuição mínima de 25 anos e 60 anos de idade, independentemente de sexo. O que difere é a exigência feita ao/à professor/a da rede pública de ter 10 anos no serviço público e 5 anos no cargo em que se aposentar.
Quanto à regra de transição, a PEC 287-A institui, como fase intermediária inicial, a idade de aposentadoria dos/as professores/as que estiverem vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) em 50 anos (mulher) e 55 anos (homem) e a necessidade de comprovar 20 anos no serviço público e 5 anos no último cargo.
As idades mínimas também serão elevadas em um ano a cada dois anos, a partir de 2018, até atingirem 60 anos para ambos os sexo, em 2038. Daí em diante, o professorado só poderá se aposentar pela regra geral específica para a categoria. Isso significa que haverá um aumento no tempo laboral da categoria de 10 anos e até mais, dependendo do caso, para que professor e professora consigam se aposentar.
DOENÇAS OCUPACIONAIS NO GDF
Ao aumentar em 10 anos o tempo laboral da categoria, a reforma da Previdência aprofundará os problemas de saúde que afastam os professores da sala de aula. O magistério está entre as 20 atividades profissionais com mais absenteísmo. Uma pesquisa da psicóloga Luciane Kozicz sobre a saúde dos/as professores/as da rede pública de ensino do Governo do Distrito Federal (GDF), no biênio 2011-2012, indica que 59% da classe profissional que se afasta por absenteísmo/doença é a do magistério e, em segundo lugar, a dos/as profissionais da Secretaria de Estado da Saúde.
A pesquisa mostra que as doenças ocupacionais mais onerosas para o GDF são, em primeiro lugar, a denominada CID F, que se refere aos problemas de saúde relacionados a transtornos mentais e comportamentais; em segundo lugar, a CID M, ligada aos distúrbios osseomoleculares. E, em terceiro lugar, os problemas com as cordas vocais ou relativas à voz.
E são as doenças ocupacionais que afastam os/as servidores/as distritais por mais tempo de suas atividades laborais porque decorrem de sobrecarga mental, que, por sua vez, são consequência das condições de trabalho precarizadas, da organização burocrática do trabalho e da falta de amparo para a pessoa se defender dessa situação.
“De tanto ir para a escola sem os recursos necessários para o desempenho de sua atividade, sem professores suficientes, num ambiente hostil e precarizado que lhe expõe a uma situação de desamparo o tempo inteiro, o/a professor/a está o tempo todo em sofrimento e isso o/a imobiliza porque tudo o que ele/a faz não dá em nada: trabalha muito e não vê os resultados. E, quanto mais exposto/a aos problemas do trabalho, mais afetamento há na vida privada”, explica a Luciane Kozicz, psicóloga, psicanalista e mestre em Avaliação e Saúde pela Fiocruz.
Ex-subsecretária da Saúde do Servidor do GDF, de 2011 a 2016, Luciane assegura que toda essa situação irá se aprofundar com a reforma da Previdência porque os governos, por sua vez, investem na precarização e no sucateamento das instituições públicas de ensino, o que deteriora cada vez mais as relações de trabalho.
Uma análise do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre a reforma da Previdência e as doenças profissionais do magistério confirma a avaliação de Luciane Kozicz e aponta outros aspectos que adoecem a categoria e que, com a reforma da Previdência, irão se aprofundar, acabando definitivamente com a qualidade de vida da categoria docente.
ADOECIMENTO NO BRASIL
Com base na “Pesquisa trabalho docente na educação básica no Brasil”, coordenada por Dalila Andrade Oliveira e Lívia Maria Fraga Vieira, e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 2015, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Dieese afirma que, ao aumentar o tempo laboral em mais de uma década e instituir regras que dificultam o acesso à aposentadoria, a reforma da Previdência irá provocar sim a piora das doenças que acometem, desde já, os profissionais do magistério.
A “Pesquisa trabalho docente na educação básica” indica que 71% dos/as professores/as realizam, com bastante frequência, atividades profissionais em casa. A Pnad, por sua vez, revela que 89,5% das professoras trabalham em média 32 horas semanais, no trabalho principal, 19,5 horas por semana nos afazeres domésticos. Os professores, por sua vez, trabalham em média 33,9 horas por semana e apenas 59,6% dos professores realizam tarefas de casa, porém, dedicam apenas 9,7 horas semanais a esse tipo de afazer.
