Projetos de educação domiciliar contribuem para a privatização da Educação

Aprovado no Distrito Federal desde o final de 2020, um projeto de lei que legaliza a educação domiciliar tramita com velocidade na Câmara dos Deputados. De autoria de Bia Kicis, integrante da tropa de choque de Bolsonaro no Congresso Nacional, o PL 3262/2019, em manobra orquestrada por ela, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e agora aguarda para ir direto ao plenário.

Hoje, a educação domiciliar enquadra-se como crime de abandono intelectual, segundo o artigo 246 do Código Penal. O projeto de Bia Kicis, portanto, quer eliminar esse artigo para tornar a prática legal. Para isso, ela se vale da estrutura do governo e do orçamento paralelo de Bolsonaro, que considera prioritária a aprovação desse PL.

Os princípios e fundamentações que norteiam a defesa da educação domiciliar são deveras semelhantes aos da lei da mordaça (“Escola Sem Partido”). Ambas as propostas se pautam por desqualificar o trabalho dos profissionais da Educação, exaltar valores religiosos específicos e questionar conteúdos científicos, sobretudo da área de Humanas.

Afronta aos direitos das crianças

As consequências, certamente, serão desastrosas. Os malefícios causados à formação humana e intelectual da própria criança podem ser irreparáveis. A ela será negado o convívio com seus semelhantes e a vivência escolar.

A inserção numa comunidade que integra similaridades e diversidade e compartilha do processo de aprendizagem traz riqueza ao cotidiano e à formação do estudante. A prática da educação domiciliar também atropela a educação especial numa perspectiva inclusiva, que os movimentos de educação e de pessoas com deficiência tanto lutaram para alcançar.

Diferentemente do que ocorre no ambiente escolar, em que os conteúdos são apresentados e ganham corpo a partir da bagagem de cada criança ou adolescente, na educação domiciliar, ao contrário, nega-se ao estudante o debate frutífero sobre conteúdos para a construção do conhecimento. É possível, inclusive, negar-se o acesso a determinados conteúdos, restringindo os saberes que a criança pode ou não pode acessar, de acordo com interesses privados.

Além disso, conforme o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente aponta, a escola também cumpre o papel de proteger os estudantes de situações de abuso e de violência que possam vir a ocorrer dentro do círculo familiar. Ao privar a criança ou o adolescente da vivência em comunidade, ele pode sim ficar desamparado diante de situações que o intimidam.

Em defesa da escola pública

A proposta também visa a combater a Educação pública como instituição. A mais visível consequência da legalização da educação domiciliar é a redução de investimentos – já parcos -, para transferi-los a iniciativas privadas. Vale lembrar que, para lançar mão da educação domiciliar, os pais da criança deverão se vincular a uma entidade privada cadastrada junto ao governo.

Lecionar é uma atividade profissional que demanda formação. O professor ou professora estuda e se prepara para cumprir esse papel de tamanha relevância, que não pode ser substituído por profissionais de outras áreas. Apostar na substituição do professor é mais uma forma de atacar o Magistério, desregulamentando e desvalorizando sua atividade.

Por outro lado, também favorece a terceirização e a profunda precarização do trabalho do profissional de Educação. Basta compararmos a proposta em questão à ação localizada de famílias que contratam reforço escolar junto a professores particulares. Quais os direitos garantidos a esses profissionais? Qual sua tabela salarial? Quais suas condições de trabalho e como ele ou ela pode exercer sua liberdade de cátedra?

A educação domiciliar, portanto, é inimiga dos direitos da criança e do adolescente e da educação pública ao mesmo tempo. A aprovação desse projeto representa um passo importante na direção da privatização da Educação. Por isso, combater a educação domiciliar é uma tarefa de primeira hora para os defensores e defensoras da escola pública.