Racismo contra professores é flagrante nas escolas públicas do DF

A luta do movimento negro garantiu que questões ligadas à raça fossem discutidas com mais frequência em diversos espaços, sobretudo nas escolas.

Com 21 anos de existência, a lei nº 10.639/2003 traz em seu texto a obrigatoriedade do ensino afro-brasileiro em todo o currículo escolar. O ensino da Cultura afro-indígena também é garantido no Currículo em Movimento da Secretaria de Educação do DF, na Lei Orgânica do DF e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

 

Escolas públicas do DF realizam uma série de atividades no Dia de Zumbi e da Consciência Negra. Sinpro orienta que ações sejam realizadas de fora transversal, durante todo o ano.

 

A sanção das leis em um sistema estruturalmente racista mostra avanço na luta em defesa do reconhecimento da cultura, do protagonismo e dos direitos das negras e dos negros. Entretanto, os casos de racismo são recorrentes nas escolas públicas do DF. Professores e professoras estão na mira.

Fernanda (nome fictício por medo de retaliação) é professora de Artes há 25 anos na rede pública de ensino do DF, somados o tempo em regime de contrato temporário e como efetiva. Ela é uma das vítimas de racismo dentro das escolas. O último caso vivido foi neste ano, no Centro de Ensino Fundamental Santos Dumont, em Santa Maria.

“Logo nos primeiros dias do ano letivo, o burburinho era de que uma professora macumbeira tinha acabado de chegar na escola. Ao passear pelo horário de intervalo, me deparei com diálogos entre os alunos me apontando como macumbeira. Segui firme na minha caminhada e percebi que ali já teríamos um longo e difícil trabalho pela frente”, relembra a professora, ao contar os primeiros dias de atuação na escola.

Segundo Fernanda, a perseguição por causa de sua cor rendeu ainda no primeiro semestre reclamações de pais e mães, que questionaram infundadamente as notas de provas e trabalhos avaliados pela professora. Além disso, ela conta que, ao longo do ano letivo, foram registradas três ouvidorias contra ela, com acusações inclusive de maus-tratos. “Todas (as ouvidorias) criando falácias acerca da minha conduta”, denuncia a professora.

A gota d’água, segundo a docente, foi quando ela levou à escola uma velha griô, durante a Semana da Consciência Negra. Essa é uma figura da tradição africana, uma espécie de contadora de histórias, guardiã da memória oral de um povo.

“Tiraram foto e fizeram um vídeo. Jogaram nos grupos de WhatsApp, e sofri várias retaliações”, lembra Fernanda. Segundo a professora, o caso não chegou a ser levado à direção, já que ela não via qualquer possibilidade de ser acolhida diante de posturas da equipe avessas à promoção da diversidade. “Não tenho religião. O que eu cultuo é muito mais: se chama Tradição, cultura ancestral”, explica.

O racismo tem como uma das estratégias a invisibilização, distorção ou negação da contribuição dos povos africanos, uma tentativa de apagamento da história dos negros e das negras, lançada também com a perpetuação de estereótipos negativos.

“Qual o objetivo de criar uma capoeira gospel ou um acarajé do bem? Por acaso alguém já ouviu falar em judô gospel ou quibe do bem? Alguém já viu algum centro Messiânico, por exemplo, ser atacado no Brasil? Não há outra explicação: a ideia é atacar as manifestações culturais enraizadas na história e tradição afro-brasileira. É dizer que são perversas e, portanto, devem ser transformadas, ou seja, apagadas”, avalia a diretora do Sinpro Márcia Gilda.

No último mês de outubro, o deputado distrital pastor Daniel de Castro (PP) publicou em suas redes sociais vídeo com discurso inflamado, afirmando que entrou com representação junto ao Ministério Público contra uma professora do Centro Educacional do Lago (CEL) que apresentava aos estudantes a Cultura africana.

Segundo o parlamentar, a professora cometeu um “crime” e “incute na cabeça das crianças uma religião afro”, além de afirmar que ela praticava “rituais de magia em sala de aula”.

A direção do CEL lançou nota contra a ação do deputado pastor Daniel. No material, a equipe afirma que ele “publicou gravação sem autorização de atividades do Centro Educacional do Lago e teceu uma série de ataques, acusações caluniosas, racistas e de intolerância religiosa contra servidores públicos no exercício de suas atribuições”. “Tal afirmação não é apenas inverídica – uma vez que que ‘rituais de magia’, conforme dito pelo deputado, não acontecem nessa escola –, mas também expressa um preconceito contra as religiões de matriz afro-brasileira”, diz a nota.

 

Projeto Centro de Ensino Fundamental 20 de Ceilândia, no mês da Consciência Negra | 2022

 

O diretor do Sinpro Carlos Fernandes lembra que o Sinpro acompanha de perto todos os casos de racismo que chegam ao Sindicato, contra professores(as) e orientadores(as) educacionais. “Temos como um de nossos pilares a atuação para o fortalecimento de uma educação e uma sociedade antirracista. Proteger nossa categoria contra esse crime é ampliar a luta contra o racismo também dentro das escolas, o que trará reflexo na sociedade como um todo”, afirma o sindicalista.

Além das formações sobre letramento racial e outras questões relacionadas a raça, o Sinpro também acolhe e orienta professores(as) e orientadores(as) educacionais vítimas de racismo. Entre as ações realizadas pelo Sindicato, estão o “Circuito Permanente de Debates Antirracistas nas Escolas”.

“Nenhuma vítima de racismo deve se sentir só, acuada. Não se cale diante do racismo, denuncie. Vamos juntos e juntas nesta luta em todos os espaços, incluindo o judicial, pois racismo é crime”, dialoga Carlos Fernandes.

Para a diretora do Sinpro Márcia Gilda, um dos caminhos que devem ser percorridos para acabar com o racismo dentro das escolas é o debate. “As legislações que temos voltadas à educação são progressistas quanto ao debate sobre raça. O que falta é, de fato, implantarmos isso em todas as escolas, de forma transversal. Esse é um dever de todos os educadores e todas as educadoras”.

De forma complementar, Carlos Fernandes lembra que, assim como qualquer tipo de violência, o racismo não nasce dentro das escolas. “O racismo está estruturado na sociedade, através de leis, práticas institucionais e de uma normalização planejada para que negras e negros continuem subalternizados. É preciso, por exemplo, ampliar políticas públicas, além de aprimorar o sistema de cotas e outras ações afirmativas”, avalia.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do DF mostram que as ocorrências de injúria racial cresceram 54% de 2019 a 2023 (saíram de 467 para 722), a maior taxa em 9 anos. A Secretaria de Educação do DF não disponibiliza dados sobre esse tipo de crime realizado dentro das escolas públicas.

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