Essas pesquisas mostram também que, além do desgaste por causa da dedicação de horas a fio ao exercício da profissão e das dificuldades que enfrentam para conciliar o trabalho na escola com o doméstico, os/as professores/as são afetados/as pelas condições de trabalho nas escolas.
Dalila e Lívia mostram que o percentual de profissionais que têm a saúde desgastada pelas más condições ambientais das salas de aula é elevado: 39% avaliam o ruído como muito alto e/ou insuportável; 53% julgam regular ou fraca a ventilação; e 42% qualificam a iluminação como regular ou fraca. Outro fator que prejudica o trabalho do/a professor/a é a convivência com a violência escolar. Dados da Prova Brasil de 2015 (Inep, 2017) indicam que 46,9% dos/as professores/as já foram agredidos verbalmente e,8,5%, ameaçados por estudantes.
Os números mostram que, hoje, a situação laboral dos professores é estressante e provoca forte desgaste emocional que, entre outros fatores, resulta na Síndrome de Burnout: um dos problemas que mais afetam a categoria docente. Todos os problemas repercutem, incisivamente, na organização escolar e na relação com os/as estudantes. Outros estudos mostram ainda que professores/as afetados/as por essas doenças ocupacionais adotam, sem ter consciência do problema, atitudes negativas na relação aos receptores de seus serviços e isso deflagra, muitas vezes, sem retorno, a deterioração da qualidade da relação e de seu papel de profissional.
A situação é tão grave que, em 2014, segundo o Anuário da Saúde do Trabalhador 2016, do Dieese, houve três registros de falecimento de professores de nível médio que trabalham no Ensino Fundamental em razão de doença ocupação. O Anuário mostra outros aspectos do trabalho docente que afetam a saúde física e psíquica, como as condições estruturais da escola e a baixa remuneração que levam os/as professores/as a trabalharem em mais de um turno e em mais de uma escola. As estatísticas indicam também a associação entre trabalho e adoecimento desses profissionais.
Um dos indicadores é a presença do magistério entre as ocupações com maior frequência de trabalhadores/as com mais de um vínculo empregatício do país. “Em 2014, dos professores que trabalham no Ensino Fundamental, 18,4% dos que têm nível médio de escolaridade e 25,3% dos que têm nível superior possuem mais de um vínculo. Na educação infantil, esses percentuais correspondem a 15,2% e 23,4%, respectivamente”, diz o estudo.
O levantamento do Dieese também afirma que as doenças ocupacionais denunciam as condições deletérias do trabalho sobre a saúde: “em 2014, foram registrados 9.661 afastamentos de professores que atuam no Ensino Fundamental em razão de doenças ocupacionais (5,3% do total de afastamento por esse motivo). Desses, 4.149 são professores de nível médio no Ensino Fundamental; 3.037 são professores da educação de jovens e adultos do Ensino Fundamental; e 2.475 são professores de nível superior do Ensino Fundamental”.
Mostra que os/as professores/as com nível médio de escolaridade que atuam no Ensino Fundamental estão entre as 20 ocupações com mais desligamentos em razão de aposentadorias por invalidez permanente decorrente de doença ocupacional. “Em 2014, foram registradas 43 ocorrências desse tipo, o que representa uma incidência de 5,7, ou seja, a cada 100 mil vínculos, 5,7 desligam-se por esse motivo”.
FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO
Na avaliação da diretoria colegiada do Sinpro-DF, as professoras serão as mais afetadas pela reforma da Previdência e não será exagero dizer que muitas irão morrer sem se aposentar, como foi dito na campanha publicitária do sindicato “Maria morreu sem se aposentar”.
Várias pesquisas indicam que a profissão de professor no Brasil é conhecida por suas atividades extraclasse  e pelo trabalho em mais de uma escola, bem como por ser majoritariamente feminina. Olga Freitas, professora da rede pública de ensino do DF, afirma que os 10 anos a mais de tempo laboral propostos pela reforma da Previdência irão piorar as doenças e comprometer para sempre a qualidade da educação. Essa situação, segundo ela, vai prejudicar, sobretudo, a mulher, uma vez que a profissão é exercida, principalmente, por mulheres que têm dupla e até tripla jornada de trabalho.
