Projeto teatral oferece esperança para jovens em vulnerabilidade social

Descalço, com as roupas puídas, o olhar distante e o corpo desnutrido, resultado da falta de alimentação adequada, João (nome fictício) costumava olhar a vida sob o prisma da falta de oportunidades e de um possível convívio mais estreito com a criminalidade. Em meio a um cenário de extrema pobreza e de muitos amigos ligados ao crime e às drogas, o adolescente encontrou na escola a oportunidade para uma vida melhor. Passados alguns anos, João venceu desafios, superou dificuldades, desviou de vários percalços e hoje é professor da rede pública de ensino do Distrito Federal.

O exemplo acima é apenas um de vários outros que, por meio de um projeto de teatro desenvolvido pelo diretor do Centro de Ensino Médio Integrado (CEMI) do Cruzeiro, Getúlio Souza Cruz, encontraram na educação a esperança que precisavam para se encontrar no mundo. Ao longo dos anos o projeto foi responsável por reverter um grave processo de violência vivenciado por muitos(as) estudantes, que em sua maioria viviam na Estrutural. Foram mais de 400 alunos(as) tirados(as) das ruas e inseridos em uma profissão. Segundo o educador, ele encontra ex-alunos pelas ruas e hoje são enfermeiros, médicos, atores, advogados, doutores, dentre outros profissionais.

Em uma entrevista, Fernanda Montenegro disse que “o teatro e a educação devem caminhar juntos; educar não é só ensinar a ler e escrever, é ensinar a pensar e sentir o mundo de outras formas”. “Como ex aluna de teatro, só posso concordar com a grandiosa atriz e enquanto professora, tenho a honra de afirmar que o projeto do professor Getúlio dialoga não somente com essa frase, como com a determinação do trabalho da equipe do CEMI, que ao longo dos anos, resistentemente procuram desenvolver projetos voltados para uma educação qualitativa. Professor Getúlio é um exemplo dessa determinação necessária à Rede Pública de Educação do DF”, ressalta Regina Célia, diretora da secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres do Sinpro.

 

O início de tudo

Após ser aprovado no concurso da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) em 1997, Getúlio foi direcionado para o Centro de Ensino Fundamental 308 de Santa Maria, onde se deparou com uma escola repleta de violência, drogas e até mesmo com alunos em liberdade assistida. Formado em Artes Cênica pela Faculdade Dulcina de Moraes, o educador iniciou o projeto de teatro na escola inspirado em Augusto Boal e Olga Reverbel, momento que abriu as inscrições para alunos(as) interessados(as) em teatro no turno contrário. Cerca de 69 estudantes se inscreveram e o projeto teve início com oficinas direcionadas para o tratamento voltado para disciplina, respeito mútuo e amizade.

No CEMI do Cruzeiro há nove anos, Getúlio levou o projeto e ainda foi além: é responsável por um processo de transformação da unidade escolar. Para atender estudantes do ensino médio e com foco profissionalizante, em 2014 o educador, que na época era vice-diretor, articulou a mudança que fez com que a unidade de ensino se transformasse em escola técnica, com oferta de informática. Além da mudança formal, o gestor conseguiu a expansão de 12 para 14 salas de aula e a instalação de 40 computadores.

Lembrando do início de tudo, Getúlio explica que se deparou com grandes dificuldades, que vão desde convencer a direção da escola a comprar a ideia do projeto, a dificuldades de locomoção, trabalhar nos finais de semana, distância da família e até mesmo a investimento financeiro próprio nos espetáculos. “No início foi tudo muito difícil. Alguns familiares não compreendiam a importância do trabalho, tínhamos problemas de violência nas comunidades onde os estudantes moravam e próximo à escola, sem falar da falta de investimento. Desafios que superei”.

Com os cabelos já grisalhos, Getúlio Souza não pensa em parar. Integrante do Conselho Curador da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes e mestrado na Universidade de Brasília (UnB) em artes cênicas, o educador afirma: os projetos continuam a todo vapor. Depois da reforma do auditório, agora a meta é entregar um projeto de paisagismo, para tornar o ambiente escolar mais acolhedor.

Em uma de suas célebres frases, Paulo Freire afirmava que “a educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo”. O projeto teatral desenvolvido pelo professor Getúlio tem transformado muitas pessoas, que de forma direta tem ajudado a transformar o mundo.