Qualidade da educação exige compromisso social

As duas últimas edições da revista Época (nº 623 e nº 624) abordaram dois temas inerentes à qualidade da educação: o desempenho do professor e os ralos que dragam os investimentos públicos nesta área. É lamentável, porém, que as matérias (principalmente a primeira) tenham se eximido de debater os assuntos de forma plural e priorizado uma única corrente de pensamento, o da meritocracia pura e neutra.
Em “Os segredos dos bons professores”, capa da edição de 26 de abril, a matéria redigida pela jornalista Camila Guimarães enfoca a importância do professor no processo de aprendizagem dos estudantes e compara estilos pessoais e métodos pedagógicos que diferem o ótimo professor daquele “mal preparado”. Para estes últimos, são sugeridas técnicas de aperfeiçoamento desenvolvidas por dois estudiosos americanos. Já a punição no processo de avaliação de desempenho, indispensável para o sucesso do conteúdo ministrado, segundo a reportagem, é outro método eficiente para a se atingir a qualidade educacional. Será isso mesmo?
O contraponto à matéria de 26 de abril mostrou-se parcialmente presente na reportagem “As rachaduras no orçamento da educação”, veiculada em 3 de maio pela mesma revista. Com base em relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão ligado à Presidência da Republica e responsável pela fiscalização dos recursos federais repassados às esferas estaduais e municipais, a repórter Ana Aranha denuncia desvios de verbas na ordem de R$ 48 milhões, na maioria das vezes praticados por prefeitos. O mais alarmante, nesse caso, é que a fiscalização da CGU é amostral e não abarca os recursos providos no próprio ente federado, que corresponde à maior parte das verbas destinadas à educação básica. Ou seja, os desvios tendem a ser bem maiores!
Com relação à matéria do desempenho dos professores, a CNTE, apesar de lamentar a ausência de outras opiniões sobre o assunto (já que a mesma ficou circunscrita às experiências reproduzidas no Estado de São Paulo), reconhece o protagonismo não só dos professores, mas de todos os profissionais da escola envolvidos no processo de produção de conhecimento e cultura. Enfatiza, também, a necessidade de se valorizar esses trabalhadores, através (1) de bons salários e de uma carreira que incentive a permanência no emprego; (2) de uma política permanente de formação (inicial e continuada) pautada em temas, métodos e instrumentos didáticos atualizados, e ofertada pelo Poder Público; e (3) de condições de trabalho apropriadas, com jornada integral em uma só escola e com tempo para atividades de preparação de aulas, de reuniões entre os profissionais e familiares, dentre outras atividades inerentes à organização curricular e pedagógica da escola – condição que alguns governadores, apoiados pelo Executivo de São Paulo, tentam impedir na Ação Direta de Inconstitucionalidade movida contra a Lei do Piso Salarial Nacional do Magistério.
Quanto ao assalto às verbas educacionais, que emperra sobremaneira a melhoria da qualidade da educação, faz-se necessário não apenas apurar, mas, principalmente, punir os criminosos. Essa prática revela também a falta de investimento no controle social dos recursos públicos. Os conselhos do Fundeb e da Merenda Escolar, por exemplo, não têm cumprido suas prerrogativas, sobretudo em razão da ingerência dos gestores locais sobre o trabalho dos conselheiros sociais. E essa conduta tem que ter fim!
Em que pese discordarmos de determinados conceitos das mencionadas matérias, ambas foram válidas para mostrar que a educação se promove com políticas sistêmicas e com compromisso social. Assim, tanto a formação e a valorização dos profissionais quanto o comprometimento do gestor em aplicar corretamente as verbas públicas são condições essenciais para a qualidade. Depositar a responsabilidade de todo um sistema sobre um único ator educacional não é o caminho para a promoção da verdadeira função social da escola, embora muitos acreditem que seja.
Da mesma forma que há estudos indicando a pasteurização de métodos e conteúdos e a individualização da responsabilidade do educador como fatores para o (in)sucesso do aprendizado conteudista, há outros, no entanto, pautados nos princípios de uma educação voltada à cidadania, que revelam ser a gestão democrática o alicerce da escola quanto agência pública de promoção social.
Seguindo esta última lógica, acreditamos que o país, representado pelas três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal), precisa avançar rumo à cooperação e à democratização da gestão educacional, razão pela qual a implementação do PSPN aliado à carreira e a constituição do Sistema Nacional Articulado de Educação são as maiores urgências no atual cenário da educação brasileira.
Com informações do site da CNTE