“É uma ironia do destino a educação ser, hoje, uma profissão feminizada, mas isso aconteceu em 1880, com autorização dos homens. As mulheres foram autorizadas pelos homens, durante o II Congresso Internacional de Educação, realizado em Paris, França, a serem professoras também porque com o advento da revolução industrial e a necessidade de qualificar mão de obra para trabalhar nas grandes fábricas, indústrias, e cada vez mais cedo, porque os capitalistas perceberam desde cedo que, as pessoas, quanto mais velhas, mais cheias de vícios e menos afeitas às condições precárias que eles queriam instituir nas fábricas, então, a ideia de qualificação da mão de obra desde muito cedo”, conta.  Daí as crianças começaram a ingressar nas escolas.
“Claro que não é somente isso, mas, se a gente pensar no modelo fabril de escolas que se tem até hoje, de carteiras enfileiradas uma atrás da outra, todo mundo uniformizado, com sirenes que marcam os intervalos de entrada e saída de uma disciplina entre outra e da entrada e da saída da escola, com horários específicos para comer, tudo isso gera um preparo para uma rotina de trabalho dentro de uma fábrica, de uma grande indústria e, também, de outra maneira, oferecendo uma qualificação técnica, digamos assim, em termos de letramento, de alfabetização de pessoas que sabem ler e escrever, contar e fazer contas. Uniram o útil ao agradável. Só que antes disso, o magistério era exercido por homens. As mulheres não iam para as escolas e não tinham conhecimento, eram, geralmente, analfabetas. Só o homem tinha acesso aos estudos, portanto, somente eles podiam ensinar”, explica a professora.
E completa: “Mas eles perceberam que eram incompetentes para lidar com as crianças pequenas porque esse público infantil não necessariamente será completamente obediente a tudo o que está sendo proposto em sala de aula. Ela chora com facilidade se for contrariada, se ela não comer na hora ela vai chorar, ela urina na roupa se não for levada ao banheiro na hora em que ela precisa ir. Eles acharam que não conseguiam lidar com essa situação e entenderam que nós, mulheres, por termos uma vocação natural para ser mães, seríamos competentes para ser tão professoras quanto eles”.
Assim, no II Congresso Internacional de Educação, em Paris, uma das deliberações foi a autorização às mulheres para exercer a docência para crianças pequenas. E aí  as mulheres foram submetidas a exames para serem atestadas por médicos, padres, familiares e demais parentes como tão competentes quanto os homens para exercerem a docência, mas não a gestão, porque isso, na visão patriarcal, é coisa do homem, do racional, de inteligência. Porém, se, por um lado, havia essa carga de machismo, por outro, era a oportunidade de a mulher ingressar no mundo do trabalho.
“Por isso abraçamos com unhas e dentes porque era uma oportunidade de termos uma profissão. Os cursos de formação de professores foram se enchendo de mulheres. E o que a gente vê disso hoje, mais de 100 anos depois, é que essa cultura, esse conceito, esse aspecto voltado para a nossa profissão se mantém. Por exemplo, a nossa profissão é a de nível superior menos valorizada e mais mal remunerada. Temos os piores salários e péssimas condições de trabalho e, agora, com a reforma da Previdência, a situação irá piorar. Voltamos a 1880”, finaliza.
Confira matérias da nova série sobre aposentadoria do magistério:
Por que os professores têm aposentadoria especial?

Impactos da reforma da Previdência na educação básica
Em 2016, Sinpro-DF produziu primeira série de reportagens sobre a reforma da Previdência
Entre maio e novembro de 2016, o Sinpro-DF apresentou à categoria a primeira série de reportagens sobre a primeira versão do texto da reforma da Previdência, a PEC 287, esmiuçando os cálculos propostos pelo governo ilegítimo, explicando os prejuízos nefastos que iria causar na população e na categoria docente, desmascarando os interesses do empresariado e do sistema financeiro, contando a história e os motivos da criação, no Brasil, de um Sistema de Seguridade Social independente e sem nenhum tipo de rombo.
Confira aqui matérias da primeira série, todas as demais matérias que, embora o texto que irá ao Plenário seja o substitutivo, intitulado de PEC 287-A, os efeitos são os mesmo da PEC 287.
Reforma da Previdência e PEC 241/16 são imposições do FMI
Confira a seguir outras matérias da série Reforma da Previdência:
Estudos demonstram que há superávit na Previdência e reforma é para retirar direitos
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